Correio da Cidadania

'Por que só nesses lugares?'

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Foto: Ponte Jornalismo

Presa há um ano e três meses por roubo, a modelo e dançarina Barbara Querino, a Babiy, aproveitou uma saída temporária de Páscoa para rever a família e os amigos, que nunca duvidaram de sua inocência. O processo que a condenou é cheio de falhas, como a Ponte demonstrou nesta reportagem: o juiz Klaus Marouelli Arroyo, que condenou a jovem, baseou-se no testemunho de um casal branco, que disse ter reconhecido Babiy pelos cabelos, e ignorou testemunhos e fotografias que apontavam que, no dia do roubo, ela estava a 90 quilômetros do local do crime.

A facilidade com que polícia, promotor e juiz ignoraram provas e se apressaram em condenar a jovem só pode ser explicada pela sua classe social e pela cor de sua pele, afirma Babiy. "Eu sou a prova viva de que o Brasil é um país racista", ela declarou em entrevista à repórter Paloma Vasconcelos.

Nessa conversa com a Ponte, Babiy falou sobre a vida na cadeia e a constatação de que os muros das prisões são, num certo sentido, uma continuação das periferias. “[Os presos] são pessoas que moram perto da minha casa, pessoas da Brasilândia, do Itaim Paulista, de Suzano. Por que só nesses lugares tem coisa errada?".

Sim, é uma boa pergunta. Por quê? O encarceramento nunca é uma consequência natural dos crimes, como os mais ingênuos ou desinformados podem acreditar. Em qualquer sociedade, regras são quebradas o tempo todo, e todos em algum momento fazemos algo que pode ser considerado errado de acordo com determinada norma. Assim, a máquina estatal de vigiar e punir tem de fazer uma seleção, escolhendo quais os delitos que merecem as investidas da polícia e do encarceramento.

Quais são os delitos que as polícias em geral combatem no Brasil? Tradicionalmente, aqueles que têm mais chance de ser praticados por pobres e negros: o consumo e a venda de determinadas drogas, um determinado tipo de música e de dança, os furtos e roubos. Já os delitos mais praticados por brancos e endinheirados, como delitos ambientais, crimes de trânsito e sonegações, recebem uma atenção diferenciada.

Um delito ambiental pode até mesmo render exoneração para o fiscal que o registrou, como ocorreu com o fiscal do Ibama que multou o atual presidente Jair Bolsonaro. Na mesma linha, os governos tratam invasores de terras que não têm onde morar com retroescavadeira, porrada e bomba, mas se o invasor tiver dinheiro e se chamar João Doria, pode receber um favor da prefeitura e pagar pela terra que invadiu.

Sim, é só nas periferias, em Brasilândia e Itaim Paulista, que tem gente fazendo coisa errada. Quer dizer: as coisas erradas que dão cadeia.

Quando os historiadores do futuro observarem o Brasil deste século, esse país absurdamente desigual e de profunda herança escravocrata, e se perguntarem sobre a função desempenhada pela polícia, duvido que algum deles vá acreditar que a polícia de 2019 servia para garantir segurança ou combater violência. Polícia e justiça criminal servem, acima de tudo, para controle social. Para manter pobres e negros no seu lugar, ensinando que manda quem pode e obedece quem tem juízo.

Só essa noção é capaz de explicar por que é tão fácil condenar jovens negros por crimes que não cometeram ou matar esses mesmos jovens em execuções extrajudiciais sem consequências legais. Não são desvios: policiais ou militares que matam negros, assim como promotores e juízes que condenam os negros que não foram mortos, estão cumprindo o que a elite que manda no país espera deles.

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Ponte Jornalismo – Justiça, Segurança e Direitos Humanos.

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