Correio da Cidadania

Cronicavírus in Brazil: tudo do pior que podemos apresentar

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O calendário apontava meados de março e eu estava em São Paulo onde já se levava a sério a ainda distante epidemia de cronicavírus, que já tomava a Itália de assalto semanas antes, fechando as portas do país. Em um ônibus que ia do centro da capital paulista para Pirituba, metade dos passageiros, sobretudo senhoras um pouco mais idosas – mas não só –, já usavam suas máscaras cirúrgicas. Só não digo que anteviam a tragédia porque muitas pessoas vivem em pânico constante atualmente em nossa sociedade, mas a verdade é que consciente ou inconscientemente esses olhos preocupados nos mostravam o que viria em seguida.

Os encontros com amigos, familiares e outras pessoas ainda não eram mediados por máscaras e distâncias, mas as conversas já apresentavam preocupações sobre a chegada do novo cronicavírus. Contudo, São Paulo funcionava normalmente. Ruas entupidas de gente, um barulho eterno de buzinas, acelerações e freadas de toda sorte de veículos automotivos, individuais e coletivos. Em qualquer lugar da megalópole. Nada parou o movimento da imponente capital paulista naquela primeira semana de março.

Enquanto estive em São Paulo, aquela estimulante figura intelectual que é o presidente da República estava nos States passando umas férias. Eventualmente aproveitava as horas vagas para se ajoelhar diante da alaranjada e rechonchuda face do imperador Rambozo, the original, junto de uma comitiva tão inchada quanto sua bolsa de colostomia – me refiro à que fica sob o crânio.

E enquanto eu retornava para a cidade onde vivo atualmente, o nosso Bozo, cópia quase antropofágica do original, também voltava para Brasília. Trazia em sua bagagem a grande celebridade mundial do momento: o Cronicavírus. Inclusive, este já havia se apossado de 23 membros da comitiva presidencial, segundo matéria do portal de notícias da Rede Goebbels, o maior do país, de duas semanas depois (23 de março) – o que nos leva a crer que as chances de haver mais do que 23 infectados também existia (hoje sabemos que sim). Mas voltando à segunda semana do mês, um por um dos membros da comitiva presidencial caía positivo para Covid-19. As expectativas eram grandes, confesso, sem nenhuma vergonha na cara.

Bozo ainda negava notícias da sua própria contaminação – o que parece óbvio, pois até onde sabemos o vírus ainda não chegou aos suínos – quando em 11 de março a OMS decretou a ‘pandemia’ e, com ela, governadores de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e, logo depois, São Paulo, Rio de Janeiro, e mais alguns decretaram quarentena em seus respectivos estados.

E a partir daí o que era uma grande piada virou um verdadeiro show de horrores. Mas não deixemos de lado o caráter tragicômico do buraco em que nos metemos. Melhor rir do que perder os cabelos – e se o leitor for perder os cabelos ou já os tiver perdido, que pelo menos sorria.

Na primeira semana de isolamento social aconteceram algumas coisas impressionantes. Tive o privilégio de acompanhar a invasão e posterior implosão de grupos de whatsapp de extrema direita que espalhavam uma série de notícias falsas – e mentiras em geral – sobre a pandemia, o isolamento social e as atitudes do governo. Por exemplo, que beber leite com limão podia reforçar o sistema imunológico. Haja papel higiênico nos supermercados porque era daí pra baixo!

Não foi fácil analisar o conteúdo original desses grupos em meio à chuva de stickers que os guerrilheiros virtuais mandavam sobre os mais diversos temas, mas em especial ironizando de forma bem vulgar ou pornográfica o sujeito que se diz presidente da República. Entre esses famigerados stickers e os números de telefone de adeptos do bozismo saindo em massa dos grupos, consegui me antecipar ao que viria na sequência. E bem, como não sou lá muito entendido de computação, pedi que não mais me colocassem nessas arenas, ainda que tenha desfrutado.

Outra antecipação veio de algumas conversas em videoconferência com os mais variados amigos, colegas de profissão, contatos e conhecidos. Era unanimidade entre todos eles que o sistema de saúde colapsaria quando chegasse o ápice de contaminação. Também era consenso que os pobres e injustiçados patrões do nosso Brazil fariam o possível para que isso acontecesse.

Dito e feito.

Descobrindo que sua riqueza não se produz sozinha, os grandiosos varões e varoas do nosso New Brazil começaram, um por um, a figurar nas redes oferecendo um cardápio bastante farto de chiliques e ‘quase-infartos’. Depoimentos de “”importantes empresários””, entre duas aspas ou mais, como Roberto Injustus e o Velho da Navah – entre outros que, como cães de madame por trás de portões de bairros de classe média latem para os carteiros – ignoravam as recomendações da OMS, aquele maldito soviete no coração de Bruxelas – !!SELVAAA!! -, e ordenavam que seus ‘colaboradores’ voltassem ao trabalho que tanto os dignifica – aí me refiro novamente aos necroburgueses, não a quem tem a infelicidade de trabalhar para eles, por supuesto.

Suas carreatas foram recebidas com bosta de vaca e belos adjetivos pelos populares em Havana, Pyongyang, Manágua, Caracas e também no soviete de Balneário Camboriú, em Santa Catarina.

Foi o sinal para que o programa do Palhaço Bozo seguisse com suas piadas nas três semanas seguintes, sempre às quintas-feiras no estúdio, e em suas lives de ‘rolês aleatórios’ no estacionamento do Planalto, que eram ótimos, pois contavam com amigos e desafetos, sempre um barraco garantido. E como bom brasileiro, adoro um barraco em qualquer situação, mas se for entre gente importante e graúda, melhor ainda.

Uma das piadas justamente era dizer que o Cronicavírus era só uma ‘gripezinha’ ou no máximo um ‘resfriadinho’, que as preocupações da OMS e de amplos setores da população eram uma simples histeria colocada pelos comunistas da Rede Goebbels, afinal, o nazismo foi de esquerda.

Uma outra muito boa é que o brasileiro deveria ser estudado em laboratórios porque, como ratos, teriam a distinta habilidade de nadar no esgoto sem que ‘pegasse nada’. E esse infame personagem, que provavelmente já nadou em algum córrego às graças e que mistura um físico de Mister Burns dos Simpsons com a astúcia de um Sargento Garcia, fez a melhor de todas as suas piadas: de que por conta do seu histórico de atleta, nenhum mal lhe ‘acometeria’. Essa foi tão boa que eu já me esquecia da palhaçada com a colocação da máscara médica. Risos globais aqui e ali. Inclusive, caso existam extraterrestres inteligentes, talvez habitantes do rubro planeta Marte, é possível que o riso em vez de global, tenha sido interplanetário.

Mas as desventuras do palhaço paraquedista deixaram a situação tão vergonhosa que até mesmo o governador de São Paulo, Johnny Dólar, que outrora defendia alimentar crianças de baixa renda com ração feita a partir de comida processada ‘perto da data de vencimento’ (e como merenda escolar!), fosse visto como um verdadeiro defensor dos direitos humanos por simplesmente não se opor às recomendações OMS.

E para que os cariocas não se sintam pra trás, um senhor que atua como governador por lá, e que desceu de um helicóptero comemorando um tiro de snipper ao vivo na TV, efusivamente, como se comemora um gol em clássico, também está na lista de ‘novos defensores da vida e dos direitos humanos’, ao lado de Dólar e pelas mesmas razões. Viva o New Brazil!

Isso rendeu outro barraco mais do que brasileiro, entre Bozo e Dólar. Como que se escondendo por trás de uma goiabeira, um sorrateiro celular filmou uma videoconferência no Palácio dos Bandeirantes, entre governos paulista e federal. Nela, Dólar exigiu que o presidente não confiscasse máscaras de seu estado, uma vez que ali era, e é, o epicentro nacional da pandemia. Em resposta, o Palhaço Bozo deu um verdadeiro chilique. “Você quer tomar o meu lugar nas próximas eleições!” e ecoou no youtube.

E durante todo esse tempo, o Palhaço Bozo original, que fala inglês, se pinta de laranja e vive mais ao norte, ditou o discurso de seu sósia tropical. Mas um ataque sino-soviético fez com que os casos positivos de Cronicavírus aumentassem na Terra da Liberdade e fizessem com que Rambozo, the Original recuasse com suas piadas. Mas em terras brasileiras, a atitude não se repetiu até que as brigas entre o nosso Bozo e seu ministro da saúde dessem lugar à tão desejada intervenção militar no governo federal, mas não falaremos disso hoje. Fica para a próxima. Se houver próxima...

Vendo tudo, pensei: que tipo de coisa pode ser feita numa situação dessas? E após muito refletir, me dei conta de que a solução seria, óbvio, ofender o maior parceiro comercial do Brazil – que, por acaso, é o único produtor em grande escala de, vejam só, equipamentos médicos. “Aonde?” “No mundo”. Mas demorou muito para que essa ideia brilhante me tocasse. Tocou mais cedo a um dos filhos do Nosso Palhaço.

E eis que fugi por alguns dias para as montanhas (da minha imaginação, pois só estive em casa mesmo) e no começo de abril, ainda atordoado com tudo ‘isso daí’, liguei a GoebbelsNews para me informar sobre esse maravilhoso mundo.

Extra! Extra! Saque democrático no Pacífico! “Não queremos que outros consigam máscaras”, dizia o alaranjado Rambozo na língua dos coachs. Seu país ressuscitara uma lei oriunda dos anos 50 que legitimava o ‘direcionamento da produção’ em prol dos seus próprios interesses.

Bom, se foi aprovado por um Congresso, o saque é democrático.

Bem o sabem os trabalhadores brasileiros.

“Mas, por favor, não critiquemos, o momento é de união”, dizia o mantra, até que paramos de dar importância.

E ao final de toda a estória – que continuará nas próximas semanas – finalmente entendemos o porquê da compra de tantos pacotes de papel higiênico.

Raphael Sanz é jornalista e editor-adjunto do Correio da Cidadania.

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