Correio da Cidadania

Goiás: 10 ameaças da Lei nº 350/23

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O Cerrado é o segundo maior bioma da América do Sul  — Foto: Marcelo Camargo - Agência Brasil
Marcelo Camargo / Agência Brasil

No dia 1º de junho de 2023, às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente, a Assembleia Legislativa de Goiás aprovou com uma tramitação relâmpago, em apenas um mês, o Projeto de Lei 350/2023 (sancionada neste dia 14 pelo governador Ronaldo Caiado), que anula as leis de proteção ambiental sobre o meio ambiente no Estado, abrindo espaço para anistiar desmatadores, relaxar exigências de reparação de crimes ambientais, retirar poder de instituições regulatórias ambientais, retirar proteção de nascentes e ampliar as possibilidades de desmatamento de áreas de Cerrado preservadas.

Seu texto tem nove artigos que alteram detalhes importantes em quatro leis estaduais, um verdadeiro condomínio de jabutis legislativos. Compilamos a seguir os 10 pontos principais, outros pontos importantes e aprofundamento na análise destes aqui listados podem ser conferidos na Nota Técnica que produzimos e publicamos junto com esta carta.

1. O PL 350/23 anistia crimes ambientais cometidos antes de 27 de dezembro de 2019, colocando esta data como referência na possibilidade de requerimento de licença ambiental corretiva. Esse dispositivo amplia em 11 anos o prazo estabelecido pela Lei Florestal Federal 12.651/2012, contrariando e flexibilizando a norma federal.

2. O PL 350 modifica o Código Florestal de Goiás, atentando contra as áreas de preservação permanente chamadas “campos de murundus” em clara inconstitucionalidade. O dispositivo alterado permite que campos de murundus sejam desmatados no caso de processos de reordenamento territorial das reservas legais com conversão de novas áreas. Os campos de murundus têm importância vital para o ciclo hidrológico, pois esses campos são um reservatório natural de água que promove uma fluição lenta e gradual da água para as nascentes, garantindo sua perenidade. Isso quer dizer que sua supressão prejudicaria muito essas nascentes, causando até mesmo a extinção destas.

3. O PL 350/23 considera a possibilidade de “supressão de fragmentos isolados de vegetação nativa, conhecidos como capões”, ou seja, de áreas vegetadas com até dois hectares. Essa possibilidade representa impacto considerável para o que resta de Cerrado no Estado de Goiás, na medida em que temos muitas dessas áreas ainda presentes no território goiano. Essas áreas são importantes para garantir o fluxo gênico de fauna e flora, bem como para instituir corredores e/ou mosaicos de biodiversidade. A perda desses fragmentos causa sérias perdas de biodiversidade.

4. O PL 350/23 cria a possibilidade de o empreendedor optar pelo licenciamento municipal ou estadual. Isso retira poder dos municípios para regular seu próprio meio ambiente, impondo a ele as decisões do licenciador estadual. Sabemos que os problemas ambientais são sentidos localmente, o que resulta em uma invasão clara do estado sobre os municípios.

5. O PL 350/23 possibilita ao estado de Goiás criar seu próprio Cadastro Ambiental Rural (CAR). Trata-se de uma manobra perigosa porque dá margem para ignorar regras estabelecidas nacionalmente pelo CAR. E também em nível municipal, fazendo com que a fiscalização e até mesmo a punição por danos ambientais sejam prejudicadas por falta de informações ou informações inverídicas.

6. O PL 350 também relaxa as exigências quanto à localização das reservas legais averbadas em matrícula do registro de imóveis, quando não for possível a integral espacialização a partir das informações constantes nas certidões registradas em cartório que ainda estão em vigor. Essa medida é extremamente grave, porque as matrículas antigas muitas vezes não tinham limites claros, em razão de limites tecnológicos da época.

7. O PL 350/23 abre margem para a não exigência de regeneração das áreas degradadas por crimes ambientais no caso de implantação de empreendimentos considerados de utilidade pública ou de interesse social que vierem a afetar reservas legais próprias ou de terceiros. O dispositivo dá margem à inaplicabilidade de quaisquer modalidades de compensação, permitindo que se conceda a declaração de inexistência de passivos ambientais.

8. O PL 350/23 passa a conceder Declaração de Inexistência de Passivos Ambientais para imóveis que ainda estão sanando irregularidades durante o cumprimento de TCAs. Ao conceder essa Declaração é gerada uma falsa impressão de regularidade irrestrita da propriedade. Com esse documento, a propriedade irregular poderá ter acesso a recursos de financiamento governamental para seus processos produtivos antes mesmo de se concretizar sua regularização, esvaziando um dos principais instrumentos de regulação ambiental. Pode, ainda, desestimular o cumprimento integral de eventual termo de compromisso ambiental, vez que não há nada que limite formalmente a sua atuação.

9. O PL 350/23 condiciona a publicidade e o acesso às informações constantes em autos de processos administrativos ambientais à certificação da notificação do autuado. Essa medida representa prejuízo à transparência e limita o princípio da publicidade, impedindo o controle social sobre a atuação dos órgãos ambientais. Além disso, prejudica o controle das infrações que vêm ocorrendo no território, especialmente em relação aos dispositivos de controle instituídos pelo Sistema Nacional de Informações sobre Meio Ambiente, o SINIMA, como o controle da ocupação do território criado através do Cadastro Ambiental Rural, o CAR.

10. O artigo 5º do PL 350/23 volta ao tema da remuneração de instituições gestoras de fundos ambientais, estabelecendo o percentual de 12% como teto remuneratório. Tal percentual destina parte de recursos que deveriam ser utilizados na proteção e/ou na recuperação do meio ambiente à atividade-meio de gestão desses recursos, contrariando toda a lógica da normativa pertinente.

* *

Considerando que o Cerrado é um bioma essencial para a manutenção da segurança hídrica no Brasil, em especial na região de sua ocorrência e no Estado de Goiás, como fonte das águas das três principais bacias hidrográficas do Brasil; considerando que a ausência de água conduz a impactos de diversas ordens, como ambiental - prejudicando processos ecológicos essenciais, impactando em fauna e flora - social - afetando as cidades, as populações e comunidades que dependem da água para subsistência - e econômica - na medida em que prejudica atividades produtivas, sejam elas comerciais, industriais ou agropecuárias; considerando que as alterações promovidas pelo PL 350/23 contrariam compromissos internacionais assumidos pelo Brasil para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e reduzir as taxas de desmatamento e a reflorestar 12 milhões de hectares de floresta; considerando as flagrantes ilegalidades, inconstitucionalidades e destruições ambientais apontadas acima, que as entidades e pessoas físicas abaixo relacionadas, solicitamos a anulação integral da Lei 350/23.


Assinam:

AFF - Associação dos Amigos das Florestas
ARCA - Associação para a Recuperação e Conservação do Ambiente
Asibama Goiás - Associação dos servidores do Ibama e ICmbio em Goiás
AESAGO - Associação Estadual Agroecológica de Goiás Agrofloresta Flora Barreto
APRODAB - Associação de Professores de Direito Ambiental do Brasil
ASSIBGE SN - Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Fundações Geográficas e Estatísticas. Núcleo GOIÁS
Associação Alternativa Terrazul
Associação SOS Rio Piracanjuba
AVINC - A Vida No Cerrado
BIFAV Anjos Verdes Campanha Nacional em Defesa do Cerrado - "Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida"
Centro Internacional de Direito Ambiental Comparado (CIDCE)
Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil
Comissão Pastoral da Terra em Goiás (CPT)
Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino
Cooperativa Mista de Trabalho Casa do Cerrado
COOPERBELA - Cooperativa de Catadores de Material Reciclável de Bela Vista
Essá Filmes
FBOMS - Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento
Guardiões do Meia Ponte
Instituto Aldeias Instituto Altair Sales (IAS)
Instituto de Desenvolvimento Econômico e Socioambiental
Instituto EcomAmor
Instituto Plantadores de Água
Instituto Santa Dica
Laboter - Laboratório de Estudos e Pesquisas das Dinâmicas Territoriais - IESA/UFG
Núcleo Centro-oeste da Climate Reality Project Brasil
Núcleo de Agroecologia e Educação do Campo Gwatá - UEG
Observatório das Metrópoles- Núcleo Goiás
Projeto Salve o Cerrado
Projeto Tampatas
Rede Pouso Alto Agroecologia
Rede Sustentabilidade Goiás
Reserva Ecológica Porto das Antas / Sociedade Porto das Antas
SindMP
SOS Chapada dos Veadeiros Territórios Globais
TG Soluções para o Desenvolvimento Sustentável
Tribunal Permanente em Defesa dos Povos do Cerrado

Pessoas Físicas

Alexandra Sofia Miranda dos Santos - Doutora em Artes Visuais
Aline Martins Barreto - Agrofloresta Flora Barreto
Álvaro Fernando De Angelis - Integrante do GT Resistência aos Desmontes Ambientais / Rede Brasileira de Justiça Ambiental - RBJA e coordenador do movimento SOS Chapada dos Veadeiros
Ângelo Daré - Coordenador de Mobilização da Associação Alternativa Terrazul
Bruno Benfica Marinho - Advogado Pública Carlos Osório - Estudos de Doutorado em Ciências Geográficas
Catiê Borges da Silva Rezende
Cayo Henrique Ferreira de Alcântara - Fundador e Diretor Executivo da AVINC
Celene Cunha Monteiro Antunes Barreira - Geógrafa Coordenadora do OM Gyn
César Augusto de Abreu - Eng. Agrônomo; Consultor Ambiental; Especialista em Perícia, Auditoria e Licenciamento Ambiental (UFG)
Dagmar Olmo Talga - Essá Filmes; Núcleo de Agroecologia e Educação do Campo Gwatá-UEG Elisa Almeida França - Jornalista
Everaldo Antônio Pastore - Professor, Arquiteto e Urbanista
Flávia de Figueiredo Machado - Doutora em Ecologia e Evolução; Líder climática da Climate Reality Project Brasil, Núcleo Centro-Oeste
Flávio Marcos G. de Araújo - PPGeo UFG /TRAPPU
Gabriel Tenaglia Carneiro - Especialista em Políticas Públicas, Doutor em Ciências Ambientais e Professor Universitário
Gerson de Souza Arrais Neto – Especialista em Planejamento Urbano e Ambiental
Gilmar Barros Costa - SindMPU/ GO
José Alves Alencar
José Antônio Tietzmann e Silva - Advogado, Professor e Pesquisador na UFG e na PUC Goiás, Vice-Presidente do Centro Internacional de Direito Ambiental Comparado (CIDCE), Membro da Associação de Professores de Direito Ambiental do Brasil (APRODAB)
José Carlos Guimarães
Leo Caetano Fernandes da Silva - Dr. em Ecologia e Evolução, Analista Ambiental do Ibama Lívia Gomide - Arquiteta e Urbanista Lilia Monteiro - Direção Rede Sustentabilidade Goiás Luciana Pinto - Arquiteta e Urbanista Luciane Martins de Araújo - Advogada, Professora e Pesquisadora na PUC Goiás, Membro do Centro Internacional de Direito Ambiental Comparado (CIDCE) e da Associação de Professores de Direito Ambiental do Brasil (APRODAB)
Lucília Amaral - Professora, Ambientalista e membra-fundadora do Instituto Santa Dica
Lucíola Cabral - Procuradora das áreas de urbanismo e ambiente do Município de Fortaleza-CE, Membro da Associação de Professores de Direito Ambiental do Brasil (APRODAB)
Maria Eugênia Guimarães - Doutora em Sociologia Maria Inês de Oliveira - AESAGO / CPT / Campanha Nacional em Defesa do Cerrado / TPP
Marta Helena Mendes de Queiroz - Doutoranda em Direito (Universidad de Buenos Aires, Facultad de Derecho) Mestra em Educação (PUCGOIAS), Professora, Servidora Pública Federal Aposentada do IBGE, Porta Voz da Rede Sustentabilidade Goiás, Coordenadora Sindical da ASSIBGE SN Núcleo GOIÁS Maria Oliveira de Sousa
Natália Santiago de Menezes - Engenheira Florestal e Professora do IF Goiano Campus Ceres Pedro Henrique Baima Paiva - Doutor em Antropologia e Biólogo
Pedro Ivo de Souza Batista - Coordenador Nacional do FBOMS - Fórum Brasileiro de Ongs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente, membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)
Rodrigo Marciel Soares Dutra - Servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG) e Doutorando em Geografia pelo IESA/UFG
Sandra Cureau - Procuradora da República, Ministério Público Federal, Membro da Associação de Professores de Direito Ambiental do Brasil (APRODAB)
Sandra de Oliveira Dias - Doutoranda em Ciências Ambientais- Mestre em Direito Constitucional- Serventuária do Tribunal de Justiça de Goiás - membro da La Clima
Tadeu Ribeiro da Costa - Rede de Educação e Informação Ambiental de Goiás
Vitor Costa - Jornalista, e ativista pelos direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA)

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