Correio da Cidadania

O que está por trás do impeachment

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Em 20 de setembro, no discurso de abertura da 71ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), o golpista e usurpador Michel Temer, hipócrita e oportunisticamente declarou: "o Brasil acaba de atravessar processo longo e complexo, regrado e conduzido pelo Congresso Nacional e pela Suprema Corte brasileira, que culminou em um impedimento. Tudo transcorreu dentro do mais absoluto respeito à ordem constitucional. Não há democracia sem Estado de direito - sem normas que se apliquem a todos, inclusive aos mais poderosos".

 

Segundo ele, o Brasil vive um processo de "depuração política" (deve ser - penso eu - de todos aqueles e aquelas que, de alguma forma, atrapalham o projeto político neoliberal), que demonstra a força de suas instituições. Que descaramento!

 

"Temos - diz ainda - um Judiciário independente, um Ministério Público atuante, e órgãos do Executivo e do Legislativo que cumprem seu dever. Não prevalecem vontades isoladas, mas a força das instituições, sob o olhar atento de uma sociedade plural e de uma imprensa inteiramente livre". Quantas mentiras! Não dá para acreditar! Deve estar pensando que o povo é idiota!

 

Em sinal de protesto, quando Michel Temer - na abertura da Assembleia - começou o seu discurso, as delegações da Venezuela e Equador se levantaram e deixaram o local. As delegações de Cuba e da Bolívia saíram antes ainda. José Serra, um exemplo típico de político traidor do povo - numa entrevista com jornalistas - minimizou e ironizou o protesto. Ele não perde por esperar!

 

Como já afirmei em outros escritos - mesmo fazendo muitas críticas aos governos do PT - o impeachment, sem crime comprovado da presidenta Dilma Rousseff, foi um verdadeiro golpe político parlamentar, revestido aparentemente de legalidade. Inclusive, a maioria dos senadores e senadoras, notoriamente corrupta, não tinha moral para votar o impeachment.

 

Infelizmente, nossa democracia é uma “elitocracia”. Ela proclama liberdades cujo uso o poder econômico retira. Há diversos anos, um ministro da Fazenda declarava: “todo brasileiro(a) tem a liberdade de comprar o carro que quiser”, e ainda: “todo brasileiro(a) tem a liberdade de viajar para onde quiser”. Pergunto: quantos brasileiros(as) têm de fato (não em teoria) a liberdade de comprar o carro que quiserem e viajar para onde quiserem? É uma liberdade condicionada ao poder econômico e os que detêm esse poder são uma pequena minoria.

 

Faço minhas algumas reflexões de Ruy Braga, professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em sociologia do trabalho. Diz ele: “existe hoje uma pressão muito forte nos meios empresariais, que se reflete no parlamento, para articular, através do governo, uma ofensiva contra os interesses dos trabalhadores. Essa ofensiva se organiza em três frentes: o princípio do negociado sobre o legislado, a terceirização e a flexibilização do trabalho e da jornada. Sempre que ocorre uma desaceleração econômica ou a elevação mais ou menos abrupta da taxa de desemprego, o meio empresarial credita automaticamente a crise à rigidez da CLT, que seria de alguma forma superada com a prevalência do negociado sobre o legislado”.

 

Afirma ainda: “toda vez que se fala em reforma (ou “modernização”) da CLT essa questão vem à tona, porque esta é uma lei que prevê a proteção trabalhista enfatizando a participação do sindicato. É uma ameaça permanente. A CLT tem sido constantemente reformada, e a primeira grande reforma foi exatamente após o golpe de 1964, quando os militares aprovaram a regra que instituiu o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e acabaram com a estabilidade no emprego”.

 

A burguesia brasileira - declara o professor - “jamais admitiu a CLT. Não como lei, pois parte substantiva do empresariado simplesmente a ignora. O que a burguesia não assume, o que os setores empresariais não suportam é a CLT como princípio, a ideia de que o trabalhador brasileiro tem no horizonte uma proteção social efetivamente definida pelo Estado e reconhecida como um campo legítimo de afirmação. É isso que não se admite. Portanto, eles querem reformar a CLT, e uma reforma importante seria justamente essa. A prevalência do negociado sobre o legislado favorece o empresário, na medida em que são poucas as categorias com um processo de negociação coletiva consolidado. E o número de categorias que têm um processo de negociação coletiva consolidado com representação sindical forte é ainda menor”.

 

Continua o sociólogo: “essa mudança colocaria a esmagadora maioria dos trabalhadores brasileiros praticamente fora da CLT, pois tudo passaria a ser negociado: quando não há negociação coletiva, o que prevalece é a legislação vigente, ou seja, é a CLT; quando se chega à Justiça do Trabalho, o que prevalece é a CLT. Esse é o ponto. A proposta é subverter (reparem: subverter!) essa lógica. Nada será efetivamente legislado e tudo passará a ser objeto de puro arbítrio dos setores empresariais”. Que retrocesso!

 

Para o professor, o argumento de que a mudança geraria novos empregos não se sustenta. “Quando há desresponsabilização do processo de negociação entre capital e trabalho pelo Estado, o que tende a prevalecer é uma situação na qual o trabalhador vai aceitar todas as imposições que forem levantadas pelo setor empresarial, principalmente em momentos de crise. Seguramente, teremos uma diminuição dos salários e uma flexibilização das condições, com o aumento da jornada de trabalho. É o que o empresário deseja, em última instância, com a chamada negociação livre. A diminuição dos salários e o aumento da jornada trazem prejuízo para o emprego. A compressão da massa salarial diminui as oportunidades, pois reduz a demanda por bens de consumo.

 

Consequentemente, as empresas vendem menos ou tendem a produzir menos. Quanto à jornada, quando se aumenta a jornada de trabalho, diminui-se o número de trabalhadores empregados. É uma conta de aritmética simples. Tudo isso enxuga empregos e cria desemprego. Trata-se de uma falácia achar que a negociação, chamada livre, mas que não é livre coisa nenhuma, vai criar empregos. Ela vai aprofundar a recessão e aumentar o desemprego”.

 

Na realidade - conclui o sociólogo - o Ministério do Trabalho é “um entreposto dos interesses empresariais no governo. Ele quer fazer com que haja uma única interpretação da CLT, que é a interpretação do empresário, do empregador”.

É tudo isso o que está por trás do impeachment e que se pretende esconder debaixo do tapete.

 

Enfim, Ruy Braga afirma categoricamente: “o impeachment foi um golpe (político parlamentar) contra os direitos dos trabalhadores”.  (Fonte:  http://www.cartacapital.com.br/politica/burguesia-brasileira-jamais-admitiu-a-clt).

 

“Virá o dia em que todos ao levantar a vista veremos nesta terra reinar a liberdade”.

 

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