Correio da Cidadania

Geopolítica: Povos Indígenas e Ciclos Econômicos

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Foto: Reprodução / Tribuna Universitária

A Portaria da FUNAI nº 38 de 11/01/2011, assinada no governo Dilma Rousseff como uma das condições do licenciamento da usina hidrelétrica de Belo Monte, estabeleceu restrição pelo prazo de dois (02) anos para acesso à Terra Indígena Ituna/Itatá, com área de 142.402 ha, localizada nos municípios de Altamira e Senador José Porfírio, estado do Pará.

A sequência lógica da restrição seriam os estudos de identificação na Terra Indígena e definição dos seus limites territoriais, seguindo para declaração do Ministério da Justiça e posterior homologação da presidência da República, conforme rege o Decreto 1775/96 que trata da regularização de Terras Indígenas no Brasil.

Contudo, o relatório da TI Ituna/Itatá, assim como muitas outras Terras Indígenas pelo Brasil, sofreram ataques jurídicos, conhecidos como Lawfare, em que cada etapa do processo é motivo de ação judicial por parte de ruralistas, mineradores e grileiros. Mesmo com as pressões, a Portaria de restrição de Ituna/Itatá foi renovada em 2013, 2016, 2019 e 2021.

Desde 2021 o senador Zequinha Marinho (PSC-PA), representante político dos grileiros do Pará – com fortes relações com o grileiro Jassônio Costa Leite, apontado pelo Ibama como um dos principais responsáveis por desmatar 21.108,05 hectares, o equivalente a mais de 21 mil estádios de futebol – realizou reuniões com o presidente da Funai, Delegado Marcelo Xavier, para discutir um relatório interno ao órgão com relatos das expedição de indigenistas que haviam localizado vestígios de indígenas isolados em Ituna/Itatá. A partir do relatório seguiria-se o processo de regularização fundiária.

Com a demora na renovação da restrição e observando as pressões de políticos paraenses, em 28 de janeiro de 2022 a Justiça Federal, por solicitação do Ministério Público Federal, ordenou que a Funai renovasse a Portaria de restrição por mais três (03) anos, o que não foi seguido causando a pressão popular para a renovação.

Após debate nos meios indígenas e indigenistas, bem como no Congresso Nacional, a Funai publicou no dia 1 de fevereiro a Portaria 471 mantendo a restrição de acesso, mas não por mais três (03) anos, e sim por seis (06) meses.

Contudo, há pressão para grilagem, extração de madeiras nobres e posterior abertura para mineração. A região é rica em Estanho, que tem solicitação de pesquisa para lavra por empresas como OUROCAN SERVICOS DE APOIO E LOGISTICA PARA MINERACAO LTDA; JS MINERAIS LTDA; e MINERSUL MINERACAO EIRELI. Bem como é rica em ouro que tem solicitação de pesquisa para lavra por empresas como COOPERATIVA MISTA DE MINERADORES, AGRICULTORES E COMERCIANTES DO PARÁ; Cooperativa dos Garimpeiros da Região do Galo, Ressaca, Ouro Verde, Itata e Ilha; Belo Sun Mineração Ltda; entre outros interessados.

Com a alta internacional do valor do ouro, como alternativa ao dólar americano que é atrelado ao valor do petróleo que sofre instabilidades devido aos conflitos geopolíticos, as Terras Indígenas no Brasil são alvos de exploração ilegal, sendo que o artigo 231 da Constituição Federal protege as TIs como usufruto exclusivo dos Povos Indígenas que nelas habitam.


Fonte: Google

Há no Congresso Nacional o Projeto de Lei 191/2020, assinado em 2020 pelo ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) e pelo ex-ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) que foi considerado inconstitucional pela 6a Câmara de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal.

Deste modo, observamos que os Povos Indígenas no Brasil e no mundo vivem um novo ciclo colonial devido aos ciclos econômicos longos, conforme ensinado pelo economista Nikolai Kondratiev, quando a economia alcança seu auge tecnológico e permanece estagnada, gerando crise até que novas tecnologias surgem e retomam novo patamar de exploração e produção econômica:
    • na década de 1750 ocorreu a Guerra de Portugal e Espanha contra os Guarani no Rio Grande do Sul, devido à crise imperial de navegação de Portugal e Espanha;
    • cem anos depois veio a crise pós-guerras napoleônicas e revoluções populares na Europa, que culminou com a Lei de Terras de 1850 no Brasil que garantiu terras à família real receosa de perder a coroa, e não foi cumprida com a criação dos Aldeamentos Indígenas, mas a expulsão e extermínio de comunidades inteiras de seus territórios;
    • após a Grande Depressão de 1873-1896 nos países em industrialização, avançam as buscas por matéria prima, culminando na I Guerra Mundial, e no Brasil a borracha da seringueira amazônica levou a expedições sobre territórios Indígenas e instalação de empreendimentos no Mato Grosso, Rondônia e Amazonas, o que resultou na criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI);
    • após a II Guerra Mundial as ditaduras militares se instalaram para garantir os quintais de exploração ao poderio industrial-militar dos EUA, o que reduziu mais ainda os territórios dos Povos Indígenas;
    • com a crise financeira de 2008 as indústrias rumam para criação de tecnologias digitais que precisam de minérios como Estanho, Ouro, Cobre, Lítio, e outros chamados de Terras Raras.

No Brasil e no mundo, o ciclo de respeito aos Povos Indígenas ocorreu brevemente durante 1988 quando a Constituição Federal com o artigo 67 das disposições transitórias que deu prazo de cinco anos para conclusão das demarcações de Terras Indígenas, que foi seguido pelo então presidente Fernando Collor, que mais demarcou áreas e foi vítima de impeachment pelo Congresso ruralista à época. Também com a Convenção 169 de 1989 da Organização Internacional do Trabalho que encerrou o ciclo de tutela estatal sobre Indígenas, abrindo para a autodeterminação. Com a publicação em 2007 da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas e Tradicionais na ONU, alcançamos o auge do Sistema de Proteção dos Povos e Terras Indígenas que durou 20 anos (1988-2008).

Os próximos passos geopolíticos da extração mineral e bioenergética de territórios indígenas dependerá de como se comportarão os novos blocos econômicos diante da geração de novas tecnologias de reciclagem de materiais. Abrir novas fronteiras de ataque a florestas e aos Povos que nela vivem, gerando poluição e mudanças climáticas, tem sido cada vez mais problemático nas disputas econômicas por conta das normas de responsabilidade socioambiental das empresas.

Por parte dos Povos Indígenas, a resistência aos avanços do capitalismo tem utilizado novas formas, como exemplificado em 1994 pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional no México que utilizou a internet como forma de informação e denúncia dos ataques que sofriam. No Brasil a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) tem utilizado as redes sociais para se fazer presente na mídia e memória dos brasileiros e apoiadores no mundo, denunciando a investidores na bolsa de valores que os lucros individuais deles têm sangue de comunidades indígenas.

É preciso denunciar que a cada investimento inocente de um trader sentado em sua cadeira giratória dentro de uma sala com ar condicionado e shake de proteína sobre a mesa; um trator derruba árvores, espíritos da floresta e vidas de Povos Indígenas.

Nuno Nunes é filósofo, escritor, mestre em Educação e Comunicação pela UFSC, doutorando em Planejamento pela UDESC, membro da Anarquistas Contra o Racismo (ACR) e colunista de geopolítica do portal Tribuna Universitária, onde este artigo foi publicado originalmente.

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