Argentina rumo ao segundo turno
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- Elaine Tavares
- 27/10/2023
Enquanto a mídia argentina falava de uma vitória do candidato de ultradireita Javier Milei, por quatro ou até seis pontos de vantagem sobre Sérgio Massa, e alguns mais afoitos falavam em vitória já no primeiro turno, o que se viu ao contarem os votos foi o contrário. Sérgio Massa, candidato do peronismo e da situação – chegou na frente e por sete pontos percentuais, uma subida inesperada.
É certo que o discurso violento de Milei, lançando torpedos até contra o Papa, chegando a negar a terrível herança deixada pela ditadura com seus 30 mil mortos, foi decisivo para que mais de três milhões de pessoas que não haviam participado das primárias fossem votar, e isso acabou dando fôlego ao peronista. Declarações como o apoio à liberação das armas de fogo – a exemplo do Brasil – igualmente ajudaram a mobilizar uma boa parcela dos argentinos que abominam essa ideia. Assim, Milei teve de amargar o segundo lugar e agora vai precisa articular alianças com os demais derrotados que caminham pela direita.
A campanha presidencial certamente será intensa e mobilizará os argentinos até o dia 19 de novembro, quando acontece o segundo turno. Massa é candidato de um governo que não cumpriu o que prometeu quando sucedeu Maurício Macri. A inflação está altíssima, registrando em setembro 138%, a economia está paralisada, o desemprego é alto, o país voltou ao FMI, enfim, o cenário é ruim. Mas, ao que parece, com Milei, a vida pode piorar ainda mais. Sua plataforma ultraliberal prevê privatizações em todos os campos, o que significa o fim ou a redução de serviços públicos que são fundamentais para a população.
É fato que o histrionismo do candidato juntou muita gente, afinal, 30% de votos não podem subestimados, e levanta um alerta: as tendências ultraconservadoras – que emergiram desde Donald Trump, passando por Jair Bolsonaro e Nayb Bukele – estão vivas e arrastam multidões.
Sergio Massa não pode ser considerado um candidato de esquerda. Está mais para liberal. Esteve às turras com o kirchnerismo e chegou a se lançar candidato à presidente em 2017 pelo partido de oposição. Voltou para as fileiras do peronismo em 2019 e atualmente estava ministro da Economia do governo de Fernández. Ainda assim foi considerado o candidato possível que iria dar fôlego ao peronismo. Surpreendeu neste primeiro turno ao chegar em primeiro lugar.
Agora, a direita argentina já se organiza em torno de Milei. Patrícia Bullrich, que abocanhou 24% dos votos declarou voto no ultraliberal, assim como as forças ligadas a Maurício Macri. A Massa restará buscar os 6% de votos de Juan Schiaretti e os 2,5% da socialista Myriam Bregman. Também terá de batalhar o voto dos que anunciam voto nulo e torcer para que mais gente acorra às urnas em novembro. Será um segundo turno bastante apertado.
A mídia argentina tem sido majoritariamente contra Massa. Falam de sua vitória, mas insistem em destacar seus pontos fracos; assim, ajudam a candidatura de Milei. E não se poderia esperar outra coisa. Até o dia 19 de novembro, a fábrica de ideologia vai funcionar a todo vapor e Milei contará com uma juventude ativa e apaixonada que grita por mudança, sem se preocupar com o terrível passado da ditadura. Borram a história e acenam com o sonho do mundo liberal, no qual o mercado conduzirá a vida.
Se por um lado isso encanta uma parcela grande da população, há outros milhares de argentinos que ainda têm bem vivo na memória o que é estar sob as botas dos milicos e o que foi o governo de Macri, que deixou a Argentina bem mais quebrada do que quando chegou ao governo. Por isso, as propostas rocambolescas de Milei sobre privatizações e sobre não negociar com parceiros importantes do mundo internacional deixam muita gente de cabelo em pé. E aí funciona o discurso que também funcionou aqui no Brasil: para evitar um mal maior, um mal menor, que seria Massa.
Há que ver agora como vão se comportar os partidos menores, o povo da esquerda, os que não votaram no primeiro turno. Há muito voto a disputar. Serão dias quentes. O certo mesmo é que a população, em sua grande parte, quer mudanças, porque, afinal, Fernández e Cristina não cumpriram com suas promessas de construir uma Argentina melhor. E se um governo não cumpre o que prometeu, dança. O tal “mal maior”, do histriônico Milei, pode alavancar Massa, mas isso vai depender muito de como a campanha vai caminhar a partir de agora e de quais novas promessas serão feitas.
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Elaine Tavares
Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC