Correio da Cidadania

Três lições de 3 de julho

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Não se deve mudar a tática quando se está ganhando
Sabedoria popular francesa

Atos 3 de Julho contra Bolsonaro - Locais e horários confirmados


A jornada nacional de 3 de julho foi uma vitória e deixou três lições.

A primeira é que a força da Frente Única da Esquerda pode manter nas ruas uma forte pressão pelo impeachment. A queda de Bolsonaro não é para amanhã, mas está colocada como uma possibilidade no horizonte. Não é iminente. Ainda estamos na escala das dezenas de milhares nas grandes cidades, e a derrubada do governo de extrema direita exige a presença de uma massa de milhões.

Vai ser um processo contínuo e vai exigir determinação. Tem que ser construído, mas é uma perspectiva muito superior à tática quietista de um lento desgaste esperando as eleições de 2022. Seria um erro oportunista imperdoável perder a oportunidade.

A segunda é que é possível dividir, fissurar e abrir brechas nos partidos da classe dominante. Esta dinâmica é ainda inicial, incipiente, embrionária, mas está colocada e não pode ser desperdiçada. Não se pode lutar, ao mesmo tempo e com a mesma intensidade, contra todos os inimigos. A unidade na ação com os partidos que são a representação, historicamente, da burguesia é essencial. Um setor dos grandes capitalistas já está em um posicionamento de oposição. Mas a massa da burguesia ainda apoia Bolsonaro. Por isso, prevalece a apreensão e insegurança com o impeachment. Seria uma segunda interrupção de mandato presidencial em intervalo de cinco anos. Algo que revela instabilidade do regime para conter os excessos de um governo de extrema-direita.

O impacto do deslocamento de setores massivos das camadas médias para o apoio ao impeachment seria uma vitória espetacular, e ajudaria em muito uma possível mudança na relação de forças políticas no Congresso Nacional. O apoio de lideranças da direita liberal ao impeachment de Bolsonaro é progressivo. Seria um erro sectário imperdoável desprezar a importância da unidade na ação.

A terceira é que duas ações de minúsculos grupos potencializaram, infelizmente, perigosas repercussões em São Paulo. A primeira foram as agressões gratuitas a ativistas tucanos LGBTs. Não foi uma ação de autodefesa diante de um ataque de fascistas. Os militantes do PSDB não são fascistas, e estavam, legitimamente presentes apoiando o programa Fora Bolsonaro.

A segunda foram as depredações e provocações aos PMs ao final da passeata, como já tinha acontecido em 19 de junho, de adeptos anarquistas da tática black bloc. Ambas estão sendo usadas, amplamente, nas redes sociais pela extrema-direita para denunciar, desqualificar e desmoralizar as mobilizações pelo impeachment. Seria um erro ultraesquerdista imperdoável não garantir o controle da segurança das próximas mobilizações.

Os atos em mais de trezentas cidades, e presença em muitas pelo mundo afora, confirmam que a campanha Fora Bolsonaro continua em processo de acumulação de forças. Em Porto Alegre e Fortaleza, por exemplo, o 3 de julho foi maior do que o 29 maio e o 19 junho. Em outras capitais foram semelhantes. Ainda em outras foram um pouquinho menores, mas ainda assim, poderosas. Não ocorreu um salto de qualidade. Mas a caracterização de crime de prevaricação já impôs a abertura de uma investigação de Bolsonaro por decisão do STF.

A convocação de emergência da jornada nacional de manifestações de 3 de julho foi uma decisão lúcida e corajosa. Assumida no sábado dia 26 de junho, no dia seguinte da revelação de crime de Bolsonaro diante das denúncias de compra da vacina Covaxin, não eram pequenos os riscos assumidos. Apenas quinze dias depois da jornada de 19 de junho, e ainda em condições muito perigosas da pandemia, o comitê Fora Bolsonaro foi unânime. A unidade da Frente de Esquerda foi preservada. Ao longo dos sete dias posteriores as fissuras políticas cresceram e o apoio às manifestações cresceu, com adesão de lideranças de direita ex-bolsonaristas e da direita liberal.

O superpedido de impeachment unificado foi, também, uma iniciativa inteligente. Apresentado em conjunto por todos os partidos de esquerda com raízes entre os trabalhadores e referência no socialismo, portanto, um mesmo campo de classe, mas também por dissidências do bolsonarismo, como Joice Hasselmann e o MBL, foi um gesto firme e maduro.

Trata-se de uma tática parlamentar que pode prosperar. E tranquiliza e ajuda a levantar a moral da militância de esquerda que está inquieta, atormentada e ansiosa diante da gravidade da hecatombe sanitária e social e a lentidão do desenlace da crise. Todos sabemos que Bolsonaro não vai cair de maduro, e há perigo “na esquina”. Mas, o mais importante é que neste sábado, dia 3 de julho de 2021, o horizonte do impeachment de Bolsonaro ficou mais próximo.

Não é verdade que Bolsonaro é o inimigo ideal em um segundo turno em 2022. Não é verdade que o maior perigo para a estratégia de um governo de esquerda seria uma candidatura da direita liberal e seus setores ditos moderados. Não é verdade que o impeachment interessa mais aos articuladores de uma candidatura de direita dissimulada como de centro. Não é verdade que lutar pelo impeachment agora e já, com todas as forças, é construir uma escada para os tucanos voltarem à presidência.

O bolsonarismo não é uma corrente eleitoral, é o neofascismo. Preparam-se e não hesitarão em precipitar um ataque frontal às liberdades democráticas, quando se sentirem encurralados antes de 2022. Bolsonaro está se fragilizando, mas não é um cadáver político insepulto. Pode se recuperar. Em algum momento assistiremos a uma sensação de alívio na medida em que as sequelas da pandemia diminuírem. Já está em curso uma recuperação econômica, ainda que lenta.

A derrota do governo Bolsonaro só é possível se a corrente neofascista que o apoia for contida, isolada, reprimida e desmoralizada. Há um partido neofascista militante em construção como força de choque ao serviço de um projeto de autogolpe. São inflexíveis, sectários, irados, enfurecidos, portanto, incontíveis. Sua exaltação obedece a um plano de disseminar o ódio e impor o medo. Preparam-se para a luta pelo poder. Apoiam-se em uma corrente de massas reacionária. Não respeitam nada, a não ser a força.
Têm como estratégia destruir a esquerda. Toda a esquerda. Os ativistas dos movimentos ambientalistas, feministas, negros, indígenas, LGBTQIA+, estudantis, populares e sindicais. Os partidos mais moderados e os mais radicais. Não se deixarão intimidar por decisões do Congresso ou do STF. Só podem ser derrotados por uma força militante de esquerda motivada, combativa, decidida e inabalável.

Enganam-se, dramaticamente, aqueles que calculam que podemos escolher o terreno em que iremos medir forças com o bolsonarismo, e deveríamos priorizar o eleitoral. A luta política contra os neofascistas se dará em todos os espaços: nas instituições, nas eleições, mas será decidida pela força social de choque que for mais poderosa na hora das mobilizações de massas. Esta mobilização contra os fascistas só poderá galvanizar as massas populares se, além da defesa das liberdades democráticas, incluir propostas que respondam aos anseios mais sentidos.


Valerio Arcary é professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP e membro do PSOL. É editor de Esquerda Online, onde este artigo foi originalmente publicado.

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