Correio da Cidadania

Sai o Bozonazi, volta o Bolsonaro do baixo clero

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Quando Jair Bolsonaro, sabemos agora como, conseguiu eleger-se presidente da República em 2018, cheguei a temer que fosse instaurar um regime verdadeiramente fascista no Brasil.

Naquele melancólico 28 de outubro, saí caminhando pela noite de uma cidade que ou tentava voltar a ser a São Paulo da garoa ou derramava lágrimas pelo inferno a que 39,3% dos brasileiros haviam condenado não só a si próprios, mas também aos restantes 60,7%.

E refleti que havia perigo, sim, de que os piores cenários se materializarem, pesadelos como a Operação Jacarta (eliminação de uns 2 mil dissidentes, para que eles não participassem das fases seguintes de nossa História, pois até mesmo a direita mais hidrófoba sabia que, mais dia, menos dia, a democracia burguesa teria de ser restabelecida).

Tal limpeza de cenário foi mesmo cogitada pelos celerados do regime militar em meados da década de 1970, mas o ditador Ernesto Geisel abortou o projeto no nascedouro, ao exonerar o comandante do II Exército Ednardo D'Ávila Melo, sem que este e seus anjos exterminadores recebessem solidariedade nenhuma da tropa.

Enfim, mesmo naquele domingo nefasto e nefando concluí que bem maior era a chance de o cão que tanto ladrava acabar não mordendo, pois faltava uma peça fundamental do quebra-cabeças: uma economia suficientemente sólida para o Brasil permitir-se atrair uma forte rejeição internacional.

Alguns meses do (des)Governo Bolsonaro bastaram para eu ter a certeza de que a possibilidade maior inevitavelmente prevaleceria. Ele se desconstruía visivelmente e, se altos comandantes militares algum dia cogitaram acompanhá-lo numa aventura dessas, decerto já estariam percebendo que não passava do homem errado no lugar errado.

Não era Hitler, Mussolini, Pinochet, nem mesmo um Plínio Salgado. Não passava de um farsante do baixo clero fazendo pose de bad boy.

Restava, contudo, o perigo de ele estar gerando uma massa crítica que poderia possibilitar a ascensão de outro líder, no qual a farda de golpista de ultradireita assentasse melhor.

E, olhando um pouco mais à frente, havia uma tempestade econômica se armando, que certamente Bolsonaro e o mercador de ilusões Paulo Guedes não saberiam administrar.

Assim, desde o 2º semestre de 2019 venho pregando o afastamento do Bolsonaro, a partir do verdadeiro rosário de crimes de responsabilidade por ele cometidos, quase todos bem piores do que o estelionato eleitoral da Dilma Rousseff (as tais pedaladas fiscais, na verdade, não foram apenas o descumprimento de normas burocráticas, mas o expediente inconstitucional por meio do qual ela encobriu o descontrole das finanças públicas, para que não fosse um obstáculo à sua obsessão de reeleger-se, mesmo tendo feito um sofrível primeiro mandato).

A pandemia acelerou em muito o derretimento do (des)governo do pior presidente do Brasil em todos os tempos.

Seu negacionismo e sabotagem do combate científico da Covid-19 pode não caracterizar, em termos jurídicos, um genocídio, mas o efeito prático é exatamente o mesmo: o morticínio de dezenas de milhares de brasileiros cujo óbito teria sido evitado sob um presidente com um mínimo de qualificação para o cargo, que unisse União, estados e municípios para desenvolverem um esforço coordenado numa mesma direção e com uma perspectiva cientificamente correta.

As esquisitices do Bolsonaro, que beiram a insanidade, tornaram o coronavírus fatal... também para ele! Pode não morrer da doença, mas seu futuro político já expirou.

É cada vez menor o percentual de seus apoiadores bovinamente fanatizados. Parece que repetirá a trajetória dos 300 do Brasil, que na verdade eram uns 30 e agora não devem ser nem três...

E, já que estamos falando nisso, um dos motivos de o castelo de cartas ultradireitista ter sido derrubado pela primeira lufada de vento foi exatamente sua incapacidade de criar uma liderança capaz de desalojar o inepto Bolsonaro e assumir o controle da boiada. Sara Winter? Não me façam rir.

O guru charlatão que, comodamente instalado na segurança da Virgínia, movimenta seus títeres brasileiros para que retirem as batatas do fogo seguindo suas orientações (e correndo o risco de queimarem as mãos enquanto ele preserva as próprias!), não passa de um Sábado Dinotos piorado, pois pelo menos pusilânime o Aladino Félix (vide aqui) não era.

Sergio Moro tem miolos para alçar-se a voos mais altos, mas, para conseguir chegar aonde chegou partindo do quase nada (um mero juiz de 1ª instância!), teve de esconder muitos esqueletos no armário, dando ao Intercept Brasil a oportunidade de promover uma versão brasileira do Dia dos Mortos mexicano, ao colocar todos aqueles esqueletos dançando diante dos olhos espantados dos vivos.

Jair Bolsonaro completou o serviço, ao açular seus boçalignaristas de raiz contra Moro, dando um de seus piores tiros no pé, mas também fazendo estragos no pé do vampiro de Curitiba (aquele abraço, Dalton Trevisan, firme e forte aos 95 anos!).


Outros desastres para o Bolsonaro foram:
— o desmantelamento de sua rede de fake news:
— a saída para o centrão, demonstração cabal de que ele jamais cogitou combater de verdade a corrupção política; e
— a derrocada de Donald Trump, que começou o ano como favorito à reeleição nos EUA e agora não passa de um azarão.

Como desgraça pouca é bobagem, as investigações dos crimes de sua familícia chegaram a um ponto em que não apenas a permanência de Bolsonaro como presidente da República, mas também a dele e dos filhos fora das grades, dependem da anuência do chamado sistema, que pode derrubá-lo com um piparote.

Daí minha total concordância com as avaliações de Thomas Milz (vide aqui) e Ricardo Kotscho (vide aqui), bem sintetizadas por este último:
"Há um grande acordo em marcha entre civis e militares, magistrados e parlamentares, milicianos e evangélicos, gregos e troianos, para deixar tudo como está e ver como é que fica".

E as Forças Armadas? Estão satisfeitas com a nova proeminência e o mundo de cargos que Bolsonaro despejou no colo dos pijamados e até de oficiais da ativa, mas sabem muito bem que seria o pior momento possível para outra aventura como a de 1964: depois da tragédia humanitária em curso, a pior de sua História, o Brasil enfrentará uma depressão econômica igualmente sem precedentes.

Portanto, melancólica mas honestamente, comunico a quem dá valor a minhas avaliações que, tendo o sistema vencido o braço de ferro com Bolsonaro e o emparedado, tende agora a deixá-lo fazendo figuração como presidente nos próximos 29 meses, mas reduzido a um leão desdentado, uma rainha da Inglaterra.

Se nada de diferente acontecer, estamos condenados à estagnação e pasmaceira que marcou o governo do ditador João Baptista Figueiredo, o de José Sarney após o fracasso retumbante de seus planos econômicos e o de Dilma depois que Joaquim Levy se demitiu e ela desistiu de governar, ocupando-se apenas de tentar evitar seu impeachment, enquanto a debacle econômica avançava a passos de gigante.

O que pode alterar tal quadro?

Primeiramente, uma recaída do Bolsonaro, que pode chutar o pau da barraca, encarnar de novo o Bozonazi e tornar imperativo seu defenestramento.

Depois, nossa dita esquerda reencontrar a combatividade perdida, saindo de sua atual prostração.

Por enquanto, movimento secundarista e torcidas organizadas de futebol (!) à parte, a esquerda brasileira está fazendo lembrar o sarcasmo genial do Raulzito, pois neste ano inteiro tem permanecido sentada "no trono de um apartamento/ com a boca escancarada/ cheia de dentes/ esperando a morte chegar"...

Celso Lungaretti é jornalista e ex-preso político.
Blog: Náufrago da Utopia

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