Correio da Cidadania

O modelo boliviano de exploração do lítio

0
0
0
s2sdefault

Bolívia com modelo soberano sobre lítio - Prensa Latina
Divulgação

Existem dois modelos de mineração de lítio: o modelo estatal e o modelo privado. Conhecemos bastante bem o modelo neoliberal privado. No modelo estatal, existe, por um lado, a forma de empresa mista, uma mistura de ações estatais e privadas; por outro lado, o modelo 100% estatal. O modelo boliviano está atualmente em sua fase de extração da matéria-prima e é 100% estatal.

Existem duas condições básicas para o modelo boliviano: por um lado, está a definição constitucional do lítio como matéria-prima estratégica; por outro lado, essa determinação jurídica está ancorada e detalhada em suas leis mineradoras (aqui estão previstas empresas mistas para a fase de industrialização do lítio com participação estatal majoritária). Ambas as bases jurídicas foram estabelecidas durante a época de ascensão política indígena do governo de Evo Morales.

Cooperação com chineses e empresa russa

Para os países do norte, ou seja, para os compradores, o lítio é considerado uma matéria-prima "crítica". Mas para nós na América Latina e na Bolívia, é uma matéria-prima estratégica. Apesar da preponderância dos interesses do Estado, a Bolívia estabeleceu relações comerciais com corporações internacionais, inicialmente com a empresa chinesa CATL. Esta empresa é uma líder internacional, já administra uma fábrica de baterias na Alemanha, na Turíngia, e também está construindo outra fábrica de baterias na Hungria. O lítio boliviano certamente também será exportado para a Europa. Portanto, os europeus não podem dizer que o lítio boliviano só irá para a China!

A segunda empresa é o grupo russo Uranium One. Esta é uma empresa russa que em 2023 ganhou um contrato com a YLB para extrair lítio. O anúncio foi feito no final de junho de 2023. Apesar de toda a pressão dos Estados Unidos e da imprensa internacional, o governo boliviano se impôs e disse: daremos o contrato à empresa que se ajustar às nossas ideias, e se virmos que a Rússia fez uma boa oferta, então iremos com ela. E estou muito feliz em anunciar isso, fiquei muito feliz ao saber da notícia! A terceira empresa é a Citic Guaon/Crig da China.

Estas três empresas ganharam o contrato para colaborar na exploração do lítio. E por que a Bolívia coopera com consórcios internacionais apesar de sua determinação constitucional? Porque a Bolívia precisa do mercado do lítio, porque a Bolívia precisa do know-how para a exploração do lítio e porque a Bolívia também precisa do know-how para a cadeia de valor do lítio.

A primeira peculiaridade do modelo boliviano, ou seja, do contrato assinado com as multinacionais, é que a exploração do lítio estará 100% sob controle do Estado, como destacou o vice-ministro de Energia da Bolívia. As corporações internacionais são fornecedoras de serviços com direito a serem clientes preferenciais para a compra de lítio. Quero enfatizar isso porque sempre surge a pergunta: que benefício traz a cooperação às empresas internacionais se o lítio pertence 100% ao Estado boliviano? Estas empresas têm direito de preferência de aquisição do lítio boliviano e, portanto, de acesso prioritário a esta matéria-prima "crítica" em um país onde há grandes recursos disponíveis. Isso garante uma de suas cadeias de suprimentos para essa matéria-prima crítica. É necessário ressaltar que atualmente existem acordos entre as partes, ainda não há contratos com as empresas. Ainda há um longo caminho a percorrer antes que sejam redigidos legalmente.

A segunda característica especial deste modelo é que as corporações internacionais também investirão na cadeia de valor. Portanto, não estarão apenas envolvidas na exploração de lítio e apenas comprarão lítio, mas também se comprometeram a investir na cadeia de valor.

Baixo consumo de água através da extração direta de lítio

O terceiro distintivo do modelo boliviano de cooperação com os consórcios é que as corporações internacionais não apenas estão abertas à transferência de tecnologia, mas também devem implementá-la, por exemplo, com a tecnologia de extração direta de lítio através da Extração Direta de Lítio (EDL). A perda de água é muito diferente no uso das duas tecnologias (evaporação e direta). Quando são usados tanques de evaporação, evaporam-se 200 m³ (200.000 litros) de salmoura por tonelada de LCE (equivalentes de carbonato de lítio). A isso se soma o consumo de águas subterrâneas na planta industrial do carbonato de lítio. Com o método EDL, o consumo líquido de água é de apenas 2 m³ (2.000 litros) por tonelada de LCE, ou seja, 100 vezes menos, segundo especialistas.

A EDL é uma tecnologia conhecida na Alemanha. Na Bacia do Alto Reno, no sudoeste da Alemanha, diz-se que um enorme depósito de lítio flutua em águas termais a grande profundidade. Esta água quente também é usada para fornecer redes de aquecimento urbano. No projeto de obtenção de lítio participa a empresa australiana Vulcan Energie. Com um sistema para otimizar a extração de lítio, o lítio é praticamente separado da água quente e depois a água retorna ao subsolo. O cloreto de lítio produzido desta forma é posteriormente processado em outra planta, resultando finalmente em hidróxido de lítio. Uma tecnologia semelhante será usada pelas corporações internacionais mencionadas anteriormente nas salinas da Bolívia, é claro, com tecnologias e resultados diferentes. A Bolívia possui uma equipe de pesquisa e está trabalhando em suas próprias patentes, incluindo a tecnologia DLE.

Com a tecnologia indicada, a CATL produzirá 25.000 toneladas no salar de Uyuni e 25.000 toneladas no salar de Coipasa. A Citic Guaon/Crig também trabalhará com esta tecnologia na região norte do Salar de Uyuni e espera-se que produza 25.000 toneladas. A Rússia também utilizará esta tecnologia para extrair 25.000 toneladas do salar de Pastos Grandes. Prevê-se ter um total de 100.000 toneladas até 2025. A Bolívia iniciou o projeto de lítio em 2009 e agora passou de uma planta piloto para sua própria planta industrial na qual espera produzir 15.000 toneladas anuais. Ainda não chegaram a esse ponto, mas esse é o objetivo.

No que diz respeito à cadeia de valor, sabe-se que os países industrializados e os grupos industriais que lidam com o processamento do lítio obtêm os maiores benefícios na produção de cátodos, células e baterias. O economista-chefe da Repsol, Antonio Medina, estima que os custos de materiais representam 90% do valor total de uma bateria, sendo os cátodos e ânodos 75%. As corporações internacionais na Bolívia agora se comprometeram também a investir nessas áreas. Esta é uma boa notícia para a Bolívia e para a América Latina.

Recentemente, foi relatado na imprensa europeia que os chineses, assim como os europeus e os norte-americanos, querem explorar o lítio apenas para seus próprios fins. Isso é simplesmente uma mentira. Não, neste caso, os bolivianos insistiram que eles também estão dispostos a ganhar mais dinheiro com isso. Esta é uma notícia que prenuncia o início do fim do brutal colonialismo e neocolonialismo.

Mineração de lítio na Argentina e no Chile

Agora, vamos - para efeito de comparação com o modelo boliviano - dar uma olhada nos modelos de seus países vizinhos. No Chile, atualmente existem duas grandes empresas privadas: Albemarle dos Estados Unidos e SQM (Sociedade Química e Mineração do Chile S.A.) do Chile. Este último é composto por dois acionistas proprietários: um chileno, pertencente ao empresário chileno Julio Ponce Lerou, genro de Pinochet; o outro proprietário é a chinesa Tianqi Lithium, que possui uma participação de 22,77% na SQM. A colaboração entre as duas empresas surgiu em 2018.

Na Argentina, várias empresas internacionais estão trabalhando na extração de lítio. Entre eles estão Alkem (Austrália), Livent (EUA), Lithium Americas (Canadá), Posco (Coreia do Sul) e Ganfeg-Lithea (China). Atualmente, três projetos estão em produção: o da Livent na província de Catamarca, o da Orocobre Ltd e da Toyota em Jujuy e o da Exar (Lithium Americas e Ganfeng), também na província de Jujuy.

Não são os estados os verdadeiros exportadores, mas sim as empresas que exportam lítio desses países. Os maiores compradores deste lítio são os asiáticos, ou seja, China, Japão e Coreia do Sul. É aí que ocorre o desenvolvimento tecnológico neste campo, não nos EUA ou na Europa. É necessário lembrar aos europeus essa realidade. Muitos europeus ainda acreditam que estão na vanguarda do desenvolvimento científico. Não é assim.

Também na Argentina e no Chile, o Estado tem voz. Apesar da predominância das empresas privadas nesses países vizinhos da Bolívia, o Estado deixou uma janela aberta para os interesses dos países. No caso da Argentina, o Estado exige que as corporações internacionais destinem uma porcentagem de 5 a 20% da produção para a indústria da Argentina. Para isso, foi fundada uma pequena empresa estatal chamada Y-TEC. A empresa está produzindo baterias. Elas são destinadas para veículos de transporte urbano e armazenamento de energia. Espera-se que isso continue se desenvolvendo. É perceptível que a Argentina quer seguir um caminho diferente do privado (isso até a eleição de Milei, ao menos).

Além disso, o modelo argentino prevê uma participação de cerca de 3 a 8% dos governos provinciais nos projetos das corporações internacionais. Isso é muito pouco, então o governo central da Argentina não está satisfeito. Pois vai contra os interesses do Estado como um todo que os governadores dessas províncias queiram fazer o negócio por conta própria. Há um forte protesto da população indígena também porque a exploração do lítio afeta a água e a terra e o território de suas áreas de vivência originais. Há grandes conflitos nas províncias produtoras de lítio.

No caso do Chile, há grandes esperanças neste momento, já que o atual governo de Boric anunciou sua estratégia nacional sobre o lítio em fevereiro de 2023. Boric disse que a partir de 2030 as duas corporações internacionais acima mencionadas formarão uma espécie de empresa mista com uma participação de 51% para o Chile e 49% para as corporações. Houve e há muitos clamores dos neoliberais, o Chile tem uma tradição de neoliberalismo desde Pinochet, mas o chefe de governo disse claramente: enquanto eu, Boric, estiver no governo, não beneficiará apenas empresas individuais ou indivíduos, mas o benefício deve ser para todos os chilenos.

Tal como anunciado pelo presidente do México: esta matéria-prima estratégica deve beneficiar todos os mexicanos. A estratégia nacional de lítio do Chile também estipula que as empresas internacionais devem investir na cadeia de valor, semelhante ao que faz a Bolívia. Além disso, o objetivo é que as empresas internacionais trabalhem com a nova tecnologia EDL, extração direta de lítio, devido à perda de água.

Notas:

1) Em outra oportunidade abordaremos os problemas trazidos pelo modelo estatal e as medidas a serem tomadas para resolver esses problemas.

2) Apesar dessas determinações jurídicas, o tema de quando se deve falar sobre industrialização merece aprofundar os preceitos jurídicos. No parlamento boliviano, projetos de lei que preveem sua ampliação estão estagnados. Aqui indicamos os problemas políticos atuais. É possível que o grupo do MAS liderado por Evo Morales se torne um instrumento político manipulável pela direita, como um projétil para eliminar o governo de Arce. No final, o projétil que mata a vítima se elimina a si mesmo, o manipulador da arma.

3) Ultimamente, as críticas a esse projeto têm sido acentuadas, não apenas por técnicos da YLB, mas também por especialistas externos. Por um lado, há a perda de água através da evaporação. Existem 96 piscinas que totalizam cerca de 1.400 hectares. A isso se soma o consumo de água subterrânea, necessário para a obtenção do carbonato de lítio de grau bateria. Por outro lado, estão os custos de energia e insumos.

4) Em 22 de setembro de 2023, após minha apresentação, a Amerika21, um veículo de comunicação da Alemanha, anunciou: "As subsidiárias da petrolífera estatal YPF, Y-Tec e YPF Litio, assinaram uma declaração de intenções com a Eusati GmbH, sediada em Düsseldorf, para impulsionar a produção e o processamento de lítio estatal.

Muruchi Poma (Rumi) é um economista boliviano residente na Alemanha. Autor dos livros Evo Morales: de cocalero a presidente de Bolivia, Ponchos Rojos, Qhapaq Ñan y socialismo - dos modelos históricos: el Qhapaq Ñan del Tawa ntin suyu y el socialismo real de la Alemania Oriental.

Tradução: Gabriel Brito, editor do Correio da Cidadania.

*Gostou do texto? Sim? Então entre na nossa Rede de Apoio e ajude a manter o Correio da Cidadania. Ou faça um PIX em qualquer valor para a Sociedade para o Progresso da Comunicação Democrática; a chave é o CNPJ: 01435529000109. Sua contribuição é fundamental para a existência e independência do Correio.

*Siga o Correio nas redes sociais e inscreva-se nas newsletters dos aplicativos de mensagens: 
Facebook / Twitter / Youtube / Instagram / WhatsApp / Telegram  

 

0
0
0
s2sdefault