Correio da Cidadania

Lula é hoje um personagem nocivo para a imprescindível revolução brasileira

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O artigo do veterano e ótimo jornalista Clóvis Rossi é uma espécie de julgamento moral do Lula, à luz dos valores republicanos e do Estado democrático de Direito, que têm sido incensados pelo PT desde que abandonou de vez a luta contra a exploração do homem pelo homem e, consequentemente, pela substituição da democracia burguesa por uma democracia que pertença a todos e a todos expresse, ao invés de um mero arcabouço institucional da imposição dos interesses da classe dominante aos dominados.

Meu ângulo de análise é outro, o de um revolucionário que está se lixando para os valores republicanos e o Estado democrático de Direito. Portanto, não me aterei a detalhes policiais do caso, mas, tão somente, ao papel histórico do Lula.

Nordestino pobre que, embora tenha vindo para São Paulo aos sete anos de idade, absorveu as influências do coronelismo (tanto que sempre se deu bem com os ACMs e Sarneys da vida), mesclando-as depois com as do nascente sindicalismo de resultados do final da ditadura.

O certo é que sua projeção como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP) se deu graças a greves sobre as quais sempre pairou a suspeita de que fossem combinadas com as grandes montadoras: querendo livrar-se do congelamento de preços que a ditadura lhes impunha, interessava-lhes que houvesse tais paralisações, dando-lhes pretexto para cobrar mais pelos veículos como forma de compensar os aumentos de salários por elas concedidos. Os ministros da Fazenda da ditadura acabavam cedendo às suas pressões e abrindo uma exceção para elas.

Durante tais greves, muitos militantes de esquerda tentavam entrar no território de Lula e sua patota sindicalista, sendo firmemente rechaçados.

Depois, contudo, com a volta de Leonel Brizola ao Brasil, Lula percebeu que, se o deixasse sair na frente na organização de um partido de esquerda, acabaria se tornando um mero satélite na sua órbita. Mas, como estruturar um partido nacional se ele e seus seguidores só eram influentes em São Paulo?

Assim, embora viesse até então mantendo zelosamente os esquerdistas de fora do ABC afastados das assembleias no estádio de Vila Euclides, foi obrigado a negociar com os ditos cujos para ganhar a abrangência que lhe permitisse travar uma disputa equilibrada, pela hegemonia da esquerda, com o PTB (acabou sendo PDT) de Brizola.

As forças que se uniram para formar o Partido dos Trabalhadores foram os sindicalistas do ABC, os partidos e grupos de esquerda que haviam sobrevivido ao terrorismo de Estado da ditadura e a chamada esquerda católica.
 
Ou seja, circunstancialmente Lula foi obrigado a somar forças com a esquerda, mas nunca morreu de amores por ela. Solapou sua influência na década de 1980 estimulando o inchaço do PT (a permissão do ingresso em massa de ambiciosos de todo tipo, interessados num bolso mais cheio e não numa sociedade mais justa), apoiando o expurgo de tendências como a Convergência Socialista e, enfim, alinhando-se sempre com as posições que conduziam à desideologização do partido.

A seu mando, Zé Dirceu fechou com os poderosos da economia o acordo pelo qual estes não se oporiam à eleição e posse de Lula como presidente da República, comprometendo-se o novo governo, em contrapartida, a não tomar decisões macroeconômicas desfavoráveis aos donos do Brasil. Cada vez que eu o escutava repetir que os banqueiros nunca haviam lucrado tanto quanto com ele no poder, quase vomitava!

Assim, o verdadeiro significado dos governos petistas foi o engessamento da luta contra o capitalismo, com os explorados sendo levados a crer que, de migalha em migalha, acabariam enchendo o papo. Mas, quando a economia entrou em crise e não havia mais migalhas a distribuir, as galinhas se viram sob uma das piores recessões brasileiras de todos os tempos e cruzaram as asas enquanto Dilma Rousseff era enxotada do poder.

O que poderemos esperar de Lula, caso os poderosos lhe permitam concorrer à eleição presidencial e, vencendo, ser empossado?

Existe alguém que acredite numa conversão miraculosa aos ideais revolucionários?

Ou ele protagonizará mais uma (de antemão fracassada) tentativa de provar que a conciliação de classes e o reformismo ainda podem fazer a felicidade do povo brasileiro, embora tal crença nos faça marcar passo desde 1986?

Neste sentido, eu também prefiro que Lula seja rechaçado pelo eleitorado e não afastado da eleição pela Justiça burguesa. Pois, hoje, ele não passa do obstáculo para que os explorados tomem seu destino na mão e passem a construir uma sociedade bem diferente dessa atual, que se mostra cada vez mais desigual e bárbara.
 
O certo é que, aconteça o que acontecer no julgamento legal do Lula, seu papel histórico já está encerrado. Deveria ter pendurado as chuteiras há muito tempo.

Torço para que sua aposentadoria não se dê sob a humilhação e o constrangimento das grades, pois é algo que nenhum ancião merece, quando não tiver cometido crimes hediondos nem se constituir numa ameaça para a sociedade. Mas, para a necessária e imprescindível revolução brasileira, ele hoje não passa de um personagem nocivo.


Celso Lungaretti é jornalista e escritor.
Blog:
https://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/

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