Correio da Cidadania

Julgamento do impeachment de Dilma é teatro de sombras

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Estranho teatro de sombras é este julgamento do processo de afastamento (impeachment) de Dilma Rousseff, com os senadores transformados em juízes de tão importante decisão. Todos os principais atores desta farsa desempenham um papel muito bem ensaiado, mas que não corresponde às suas verdadeiras intenções.

 

Em primeiro lugar, a direita que vai obter o afastamento de Dilma e a posse do seu vice Michel Temer, consumando um golpe palaciano de nefastas consequências para o povo e o país. Os seus líderes bradam juras à democracia quando espezinham os seus mais elementares princípios. Inventam um crime de responsabilidade que Dilma não cometeu. Falam de democracia quando na verdade se preparam para governar o país promovendo uma contrarrevolução legislativa, a aproveitar um governo que não depende dos eleitores, com um programa que não foi escrutinado e cujos integrantes não pretendem se apresentar a votos em 2018.

 

Em segundo lugar, o Partido dos Trabalhadores (PT) que esbravejou contra o golpe, mas há meses que já deixou cair Dilma Rousseff, traindo a sua própria palavra de ordem “não vai ter golpe!”. Vai ter, sim, porque Dilma no último ano perdeu o apoio que lhe dava a vitória eleitoral, ao aplicar um programa oposto ao que a elegera. E porque o PT não quis mobilizar o povo contra Temer, Lula preferiu mais uma vez os bastidores às tribunas, chegando-se a esta sessão decisiva no Senado com a melancólica sensação da inevitabilidade do afastamento definitivo da presidenta e da posse de Temer.

 

O PT sequer pretende eleições agora, tendo mesmo desautorizado Dilma e a sua carta aberta, divulgada na semana passada – em que se compromete, se o impeachment não for aprovado, a realizar um plebiscito para saber se o povo brasileiro pretende antecipar as eleições. A executiva nacional do partido não teve qualquer prurido de votar contra essa proposta.

 

Na verdade, tal como a direita, o PT também prefere que Temer fique no governo, apostando no seu desgaste para voltar ao poder, com Lula, nas eleições de 2018. Com isso, mostra que não tirou as lições da sua política passada. Recordemos que Temer só pôde formar governo porque era o vice-presidente de Dilma. A serpente teve o ovo chocado pelo governo do PT.

 

Mais ainda: o mesmo PT que brada contra o golpe faz alianças eleitorais com os partidos “golpistas”, nas eleições municipais de outubro, em nada menos que 1.600 municípios! O mesmo PT que se apresenta como uma barreira contra os golpistas apoiou para a presidência da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia, que votou a favor do impeachment e é do DEM, o herdeiro direto do partido dos ditadores militares do golpe de 1964.

 

Finalmente, a própria Dilma, que corretamente acusa os que a querem afastar de pretenderem pôr em prática um programa que não foi escolhido pelos eleitores, parece esquecer que, logo a seguir às eleições, dedicou-se a aplicar medidas de cortes orçamentários (o famoso ajuste fiscal) que não propusera na campanha eleitoral e, na verdade, constavam no programa do seu adversário derrotado, Aécio Neves.

 

Dilma assegura que não foi cúmplice da improbidade e do que há de pior na política brasileira.

 

Mas não fazem parte do “pior do Brasil” Paulo Maluf, o último candidato a presidente da ditadura, e Fernando Collor, o presidente afastado em 1992, que se tornaram seus aliados? Não são o “pior da política” os partidos “fisiológicos”, os evangélicos da Igreja Universal, todos também seus aliados e, sobretudo, o PMDB, velho parceiro que recebeu de presente a vice-presidência? Não são “o pior da política” o batalhão de dirigentes do PT condenados por corrupção, pelo “mensalão” e pelo “petrolão”?

 

Aprovado o impeachment, o governo Temer, que tem a burguesia brasileira unida a defendê-lo (já nem a Folha de S. Paulo fala de novas eleições), vai fazer o trabalho sujo que nem PT nem PSDB gostariam de ter de fazer. Vai retirar direitos dos trabalhadores e precarizar mais as relações de trabalho; vai fazer aprovar uma emenda constitucional que limita o aumento dos gastos públicos à inflação do ano anterior, com enormes repercussões na Saúde e Educação, que deixariam de ter parcelas fixas do Orçamento; vai aumentar a idade da reforma (fala-se que a proposta é de passar para 65 anos agora, subindo para 70 daqui a 20 anos!); vai promover as privatizações, a começar pela “joia da coroa”, a Petrobrás.

 

Resta saber se os trabalhadores brasileiros conseguirão impedir que isto aconteça, com a sua mobilização; e se já nestas eleições surgirá com força uma alternativa à esquerda, que retire as lições da história

 

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Luis Leiria é jornalista do Esquerda.net.

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