Correio da Cidadania

O poder da bestialidade em Felisburgo

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Por que soluça em copiosas lágrimas, pobre lavrador?

Ai, seu doutô! Não tem cachaça que me para essa dor de revolta...  a saudade daqueles companheiros, que o sangue ‘vremelho’ esguichava do corpo deles... É maldade do cão!... Os meus companheiros, matados sem um dó, nesta terra, que é de Deus!


É bom notar, à luz da história, que, organizados na Constituinte de 1987 através da truculenta UDR (União Democrática Ruralista), promovendo rodeios e leilões de gados, os senhores de terra fizeram constar na Constituição Federal, sem que contribuíssem um centavo sequer para com a Previdência Social, a obrigação de tão-só o Estado promover a justa aposentadoria do trabalhador do campo. Quando esse patronato rural é que deveria arcar com todo o custo dessas indenizações, visto que explorou o digno trabalho do camponês, as mãos calejadas, até minguar as forças vitais, ao longo dos anos.

 

Conclusão: reduziu-se, vorazmente, o valor das aposentadorias/pensões do contribuinte urbano e, por consequência, 80% de beneficiários do INSS percebem salário mínimo. Ou seja, quem sustenta os pagamentos do aposentado rural são as contribuições do operário. Também a União, que transfere considerável parcela do seu orçamento para o “equilíbrio” nas contas da Previdência Social. E, não bastando o vergonhoso fator previdenciário, tramam subtrair mais direitos dos trabalhadores contribuintes, mantendo intocável a riqueza dos latifundiários. Tudo, com a anuência de sindicatos pelegos!

 

Ademais, ressaltem as articulações desses sórdidos fazendeiros, no calote ao Banco do Brasil, refinanciando o refinanciamento do refinanciamento da dívida, a ‘perder de vista’. Ora, por que o Estado não liquida o patrimônio desses grandes devedores, assegurando as terras deles para Reforma Agrária? Simplesmente porque os governos de tucanos e petistas, atrelados ao PMDB de barras-pesadas, são do estilo “paz e amor”, não têm isenção moral para encurralar todo-poderosos rurais.

 

Com sinais de retração da atividade de serviços e a queda na produção industrial brasileira em curso (rumo à desindustrialização), cada vez mais, ganha força e poder, até mesmo para barganhar ministérios, especular no mercado interno e elevar os índices de inflação, o setor de produção agropecuária – firmado pelas principais emissoras de rádio e televisão, Globo e Bandeirantes. Assim, devido à democracia de economia ao modo de concentração da renda, resta ao Estado manter pesados tributos, incluindo o deplorável Imposto Sindical. Fica por fazer ao Estado, há muito dilapidado pela classe dominante, o recurso de assistir a população explorada por política de compensação social. Só o Bolsa Família, bem-sucedido artifício, eleitoreiro e assistencialista, representa fonte de sustento a 16,5 milhões de famílias carentes. E que, por recente boataria (jogo da “oposição” ou sondagem do próprio governo?), dando conta do fim deste programa, levou milhares de donas de casa em desespero às agências da Caixa. Famílias estas induzidas a desistirem de conquistar a terra produtiva, nesses “10 anos de governos do PT”.  Isto, sob os aplausos de segmentos reacionários da sociedade.

 

Em tempo real da informação, das céleres e célebres inovações neste século 21, e quando o Brasil ocupa a mídia internacional com ares de desenvolvimento econômico e oportunidade de trabalho e renda a profissionais imigrantes, vê-se ainda o horror de crueldade contra trabalhadores, fatos típicos de um período colonial da mão de obra cativa. Vê-se a morosidade processual, a excessiva indefinição judicial e até anulação de condenações de fazendeiros assassinos. Vê-se a desumana condição de sobrevivência nos sertões, por intransigência dos opressores ruralistas e por ladroagem das empreiteiras nas obras de irrigação. E, dentre estados de concentração fundiária, governados pela (e para) a elite agrária de arrogantes mandões, Minas Gerais mantém a lei do chumbo súbito, da pistolagem à solta contratada, até mesmo contra fiscais do Ministério do Trabalho (Chacina de Unai), numa debochada afronta aos poderes constituídos. Minas Gerais que acomoda cerca (e com cercas) 11 milhões de hectares de terras devolutas.

 

Mormente, na região de Jequitinhonha, ao norte de Minas, onde se cultiva o pensamento retrógrado de economia em latifúndio e do trabalho em condições de escravidão, perpetuada no velho modelo de coronelismo do Nordeste e Norte brasileiros, o que se indigna são prepotência e domínio de uma classe rica e ignorante, resistindo contra a civilização. Composta de tradicionais famílias, “podres de dinheiro”, que apoiaram pelo método do voto de cabresto, desde as campanhas de eleição, os governos de FHC, de Lula e de Dilma Rousseff na presidência da República. Além de financiarem a manada de parlamentares ruralistas no Congresso Nacional. Não à toa, impuseram cala-boca ao debate nacional sobre controle ambiental e, à imprensa adestrada, a exclusão da pauta do projeto de Reforma Agrária. Assim, com o avanço do agronegócio financiado por recurso público, as terras incultas em posse de manda-balas estão sendo supervalorizadas. Só não as ‘negociam’ com o INCRA (em Minas, a superintendência do órgão federal por um esnobe e bargante petista), como meio de conter a investida dos sem-terra.

 

O julgamento de Adriano Chafik, irracional e inconsequente fazendeiro que comandou in loco o Massacre de Felisburgo, assumido réu nos autos, marcado para o dia 15 de maio passado no Fórum Lafayette em Belo Horizonte, fora adiado de última hora, por manobra de sua defesa e, sem mais, acatado pelo juiz do feito. Embora, notada a manifestação de repúdio de trabalhadores Sem Terra em frente àquela instância do Judiciário. Todavia, o que não surpreende a ninguém, observou-se a ausência, naquele protesto, de principais cabeças – e determinados cabeças-duras! –, covardes e indolentes, que integram a coordenação mineira do Movimento. Talvez porque lhes faltou “ajuda de custo”, já que, a exemplo de dirigentes partidários, estes também não têm posição ideológica. Os centros de formação administrados pelo MST, em sua maioria, só serviram a pessoas de classe média urbana, sem o mínimo de compromisso com a luta pela terra venerável.

 

Registre-se o perfil de Adriano Chafik, ao invadir premeditadamente, e aos rojões, em 20 de novembro de 2004, o acampamento Terra Prometida: assassino medonho, de posse de potente arma de fogo e acompanhado de 17 jagunços irados com espingardas calibre 12, o carnífice capitalista assume a dianteira de execução sumária, sem chance de defesa das vítimas, bufando sobre os cadáveres exangues. A sequência de cenas de selvageria, ocorrida há quase nove anos, descrita por aqueles que presenciaram o Massacre de Felisburgo, revela como cinco trabalhadores foram medievalmente “abatidos” e outros 20 gravemente feridos, incluindo crianças – deixando-os com sequelas físicas e/ou psíquicas. Chafik, influente na política e impune por compadrio, dá as “ordens”, e ninguém ousa contrariá-lo; nem delegados de polícia, nem juízes. Tampouco, um ex-presidente da República pôde tirar dele aquela propriedade rural, objeto do conflito, para fins de desapropriação e assentamento pelo INCRA.

 

Lula fez o papel de bufão de si mesmo ao prometer (“questão de honra, companheiros!”), e não cumprir, transformar em assentamento a Fazenda Nova Alegria.

 

Se a grande imprensa mineira, por conveniência comercial, enaltece o poder econômico, bajula celebridades e só faz reproduzir o que é de repercussão pela mídia de São Paulo e do Rio de Janeiro, imagina produzirem jornalismo investigativo que corrobore com investigações e punições a fazendeiros marginais? Infelizmente, habituados ao chavão do manda quem pode e obedece quem tem juízo, ao Estado repressor (que investe, progressivamente, mais no sistema carcerário do que em educação) e ao Judiciário elitista, o sofrido povo mineiro não tem reagido aos absurdos contra Direitos Humanos. Quiçá, avolumar os espaços públicos para soltar a grita da indignação?! Mas, não. Aceita, inanimado, a conversa de cerca-lourenço e a publicidade de realizações imaginárias de governos perdulários. Tolera até o político Aécio Neves, que deveria representá-lo no Senado, residir na Cidade Maravilhosa, dolce far niente, à custa do dinheiro público! Aécio, pré-candidato de FHC e da bancada ruralista ao Palácio do Planalto em 2014, só mostra a cara em Minas para sugestionar o voto dos incautos eleitores.

 

Tristes viúvas do Massacre de Felisburgo, prostradas sobre os túmulos inquietos! Tristes, elas, da cor fúnebre à face, o olhar apreensivo da dúvida à memória de seus sacrifícios! E os corações de boa-fé que, rompendo o silêncio da indiferença, evocam a liberdade dos céus e clamam por verdade na terra! E o Massacre de Felisburgo, o Massacre de Felisburgo, ó capas-pretas judiciosas! Dez enterros e vinte enfermos! Esta terrível mácula do egoísmo senhorial que não se dissipa no tempo!

 

Será tudo isso omissão pecaminosa também da Igreja? Saudades daquela Igreja de Reverendíssimas Eminências populares! Saudades!

 

P.S.: Expresso o meu apreço a Ênio Bonneberge, líder do MST, e a Frei Gilvander Moreira, da Pastoral da Terra, ambos valorosos e incansáveis lutadores, apercebidos na caminhada por justiça social em terras de Minas Gerais.

 

Julio Cesar de Castro presta assessoria técnica em Construção Civil.

E-mail: jota.castro(0)yahoo.com.br

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