Brasil cada vez mais próximo da segunda onda da pandemia
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- José Eustáquio Diniz Alves
- 04/12/2020
“O ser humano começa a morrer na idade em que perde o entusiasmo”
Honoré de Balzac (1799-1850)
Vista aérea do cemitério reservado às vítimas da pandemia com um arco-íris no céu no cemitério Nossa Senhora Aparecida, em Manaus,. O Brasil segue sendo um dos países mais atingidos pela doença. Foto Michael Dantas/AFP
O ritmo de propagação da covid-19 vinha diminuindo no Brasil entre os meses de agosto e outubro e, embora os montantes de casos e mortes estivessem relativamente elevados, eles voltaram a apresentar tendência de alta em novembro. As curvas epidemiológicas apresentam direção ascendente pela segunda semana consecutiva. Evidentemente, não há total certeza sobre o grau e o alcance da pandemia, mas, como vínhamos alertando aqui e aqui, as evidências indicam que a 2ª onda da covid-19 no Brasil está cada vez mais próxima, pois, entre 7 e 21 de novembro, a média móvel de casos subiu 76% e a média móvel de mortes subiu 45%.
Segundo o monitoramento feito pelo Imperial College de Londres, no Reino Unido, a taxa de transmissão (Rt) do novo coronavírus voltou a subir no Brasil. O relatório, divulgado no dia 17 de novembro, mostra que o índice está em 1,10, o que significa que cada grupo de cem pessoas contaminadas transmitem o vírus para outras 110 pessoas. Os dados levam em conta a média das estimativas de mortes na comparação de duas semanas. Outro indicador é a aceleração dos casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) que aumentou em dez capitais brasileiras na última semana, conforme o boletim de monitoramento da Fiocruz, o InfoGripe.
O que acontece em território brasileiro não é diverso do que ocorre em outras partes do Planeta que experimentam o repique da doença. O mundo bateu todos os recordes de casos e de mortes nas últimas três semanas e alguns países que foram profundamente atingidos pela primeira onda, como Bélgica, Itália, Espanha, Reino Unido e Rússia, agora passam por uma segunda onda ainda mais forte do que a anterior. Outros países, como Irã, Turquia, Israel e EUA passam por uma terceira onda, também com níveis superiores às anteriores.
As ondas podem ser medidas de acordo com o número de cúspides das curvas epidemiológicas. Um país tem apenas uma onda da covid-19 quando a curva é unimodal, tem duas ondas quando a curva é bimodal e tem três ondas quando a curva epidemiológica é trimodal. Analisando os 62 países com mais de 100 mil casos acumulados nota-se que a grande maioria já está na 2ª ou na 3ª onda. As exceções, por enquanto, são Índia, Argentina, África do Sul, Iraque e Indonésia que ainda estão na 1ª onda.
Em termos regionais, existe uma defasagem cronológica entre os surtos pandêmicos e, provavelmente, o Brasil vai repetir o que já acontece em outras partes do globo, como na Europa e na América do Norte. Nosso país não realiza o número de testes necessários, mas, mesmo assim, o número de casos tem crescido em muitas partes do território nacional. O aumento do número de pessoas internadas e da taxa de ocupação de leitos de UTI na rede SUS são o prenúncio da elevação do montante de mortes que deverá acontecer um certo tempo após o contágio e a internação.
Na semana posterior à 1ª ronda das eleições municipais os números da covid-19 dispararam no Brasil e a maioria dos estados apresenta tendência de alta, com destaque para o Amapá que registra as maiores taxas de elevação. O pesquisador Domingos Alves, responsável pelo Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto alerta: “O Brasil já está na segunda onda de Covid-19”. O professor Paulo Lotufo, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), compara a situação atual com a arremetida de um avião, que estava descendo, mas, antes de atingir o solo e pousar, voltou a subir.
O panorama nacional
No dia 21/11, o Ministério da Saúde registrou o número acumulado de 6.052.786 pessoas infectadas e 168.989 vidas perdidas no Brasil, com uma taxa de letalidade de 2,8%. Foram 32.622 novos casos e 376 mortes nas últimas 24 horas. O Brasil continua em 3º lugar no ranking global de casos (atrás apenas dos EUA e da Índia) e no 2º lugar no número de mortes (atrás apenas dos EUA). Os números da pandemia subiram significativamente nas últimas semanas, podendo indicar que o país esteja no início de uma nova onda da covid-19.
O gráfico abaixo mostra as variações absolutas diárias do número de casos no território nacional entre 01/03 a 21/11 e a média móvel de 14 dias. Desde o início de março, o número de pessoas infectadas cresceu continuamente até o pico de 45.078 casos no início de agosto. Nas semanas seguintes os números caíram para menos da metade do pico, mas voltaram a subir nas duas últimas semanas. As autoridades de saúde e a sociedade civil precisam acompanhar com atenção este repique do número de casos e tomar as medidas de prevenção para evitar um novo surto como o anterior.
O gráfico abaixo mostra as variações absolutas diárias do número de óbitos no território nacional entre 15/03 e 21/11 e a média móvel de 14 dias. Nota-se que o número de vidas perdidas cresceu rapidamente desde o primeiro óbito em meados de março até o final de maio quando ficou acima de 1 mil vítimas fatais diárias e se manteve neste patamar elevado até 1.061 óbitos no final de julho.
Entre agosto e outubro a média móvel caiu até um nível abaixo de 400 óbitos diários, mas voltou a subir na segunda e terceira semana de novembro. A curva epidemiológica voltou a apresentar tendência ascendente, o que pode indicar o início de uma 2ª onda da covid-19 no Brasil.
O panorama global
O mundo está chegando a 60 milhões de pessoas infectadas e a 1,4 milhão de mortes, com uma taxa de letalidade de 2,4%. Em vários dias do mês de novembro o mundo superou 600 mil casos diários. Já são 11 países com mais de um milhão de casos acumulados da covid-19, sendo que o último a atingir esta marca foi o México, que também ultrapassou 100 mil mortes.
Nos meses de janeiro e fevereiro a pandemia estava, fundamentalmente, restrita à Ásia. Mas no mês de março a propagação do SARS-CoV-2 atingiu fortemente a Europa e os Estados Unidos e parecia que haveria declínio da segunda metade de abril. Contudo, conforme mostra o gráfico abaixo, o número de casos continuou crescendo continuamente a partir de maio, deu uma desacelerada em agosto e setembro e a curva voltou a acelerar em outubro e novembro.
Na 47ª semana epidemiológica (15 a 21/11) a média móvel ficou em 590 mil pessoas infectadas a cada 24 horas. Com fluxos e refluxos nas diversas regiões do mundo, a pandemia ainda não dá sinais de trégua e as festas de fim de ano terão que ocorrer de forma virtual.
O gráfico abaixo mostra o número diário de óbitos no mundo e a média móvel de 14 dias. A maior subida do número de mortes aconteceu em março e o pico da média móvel ocorreu em meados de abril com cerca de 7 mil vidas perdidas por dia.
A partir deste pico, o número diário de vítimas fatais caiu até o final de maio e voltou a crescer e a oscilar entre 4 mil e 6 mil mortes diárias. Todavia, a 2ª onda ocorrida na Europa e na América do Norte fez o mundo alcançar novos recordes de mortes. Novos picos foram alcançados em novembro. Na 47ª semana epidemiológica (15 a 21/11) a média móvel ultrapassou 9 mil óbitos diários.
Os números globais da pandemia são realmente assustadores e estão transformando 2020 em um ano de grande sofrimento não só na área de saúde, mas também com impactos devastadores em termos econômicos e sociais. Já são 5 países com mais de 2 milhões de casos (EUA, Índia, Brasil, França e Rússia) e 4 países com mais de 100 mil mortes (EUA, Brasil, Índia e México). Considerando o peso demográfico, a Bélgica é o país com o maior coeficiente de mortalidade, sendo 1.322 mortes por milhão de habitantes.
Os Estados Unidos, considerado o país mais rico do mundo e com uma população de 331 milhões de habitantes (4,3% do total global), tem apresentado números da covid-19 extremamente elevados. Em termos acumulados já são mais de 12 milhões de casos (21% do total) e mais de 260 mil óbitos (19% do total). O gráfico abaixo mostra que os EUA estão enfrentando a 3ª onda da covid-19 e na última semana chegou a apresentar 200 mil casos por dia e mais de 2 mil mortes a cada 24 horas.
Entretanto, o presidente Donald Trump – que sempre foi um negacionista da gravidade da pandemia – se recusa em reconhecer os resultados das urnas e o novo presidente eleito ainda não tem acesso aos instrumentos da política pública de saúde para conter o SARS-CoV-2. No meio deste impasse, as curvas continuam apontando para cima e o país terá um Dia de Ação de Graças inusual e sem nenhuma graça.
O mundo perdeu a batalha para controlar e evitar a transmissão comunitária do novo coronavírus. A esperança agora está depositada no surgimento de vacinas com alto grau de eficiência e que possam imunizar a população mundial. Mas, a despeito do grande avanço da ciência e das pesquisas que prometem vacinas eficazes, o esforço de logística para imunizar a população mundial não será uma tarefa simples e rápida. Há muitos desafios pela frente. Será preciso encontrar forças para evitar o desânimo e manter o entusiasmo.
Referências:
ALVES, JED. Diário da Covid-19: Óbitos caem, mas cresce a probabilidade de 2ª onda no Brasil, #Colabora, 25/10/2020
https://projetocolabora.com.br/ods3/obitos-caem-mas-cresce-a-probabilidade-de-2a-onda-no-brasil/
ALVES, JED. Diário da Covid-19: pandemia bate recordes e reverte tendência no Brasil, #Colabora, 15/11/2020
https://projetocolabora.com.br/ods3/pandemia-bate-recordes-e-reverte-a-tendencia-no-brasil/
José Eustáquio Diniz Alves, sociólogo, mestre em economia e doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É colunista do Portal Colabora, onde este artigo foi originalmente publicado.