Correio da Cidadania

Para neoliberais, a educação é boa; professores é que atrapalham

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Como se já não bastassem as péssimas condições de trabalho reinantes nesse país, em todas as áreas e instâncias, os professores ainda têm de lidar com a truculência e a campanha absurda promovida por meios de imprensa e figuras que representam os interesses do mercado no campo da Educação.

 

No afã de destilar toda a sua oposição pelos profissionais da educação, em particular, e pelos servidores públicos, em geral, João Batista, ao invés de fazer jus ao nome, procura assassinar a verdade, distribuindo socos e pontapés contra o argumento lógico, conforme se pode ver no artigo intitulado “Professores, de heróis a coitadinhos” (O Globo, 27/09/14, p. 23).

 

É incrível que o sujeito tenha coragem de se servir de uma pesquisa de opinião apócrifa, demandada por um dos candidatos à presidência da República (cujo partido nunca escondeu o seu ódio visceral ao funcionalismo público, a ponto de xingar de “vagabundos” os membros de uma de suas categorias), toda ela dirigida de maneira espúria para montar o cenário mais negativo possível contra esses profissionais. Não satisfeito, o autor do panfleto, além de atacar o funcionalismo público, resolve esfolar, como se estivesse numa gaiola de MMA, a nossa inteligência.

 

Lá pelas tantas, João descobre que os médicos são mal vistos pela “população” (não se sabe qual, se do Brasil, do Pinel, do Projac ou da cabeça dele mesmo) pelo fato de os discípulos de Hipócrates terem “salários acima da média”.

 

Sem querer, João descobre que aquele que consegue botar um jaleco branco tem tudo, cedo ou tarde, para acabar posando para a capa da Forbes ou Caras mesmo, resultado de tanto dinheiro fácil ganho às expensas da doença alheia.

 

Mas ele não para por aí. Ah, duvida? Vejam só o que esse senhor é capaz de defender. “Antes, professores eram heróis, dedicados, magistério era vocação. Aos poucos, foram se tornando vítimas. Como?”.

 

Já deu para perceber que, tal como os escritos de fanáticos religiosos ou dos mitos, a narrativa do autor é pontuada por um antes que não é situado nem em termo temporal nem espacial. Ele vaga por aí. É um marco aleatório, não identificável, que não admite contestações. Claro, esse é o objetivo do autor. Ele não quer o debate: ele quer impor as suas ideias e seu posicionamento político, custe o que custar. E mais: o autor tenta desvirtuar toda a discussão dizendo que a educação era boa porque ela era feita por “heróis” que a viam como “vocação”.

 

Simples assim: mesmo ganhando mal, os professores eram incapazes de fazer greve e mesmo de reclamar, pois era tudo festa, era pura diversão. Era uma profissão de fé. Os professores eram movidos apenas pelo desejo de fazer o bem, sem nada receber em troca. Que bonito.

 

Claro que essa deve ser a postura do Instituto presidido pelo autor: nada de dinheiro ou verbas (públicas e privadas), o combustível do Alfa e Beto encontra-se no amor desinteressado de valorosos militantes vocacionados, imbuídos do mais puro e sincero espírito de sacrifício e despojamento da vida material.

 

E como eles pagam suas contas? Com muita oração e se alimentando dos raios solares.

 

Bem, prossigamos:

 

“Enquanto – segue em seu palavrório pastoral – na área de saúde o termo ‘profissional da saúde’ é sinônimo de valorização da profissão, na educação as corporações e sindicatos usam outra lógica e reconhecem seu pessoal como ‘trabalhadores’. De heróis passaram a vítimas, pois no discurso da sociedade de classes a palavra ‘trabalhador’ no geral é usada no contexto de ‘exploração’ pelo patrão. Daí foi um pulo para serem considerados os coitadinhos”.

 

O que o autor quis dizer com esse trecho, eu não sei. Mas salta aos olhos como ele parece ter reproduzido a lógica argumentativa de Olavo de Carvalho. Os professores não são desvalorizados, não. Tudo isso não passa de um complô castrista-chavista da esquerda comunista-revolucionária, que tenta inocular o vírus da sedição nos pobres educadores.

 

Mas não tarda para o autor sacar outro truque da sua cartola. “Professores não são coitadinhos nem vítimas. A esmagadora maioria é gente trabalhadora e dedicada. Os professores se orgulham da profissão que escolheram, embora nem sempre estejam preparados de forma adequada para um exercício profissional de alto nível”.

 

Taí, para além do comunismo internacional, a culpa é dos professores, digo, dos professores incapazes, relapsos, fracos, incompetentes.

 

O autor despeja de maneira bem sintética, e em jato, todo o arsenal conceitual baseado no darwinismo social com pitadas de Schumpeter: a educação é para os mais fortes, que suportam tudo, sem reclamar, que não baixam a cabeça, nem mesmo cruzam os braços diante da desvalorização da sua profissão, do descaso, das péssimas condições de trabalho etc.

 

Mas baseado em que ele cospe essas barbaridades? Em nada, claro. E precisa? Ora, estamos diante de um arrazoado tendencioso, ideologicamente comprometido, que se alimenta do senso comum mais reacionário e vulgar possível. Então, para quê fundamentar qualquer argumento que seja, se a muleta da ignorância já é suficiente?

 

Portanto, basta ter um mínimo de peito e disposição para sujar as mãos à cata de palavras e conceitos, os mais bizarros e estúpidos, mas que por isso mesmo incentivem o ódio das pessoas pelo Estado. E pronto: temos um excelente texto “forma-dor de opinião”. E lógico, perfeito para sair no Globo, o jornal que diz ter se arrependido de apoiar o golpe militar de 1964 e a ditadura que se lhe seguiu.

 

E o autor continua... não, chega! Meu estômago não suporta mais. Ele pede clemência. Para sorte do João, a tentativa de homicídio do estômago alheio ainda não configura crime nesse país.

 

Imagem: Captura de tela.

 

 

Leonardo Soares dos Santos é professor de História da UFF/Campos.


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