Correio da Cidadania

Masterclass de fim do mundo (4): Abandonai toda esperança

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Nas mesmas semanas em que se espalhou a convocatória de uma nova greve nacional de caminhoneiros, marcada para o dia 1º de fevereiro de 2021, circulava nos grupos de WhatsApp da categoria o vídeo de um motorista que se enforcara ao lado de seu veículo, numa árvore à beira da estrada. A cena era compartilhada com mensagens de luto e de alerta para a situação desesperadora dos transportadores autônomos, encurralados entre fretes baixos e sucessivos aumentos dos custos de rodagem, especialmente do combustível. A despeito disso, o movimento não teve nem de longe a mesma força que a paralisação de maio de 2018, quando o abastecimento de todo o país foi asfixiado em poucos dias e o governo, apavorado, ofereceu algum alívio imediato, com medidas que perderiam o efeito nos anos seguintes (*119).

Sem a composição ampla – e ambígua – da mobilização anterior, que envolveu motoristas com veículo próprio, donos de pequenas frotas e grandes transportadoras, a ebulição do início de 2021 se resumiu a iniciativas dispersas de caminhoneiros autônomos, que tentaram bloquear trechos de diversos estados, mas foram rapidamente desarticulados pela polícia rodoviária (*120).

Ainda que a greve não tenha deslanchado nas estradas, a agitação contagiou trabalhadores que também dependem diretamente do combustível para ganhar a vida nas cidades. Entre fevereiro e abril, manifestações de motoboys, motoristas de aplicativos e de vans escolares, além de novos protestos de caminhoneiros, ocorreram quase diariamente por todo Brasil, dando contornos insurrecionais às ruas com circulação reduzida pelo pico da segunda onda do coronavírus no país. Esse movimento de trabalhadores motorizados travou rodovias e centros de distribuição da Petrobrás; lotou postos de gasolina, com a tática de abastecer apenas um real para formar filas e dar prejuízo aos revendedores; reacendeu a organização de protestos e paralisações de entregadores; e impulsionou a maior carreata de motoristas de aplicativos de passageiros da história de São Paulo, que interditou o acesso ao Aeroporto Internacional de Guarulhos por uma noite inteira para exigir o fim de modalidades de corrida mal remuneradas (*121).

Na era da uberização, a inflação – que tradicionalmente se traduzia em reivindicações ao redor do custo de vida – provoca, em primeiro lugar, mobilizações mirando os custos de trabalho, isto é, lutas para “poder trabalhar”. A reprodução da força de trabalho se transforma em administração da microempresa de si mesmo, daí a aproximação frequente entre os protestos contra a alta dos combustíveis e as campanhas anti-lockdown de comerciantes nos primeiros meses do ano. Para muitos, as greves foram o último recurso antes de abandonar a peleja e entregar as armas, ou melhor, antes de devolver o carro à locadora (em algumas cidades, associações de motoristas de aplicativo estimam que mais da metade dos cadastrados nas plataformas desistiram de continuar rodando ao longo de 2021; *122).

Entre a crescente inviabilidade financeira do trabalho autônomo, de um lado, e o desmoronamento do emprego formal, de outro, não há para onde fugir. A única alternativa é seguir na correria sem fim, se virando em condições mais e mais adversas. Essa sensação de confinamento a um trabalho exaustivo e sem futuro encontra eco do outro lado do globo, sintetizada pela palavra da vez entre os usuários das redes sociais chinesas “para descrever os males de suas vidas modernas”: nèijuǎn (内卷) - (*123). Antes de entrar na moda no país mais populoso do mundo, em meados de 2020, o termo era usado por estudiosos para traduzir o conceito de “involução”, uma dinâmica de estagnação de sociedades agrárias – mas também das grandes cidades da periferia do capitalismo global – nas quais a intensificação do trabalho não se reflete em modernização (*124). “Composta pelos caracteres ‘dentro’ (内) e ‘rolo’ ou ‘rolar’ (卷)” a expressão pode ser “intuitivamente entendida como algo no sentido de ‘virar para dentro’” (*125). Enquanto “desenvolvimento”, em português, carrega a imagem de um desenrolar para fora, em direção a algo, nèijuǎn sugere um parafuso que gira em falso sobre si mesmo. Um movimento incessante, mas sem sair do lugar. – Não é isso, afinal, a eterna viração de cada dia?

Reverberando o desespero da experiência cotidiana de estudantes e trabalhadores nas metrópoles chinesas, o termo condensa a sensação de estar preso em um ciclo miserável de trabalho exaustivo que nunca é suficiente para alcançar a felicidade ou melhorias duradouras, do qual ninguém pode sair sem cair em desgraça. Eles sentem isso quando reclamam que a vida parece uma competição sem fim e sem vencedores, e sonham com o dia quando finalmente vencerão. Mas esse dia nunca chega. As dívidas se acumulam, os pedidos de ajuda são ignorados, as opções restantes começam a diminuir. Em um tempo de involução, quando mesmo as menores reformas parecem impossíveis, tudo o que resta são medidas desesperadas (*126).
 
Se algo desse desespero atravessa os movimentos de motoristas autônomos no Brasil, ele assume feições ainda mais dramáticas nas ruas e nas estradas chinesas. Em janeiro de 2021, um entregador a quem o aplicativo se recusava a pagar o que devia pôs fogo no próprio corpo em frente a sua estação de delivery em Taizhou. Em abril, um caminhoneiro que teve o veículo apreendido pela polícia por sobrepeso em Tangshan tomou um frasco de pesticida e enviou uma mensagem de despedida aos colegas de rodagem pelas redes sociais. No mesmo mês em que um cadeirante de São Caetano do Sul amarrou explosivos falsos ao corpo e ameaçou mandar uma agência do INSS para os ares se não tivesse acesso a sua aposentadoria por invalidez (*127), o morador de uma vila do distrito de Panyu, no sul da China, onde o Estado expropriara as terras coletivas para vendê-las a empresas de turismo, foi às vias de fato no prédio do governo local: com bombas reais, explodiu a si mesmo e a cinco funcionários. Demitido no início de julho, um pedreiro invadiu a casa do ex-patrão no litoral de Santa Catarina, manteve sua família refém por dez horas e terminou assassinado pela polícia ao liberá-los (*128). E a pandemia representaria ainda mais pressão e desespero, como fica patente no caso do homem que jogou o carro contra a recepção de um pronto socorro público superlotado da região metropolitana de Natal depois que o atendimento de sua esposa, infectada por covid, foi negado (*129).

Quando um policial militar da Bahia abandonou o posto e dirigiu sozinho por mais de 250 quilômetros até o Farol da Barra, ponto turístico de Salvador, onde disparou tiros de fuzil para o alto, em meio a gritos contra a violação da “dignidade” e da “honra do trabalhador”, seu surto foi celebrado nas redes anti-lockdown como um gesto heroico contra as “ordens ilegais” dos governadores (*130). O fim trágico do soldado, morto em tiroteio pelos próprios colegas, foi usado por deputados da extrema direita para incitar um motim na tropa. A carreata de policiais que partiu do local no dia seguinte, contudo, encontrou o trânsito congestionado por outra manifestação: eram motoboys que denunciavam a morte de um entregador atropelado por um motorista que dirigia bêbado pela contramão na noite anterior. Unidos acidentalmente pelo luto por companheiros caídos em uma guerra social sem forma definida, os atos convergiram em direção à sede do governo estadual (*131).

Ao mesmo tempo em que agrava a crise, ou melhor, alarga a fossa em que há décadas nos debatemos sem sair do lugar, a política de terra arrasada de Bolsonaro o habilita a mobilizar o desespero, em investidas suicidas, sob a promessa de uma decisão (*132) – de um “tiro final” (*133). Por mais que o descontentamento com o aumento dos combustíveis tenha arranhado o apoio do presidente em uma de suas principais “bases” (os caminhoneiros), o bolsonarismo continuou sendo a principal força política com alguma capacidade de disputar a turbulência social destes tempos apocalípticos, agindo para conformar as mais diversas insatisfações numa “revolta dentro da ordem” (*134), desviando-as para atacar os alvos da vez no interior das instituições – sejam eles os prefeitos, os governadores, o judiciário, a mídia, a vacina ou a urna eletrônica – ou simplesmente mimetizando as lutas concretas em rituais estéticos, como os passeios de moto dominicais.

No auge do turbilhão, o Supremo Tribunal Federal trouxe de volta ao tabuleiro uma peça decisiva que os mesmos juízes haviam retirado do jogo alguns anos antes. Ao anular as condenações de Lula e habilitá-lo a disputar eleições novamente, a decisão sinaliza que talvez não seja possível conter as investidas da insurgência bolsonarista sem recorrer ao comandante da grande operação de pacificação que vigorou quase inconteste até o abalo de junho de 2013, na expectativa de que tudo funcione de novo. Cabe perguntar, contudo, “qual tecnologia ele terá às mãos para apassivar” uma massa urbana numa trajetória acelerada de “proletarização descendente” em meio à atual escalada da guerra social (*135). Por mais que a manobra do judiciário reanime na esquerda a vã esperança de restaurar os direitos desmantelados, os formuladores do programa econômico petista para 2022 não só reconhecem a perda de forma do trabalho como fazem coro com os executivos do iFood para “tirar os trabalhadores de plataformas digitais do limbo regulatório” (*136), o que “não quer dizer enquadrar na velha CLT, mas também não é deixar como está hoje” (*137).

“Um novo governo Lula significará, na melhor das hipóteses, que as pessoas poderão continuar trabalhando de Uber” (*138), com a regulamentação da “parceria” entre aplicativo e motoristas e mais “segurança jurídica” para as empresas. E, ainda que o regime incendiário de Bolsonaro forneça um terreno fértil para a expansão de seus negócios, as foodtechs brasileiras também não dispensam a expertise de diálogo e mediação de conflitos acumulada no país durante os governos “democrático populares”. A fim de minimizar o impacto negativo das paralisações em sua marca, o iFood – que, aliás, celebra “metas de diversidade e inclusão de raça e gênero” dentro de seus escritórios (*139) – vem recrutando quadros forjados em ONGs e projetos sociais de periferias para apaziguar a rebelião de seus “parceiros” motorizados (*140). Ao longo do ano de 2021, motoboys envolvidos em paralisações por todo o país foram procurados por um “gerente de comunidade” contratado pela empresa não exatamente para atender reivindicações, mas para dialogar, anunciando a construção de um “Fórum de Entregadores” (*141) com digital influencers da categoria e supostas lideranças de greves, no melhor estilo das conferências participativas do Brasil de outrora.

Um retorno do ex-metalúrgico ao Palácio da Alvorada deve representar não um momento de reconstrução nacional, mas a chance de aterrar os destroços e consolidar os novos terrenos da acumulação no país, numa normalização do desastre com gostinho de vitória – e por isso mesmo “mais perfeita do que seria possível sob qualquer político conservador”(*142). A expectativa pelas eleições de 2022 aprofunda, assim, o estado de espera de grandes partidos e pequenos coletivos de esquerda, que durante a pandemia encontraram no imperativo do isolamento social uma justificativa para sua quarentena política.

Ao encarnar a defesa das recomendações sanitárias, a esquerda em geral conformou-se à realidade do home office, numa espera paralisante de expectativas rebaixadas: a espera pela contagem diária dos mortos, torcendo pela queda da curva; a espera pela chegada das vacinas ao Brasil, seguida pela espera – e pela disputa (*143) – por um lugar na fila; a espera pelo fim do “governo Bozo”, animada a cada novo impasse com o STF ou depoimento na CPI; em suma, a espera de que o pior passasse e tudo voltasse a ser menos pior, como era antes. Com a melhora nos indicadores da pandemia, em meados de 2021, essa esperança inerte saiu de casa e tornou-se fotografia aérea nas avenidas. Contudo, se as passeatas demonstraram o tamanho do rechaço ao presidente nas principais cidades do país, também tornaram flagrante a impotência dessa oposição. Após reunirem centenas de milhares de pessoas, os atos foram gradativamente minguando, conforme entravam no compasso de espera das entidades organizadoras.

A letargia da esquerda contrasta com a insurgência da extrema direita, que se alimenta da mobilização de quem já não tem expectativa alguma. E se não é possível descartar totalmente uma vitória imprevista de Bolsonaro nas urnas, tampouco se pode desprezar as ameaças de ruptura da ordem, sempre adiadas, de forma a conservar sua militância numa prontidão quase paranoica enquanto mantém a oposição na defensiva, hipnotizada pela iminência do golpe decisivo que nunca chega. A política permanece em transe, numa eterna preparação para um conflito nunca conflagrado que já é, por si mesma, uma tática de guerra no arsenal da gestão “híbrida” de territórios e populações.

Apesar de contar apenas com a multidão fiel de sempre, o exercício de mobilização das tropas no feriado de 7 de setembro representou menos um sinal de impotência (*144) do que um campo de testes. No dia seguinte, quando as rodovias de quinze estados do país amanheceram bloqueadas por caminhoneiros – que, até então incapazes de sustentar uma mobilização ao redor do valor do frete e dos combustíveis, mostravam força considerável em apoio à investida estratégica do presidente contra as urnas eletrônicas e o STF(*145) –, o governo se viu obrigado a reconhecer que a convocatória não passava de um ensaio geral, despertando a ira de muitos manifestantes e deixando entrever um bolsonarismo que já ultrapassa o próprio Bolsonaro. Por dentro ou por fora do Estado, comandada pelo capitão ou não, “a revolução que estamos vivendo” (*146) – e que “recoloca a violência, entendida como uso da força armada, na condição de recurso político fundamental” – se fará sentir para muito além de 2022, como anunciam as cenas quase surrealistas do assalto ao Capitólio e a outras casas legislativas estaduais após a derrota de Donald Trump nos Estados Unidos (*147).

Marcada para o dia 11 de setembro, uma nova greve nacional de entregadores de aplicativos chegou a se confundir com as notícias da paralisação dos caminhoneiros – menos pelo apoio ao presidente do que pelo significado que a última grande greve daquela outra categoria central do setor logístico adquiriu no imaginário dos motoboys (*148). Sem a mesma repercussão do Breque dos Apps do ano anterior, a greve de 2021 se prolongou, aqui e ali, para além da data marcada. Numa distribuidora de bebidas do app Zé Delivery, na zona sul de São Paulo, motoboys decidiram começar a paralisação dois dias mais cedo para cobrar pagamentos atrasados (*149). E em São José dos Campos, no interior de São Paulo, os entregadores continuaram parados pelos cinco dias seguintes, na mais longa greve de aplicativos da história do país até então (*150).

Inspirados em um vídeo em que motoboys da capital encenam passo a passo “como brecar um shopping” (*151), os entregadores do quinto maior município do estado se dividiram em pequenos grupos para bloquear os grandes estabelecimentos da cidade, enquanto outros circulavam pelas ruas para interceptar fura-greves, além de distribuir água e comida. A cada noite, todos se reuniam numa praça para discutir os rumos do movimento e votar a continuidade da paralisação. Enquanto um aplicativo menor, recém-chegado à cidade, cedeu à pressão anunciando um aumento nas taxas, o iFood organizava uma contraofensiva e prometia uma reunião às lideranças locais, por meio de um seus “articuladores comunitários”. A notícia de que a maior plataforma de entrega de comida da América Latina abrira uma negociação – por mais limitada que fosse – diante da heroica persistência dos “trezentos de São José dos Campos”, como retratavam memes nas redes de motoboys, deu àquela derrota um gostinho de vitória e a transformou num exemplo para os arredores. Nas semanas seguintes, o interior de São Paulo foi varrido por uma sequência não coordenada de greves, que se prolongariam por vários dias em Jundiaí, Paulínia, Bauru, Rio Claro, São Carlos e Atibaia (*152).

Nos momentos de tensão que marcaram o fim da mobilização em São José dos Campos, porém, as promessas de diálogo se combinaram a outra negociação do iFood com donos de restaurantes e operadores logísticos locais que, em tom de ameaça, fizeram chegar aos motoboys o recado de que a continuidade do movimento poderia levar a “atos de violência” na cidade (*153). Ao recorrer de uma só vez a estratégias de desmobilização participacionistas e milicianas, o maior aplicativo de entregas brasileiro dá indícios a respeito do futuro do país entre Lula e Bolsonaro – ou nos lembra, simplesmente, que pelegos e jagunços sempre se cruzaram na zona cinzenta dos intermediadores populares (*154).

Esta é a quarta parte, de cinco, deste artigo anônimo e coletivo sobre as mudanças no mundo do trabalho e conflitos entre capital e trabalho no Brasil em pandemia. Leia as outras partes.

Masterclass de fim de Mundo (1): Conflitos sociais no Brasil em pandemia

Masterclass de fim do Mundo (2): Assalto à nuvem

Masterclass de fim do Mundo (3): Sobrevivendo no purgatório


Assina o artigo “um grupo de militantes na neblina”.
Fonte: Neblina.xyz

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Notas:

1-39: Masterclass de fim de Mundo (1): Conflitos sociais no Brasil em pandemia.

40-72: Masterclass de fim do mundo (2): Assalto à nuvem

73-118: Masterclass de fim do mundo (3): Sobrevivendo no purgatório

119. O documentário Bloqueio (dir. Victória Álvares e Quentin Delaroche, 2018) retrata a atmosfera daqueles dias de interrupção dos fluxos, que talvez anunciassem algo do que viria pela frente. Ver também o artigo escrito no calor do momento por Gabriel Silva, “A greve dos caminhoneiros e a constante pasmaceira da extrema esquerda”, Passa Palavra, 28 mai. 2018.

120. Raquel Lopes, “Greve dos caminhoneiros tem baixa adesão e poucos problemas nas rodovias até o início da tarde”, Folha de S. Paulo, 01 fev. 2021. Um dos instrumentos utilizados para desarticular a mobilização nas estradas, a infração por “usar o veículo para interromper, restringir ou perturbar a circulação na via”, punida com uma multa exorbitante e suspensão da CNH, foi criado pelo governo da presidente Dilma Rousseff para combater os protestos de caminhoneiros pelo impeachment em 2015 e também é frequentemente empregado para reprimir o movimento dos entregadores.

121. Alvo de críticas e boicotes de motoristas ao longo de todo ano, as modalidades Uber Promo e 99 Poupa foram extintas no fim de 2021. Para um relato da onda de protestos ao redor dos combustíveis no primeiro semestre, ver Comrades in Brazil, “Petrol in the Pandemic: short report of motorised workers’ protests in Brazil”, Angry Workers of the World, 29 mai. 2021.

122. Ver Akemí Duarte, “Combustível caro faz motoristas abandonarem apps de corrida”, R7, 14 jul. 2021, “30% dos motoristas por aplicativos abandonam a função em Campinas e região”, Digital, 18 mar. 2021, Jael Lucena, “Motoristas de aplicativo devolvem carros às locadoras após decreto no AM”, D24am, 22 jan. 2022.

123. Wang Qianni e Ge Shifan, “How One Obscure Word Captures Urban China’s Unhappiness”, Sixth Tone: Fresh voices from today’s China, 4 nov. 2020.

124. “De forma (...) prosaica, a ‘involução’ agrícola ou urbana pode ser descrita como o aumento incessante da auto-exploração da mão-de-obra (mantendo fixos os outros fatores), que continua, apesar da redução do rendimento, enquanto produzir algum retorno ou incremento”, escreve Mike Davis, retomando o conceito do antropólogo Clifford Geertz, em seu estudo sobre “a involução urbana e o proletariado informal” (Mike Davis, “Planeta de favelas” em Emir Sader [org.], Contragolpes, São Paulo, Boitempo, 2006). “Tais sociedades precisam correr mais e mais rápido – apenas para se manter no mesmo lugar e não escorregar” (“China: Neijuan 内卷”, Wildcat, n. 107, 1 abr. 2021).

125. “‘Neijuan’ tornou-se agora o termo que os chineses metropolitanos usam para descrever os males de suas vidas modernas, seu senso de pisar freneticamente as águas em uma sociedade hipercompetitiva. Competição intensa com baixas chances de sucesso, seja nos exames do ensino médio, no mercado de trabalho (ou no casamento!), ou quando se trabalha horas extras loucas. Todos têm medo de perder o último ônibus – e ainda assim sabem que ele já partiu.” (“China: Neijuan 内卷”, Wildcat, cit., grifo nosso).

126. Assim como os episódios relatados na sequência, o trecho é de “Bombing the Headquarters”, Chuang, mai. 2021.

127. “Cadeirante ameaça explodir agência do INSS com bomba falsa em SP”, UOL, 16 mar. 2021.

128. Carolina Fernandes, “Homem demitido invade casa de ex-chefe e faz família refém no Sul de SC, diz polícia”, G1, 5 jul. 2021.

129. “Em Parnamirim (RN), homem joga carro contra UPA após ter atendimento negado”, Diário de Pernambuco, 22 mar. 2021.

130. João Pedro Pitombo, “Morre policial baleado após dar tiros para o alto e contra colegas no Farol da Barra, em Salvador”, Folha de S. Paulo, 28 mar. 2021.

131. Gil Santos, “Grupo faz protesto no Farol da Barra após morte de PM”, Correio, 30 mar. 2021.

132. Ver Felipe Catalani, “A decisão fascista e o mito da regressão: o Brasil à luz do mundo e vice-versa”, Blog da Boitempo, 23 jul. 2019.

133. “Foi um tiro final, vamos ver o que que vai dar”, explicava um morador do extremo sul de São Paulo no dia seguinte à eleição de Bolsonaro em outubro de 2018. Seis meses depois, outro morador afirmava aos mesmos entrevistadores: “eu vejo o país como uma fossa, um buraco. Todo presidente entrava, tinha um buraco, tampado de concreto. Passava quatro anos, e ‘ó, o buraco tá aí: quer resolver o problema, resolve, ou tampa também’. Aí veio nosso presidente, tampou, brigou pra poder aprovar a Dilma no poder, pra tampar a fossa. Quando a Dilma saiu, entrou o Temer, tentou tampar a fossa, mas ferrando a Dilma. Quando Temer saiu, o Bolsonaro chegou, e sabe o que ele fez? Quebrou a tampa da fossa. E ele tá errado? Ele tá certo. Essa fossa vem antes do Fernando Henrique, é um buraco muito grande. Então meu, ele só furou o buraco da fossa. Não cabe mais merda na fossa, já tá tudo estourado. Eu penso assim.” (Carolina Catini e Renan Santos, “Depois do fim”, Passa Palavra, 1 nov. 2018 e “Apesar do fim”, Passa Palavra, 10 jun. 2019).

134. Trata-se da fórmula sintética usada por João Bernardo para definir o fundamento do fascismo (Labirintos do Fascismo, 3ª versão, revista e aumentada, 2018).

135. Leo Vinícius, “Que horas Lula volta?”, Passa Palavra, 30 set. 2015.

136. Fabrício Bloisi (presidente do iFood), “Novas regras para novas relações de trabalho”, Folha de S. Paulo, 21 jul. 2021.

137. Não se trata, pois, de revogar a reforma trabalhista, mas de empreender algo que um articulador da campanha batizou sugestivamente de “pós-reforma”, a ser acertada, é claro, por meio da “negociação entre trabalhadores e representantes patronais” (Fábio Zanini, “Regras fiscais precisam ser revistas, diz coordenador econômico de plano do PT”, Folha de S. Paulo, 11 jul. 2021 e C. Seabra e C. Linhares, “Petistas procuram Alckmin para desfazer ruído com fala de Lula sobre lei trabalhista”, Folha de S. Paulo, 10 jan. 2022).

138. “Lula hoje apontou para uma reestatização do que está sendo privatizado da Petrobrás e para preços de combustíveis sem a paridade internacional. Nesse momento muitos caminhoneiros e motoristas de aplicativos estão literalmente parando de trabalhar pela atividade ter se tornado inviável com o preço dos combustíveis. (...) Um novo governo Lula será aquele em que o horizonte de expectativa não deve ser maior do que a da possibilidade de ganhar a vida dirigindo para aplicativos.” (Leo Vinícius, 10 mar. 2021).

139. “iFood terá 50% de mulheres na liderança e 40% de colaboradores negros até 2023”, iFood News, mai. 2021 e Pablo Polese, “A política identitária do Ifood”, Passa Palavra, nov. 2021.

140. Não deixa de ser revelador que um dos principais interlocutores do iFood com os entregadores exiba em seu currículo a passagem por programas em que a “inclusão social” por meio da “arte educação” faz parte de um esforço de “‘pacificação’ dos jovens e dos territórios mais precarizados”, como as Fábricas de Cultura em São Paulo (ver Dany e outros, “Rebelião do público-alvo? Lutas na fábrica de cultura”, Passa Palavra, 18 jul. 2016).

141. Gabriela Moncau, “iFood assina compromisso com entregadores escolhidos pela própria empresa e não aumenta repasse”, Brasil de Fato, 16 dez. 2021.

142. Luis Felipe Miguel, “Favorito em 2022, Lula pode normalizar desmonte do país se ceder demais”, Folha de S. Paulo, 14 ago. 2021. Ao assumir o governo federal no início da década de 2000, o PT desempenhou um papel análogo, completando e aprofundando, com auxílio da sua capilaridade social, o “estado de emergência econômico” implementado nas gestões de seus antecessores e criticado pelo partido enquanto estava na oposição (Ver, por exemplo, Leda Paulani, Brasil delivery, São Paulo, Boitempo, 2008).

143. Ao longo do primeiro semestre de 2021, assistimos a uma profusão de lutas corporativas pela prioridade na ordem da vacinação. Ora, somente “categorias” claramente identificáveis, ali onde o trabalho na “linha de frente” conserva alguma forma, podem reivindicar um lugar especial na fila. Naturalmente, a prioridade se limitou a trabalhadores concursados, celetistas ou diplomados: professores, policiais, metroviários, motoristas de ônibus, biólogos etc. Para muitos deles, a conquista se revertia logo na volta antecipada ao trabalho presencial – via de regra, antes da imunização completa. Nas palavras de um metroviário, “a vacina virou o novo ‘tratamento precoce’. Distribuir vacina ou distribuir cloroquina, para eles tanto faz. O que importa é continuar trabalhando, independentemente se morrem mil ou quatro mil por dia. Na mão dos capitalistas, a vacina é mais uma arma para impor a volta ao trabalho.” (Um funcionário do Metrô de São Paulo, “Prioridade para os trabalhadores do transporte?”, Passa Palavra, 14 abr. 2021).

144. “Na verdade, a murchidão acabou sendo um importante elemento, um charme” (Eduardo Moura, “'Piroca verde e amarela' do 7 de Setembro é gigante pela própria natureza, diz autor”, Folha de S. Paulo, 15 set. 2021).

145. Entre as razões para tamanha diferença entre as tentativas de paralisação frustradas dos caminhoneiros autônomos contra o aumento do combustível e a mobilização em apoio a Bolsonaro, há a suspeita de apoio do agronegócio e de transportadoras, levantada por entidades contrárias aos bloqueios iniciados em 7 de setembro. O áudio do presidente que circulava por grupos de WhatsApp da categoria na manhã seguinte se afastava da retórica explosiva dos dias anteriores e pedia que eles liberassem as estradas para “seguir a normalidade”. Enquanto parte das lideranças dos protestos, para quem estava tarde demais para recuar, era deixada à própria sorte, Bolsonaro era acusado de traição nas redes sociais, onde alguns falavam em “game over” (“O que se sabe sobre paralisação de caminhoneiros que atingiu 15 Estados”, BBC, 8 set. 2021 e “'Game over': a decepção e revolta de bolsonaristas com recuo de Bolsonaro”, BBC, 9 set. 2021).

146. A expressão é de Bolsonaro, recuperada no artigo de Gabriel Feltran, de onde saiu também a citação seguinte (“Formas elementares da vida política”, cit.).

147. Como notou um observador sagaz, “a visão de invasores assaltando furiosamente o Senado e exigindo que Mike Pence se revele; de um homem em trajes proletários com os pés em cima da mesa no escritório da (...) multimilionária Nancy Pelosi; e da diversão perversa que a maioria deles parecia estar sentindo, fornecem imagens políticas poderosas (...), por mais efêmeras que sejam”. “Num país onde a maioria dos cidadãos não vota”, onde “a violência desenfreada, o vício, as rotinas de tiroteios em massa e as epidemias de suicídio atestam uma profunda desesperança de que algo pode ser feito para melhorar a vida cotidiana”, elas “reafirmam na mente de milhões de pessoas a ideia de que medidas drásticas podem ser tomadas por gente comum” (Jarrod Shanahan, “The Big Takeover”, Hardcrackers, 7 jan. 2021).

148. Os bloqueios que pararam o Brasil há três anos são frequentemente evocados como referência pelos entregadores – alguns chegaram a levar alimentos para os grevistas de 2018 e sonham com uma união que interromperia os fluxos nas cidades e rodovias do país. Sobre a greve de 11 de setembro de 2021, ver Treta no Trampo, “Almoço brecado”, Instagram, 11 set. 2021 e “Teve jantar brecado em SP”, Instagram, 11 set. 2021.

149. Treta no Trampo, “Entregadores de aplicativo bloqueiam Zé Delivery Jabaquara”, Instagram, 9 set. 2021.

150. Amigos do Cachorro Louco, “Entregadores de app de São José dos Campos completam 6 dias em greve”, Passa Palavra, 16 abr. 2021 e Ingrid Fernandes e Victor Silva, “Como uma greve de entregadores no interior de SP enquadrou o iFood”, Ponte Jornalismo, 20 set. 2021.

151. Treta no Trampo, “Manual de como brecar um shopping”, Instagram, 29 ago. 2021.

152. Ver Amigos do Cachorro Louco, “Greves de entregadores no interior de São Paulo já completam 7 dias”, Passa Palavra, 14 out. 2021 e Gabriela Moncau, “Greves de entregadores contra apps de delivery se espalham e já duram dias”, Brasil de Fato, 11 out. 2021.

153. Durante a mobilização em São José dos Campos, além de “se desligar de alguns restaurantes sem qualquer aviso” e pressionar estabelecimentos a retomarem as entregas, o iFood ameaçou utilizar supostas “gravações de entregadores reclamando da greve” e fez chegar aos ouvidos dos grevistas “que a polícia poderia começar a comparecer nos locais piquetados” (Renato Assad, “Entregadores de São José dos Campos recuperam métodos históricos de luta e emparedam Ifood”, Esquerda Web, 24 set. 2021).

154. “Quando olhamos para os territórios populares, lideranças locais se transformam em intermediários de uma enorme quantidade de relações, regulando desde questões comerciais, domésticas, comunitárias, políticas etc. e sendo, principalmente, centralizadores de demandas e articuladores da comunidade com agentes externos.” Como nota Isadora Guerreiro, tais atravessadores são necessariamente figuras ambíguas: ao mesmo tempo em que “são parte da comunidade, se apoiam na sua existência e nas suas redes, precisando mantê-las e incentivá-las”, seus interesses econômicos “colocam claros limites a esta parceria”. “Não surpreende que, nos relatos do Breque de SJC, os comerciantes apareçam primeiramente como apoiadores e, depois, como deflagradores de uma provável violência se não houver negociação.” (Isadora Guerreiro, “Lições do Breque entre a cidade e o trabalho”, Passa Palavra, 27 set. 2021).

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