Correio da Cidadania

“Chile precisa renacionalizar o cobre para duplicar orçamento de saúde, moradia e educação”

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Foto: Orlando Caputo, representante do presidente Salvador Allende (1970-1973) no comitê executivo da Corporação Nacional do Cobre (Codelco). LWS.


“Em pesquisa recente, a maioria dos chilenos manifestou-se favorável à renacionalização do cobre, a mesma que os monopólios estrangeiros tanto temem. Afinal, os lucros das grandes mineradoras foram de US$ 35 bilhões somente em 2021. Com esses imensos recursos, poderíamos duplicar o orçamento da saúde, moradia e educação”.

A afirmação é do economista Orlando Caputo Leiva, representante do presidente Salvador Allende (1970-1973) no comitê executivo da Corporação Nacional do Cobre (Codelco), instituição responsável pela gestão da nacionalização das empresas Chuquicamata, El Salvador, El Teniente e Minera Andina. O especialista lembrou que a própria pesquisa seria melhor administrada pelo Estado ou pelas corporações foi feita “após uma campanha agressiva do Conselho Mineiro, da sociedade empresarial [cartéis estrangeiros], da direita e da mídia contra a nacionalização”.

Conforme Caputo, é preciso que os convencionais constituintes reflitam sobre o “salário do Chile” - como Allende qualificava o cobre – antes de votarem neste final de semana, já que estão diante de uma “definição histórica crucial e transcendental: eliminar a 'concessão plena' e restaurar a nacionalização ou apoiar a desnacionalização anticonstitucional iniciada na ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e concluída nas últimas décadas”.

“A base fundamental do neoliberalismo está na suposta ‘modernidade’ e em atacar o mundo do trabalho, suspendendo a legislação trabalhista e atacando as aposentadorias para que uma parte dos salários se transformasse em fundos de investimento das grandes empresas. A outra é a desnacionalização do cobre. Estes são três elementos centrais. Todos os que se opõem à nacionalização estão favorecendo e impulsionando o neoliberalismo e o assalto às nossas riquezas”, sublinhou.

Em Carta Aberta aos Convencionais Socialistas e à Frente Ampla, Caputo recordou a mensagem de Allende, de dezembro de 1970, ao apresentar a Reforma Constitucional ao Congresso Nacional, de que de agora em diante “a riqueza chilena pertence aos chilenos, que com base nela construirão uma nova vida e uma nova sociedade”. E Allende acrescentou: “a importância que esta nacionalização tem para a existência livre, independente e soberana do país exige que seja solenizada com a adoção de uma decisão no mais alto nível jurídico concebível, aquele em que é o próprio soberano, o povo, atuando como Poder Constituinte, que expressa sua vontade. Assim, queremos enfatizar, destacar, em nível nacional e internacional, que temos uma clara consciência do que significa a nacionalização, e se o nascimento da independência política é marcado por uma Carta Fundamental, acreditamos ser essencial que o nascimento do Chile, a independência econômica também está registrada na Constituição”.

Desta forma, Allende atribuiu um papel fundamental à Resolução 1.803 das Nações Unidas em relação à soberania permanente sobre os recursos naturais e principalmente de um mineral do qual o país detém 30% das reservas mundiais. Assim, apontou Caputo, o presidente expressou que “o direito dos povos e nações à soberania permanente sobre suas riquezas e recursos naturais deve ser exercido no interesse do desenvolvimento nacional e do bem-estar do povo do respectivo Estado. A violação dos direitos soberanos dos povos e nações sobre suas riquezas e recursos naturais é contrário ao espírito e aos princípios da cooperação internacional e da busca da paz”, disse.

Nacionalização aprovada por unanimidade

Diante desta convicção, em 11 de julho de 1971 foi aprovada, por unanimidade, a Reforma Constitucional que nacionalizou o cobre, expressando categoricamente que “O Estado tem o domínio absoluto, exclusivo, inalienável e imprescritível de todas as minas”.

Discursando ao país, citou o economista, Allende destacou: “Hoje é o dia da dignidade e da solidariedade nacional. É o dia da dignidade porque o Chile rompe com o passado; ergue-se com fé no futuro e inicia o caminho definitivo da sua independência econômica, o que significa a sua plena independência política”.

Por isso, nas palavras de Caputo, nada mais significativo do que falar à Pátria desde Rancagua, a Praça dos Heróis. “Aqui sente-se o ontem e o passado, o heroísmo de quem lutou e sacrificou a vida para nos dar sentido e conteúdo como povo. Aqui a imagem de O'Higgins está presente e aqui podemos dizer ao pai do país que somos seus herdeiros legítimos, e que foi o povo que venceu esta batalha pela independência e dignidade nacional”.

Recordando que “a ditadura de Pinochet fez tanto para destruir todo o legado de Allende”, o economista denunciou que “a desnacionalização inconstitucional só foi possível quando seu ministro José Piñera, no início da década de 1980, afirmou que o cobre se tornaria obsoleto e que o Chile deveria explorá-lo ao máximo e no menor tempo possível”. “Como o Estado era subsidiário, para incentivar as grandes mineradoras globais, José Piñera criou a ‘Concessão Plena’, que entrega os novos depósitos à propriedade privada e, em caso de nacionalização, o valor atualizado dos rendimentos futuros deveria ser pago. Com esses dois incentivos, poderia garantir que as empresas estrangeiras maximizariam a produção no menor tempo possível”.

The Washington Post comemorou a entrega

O entreguismo descarado foi comemorado de forma explícita pelo The Washington Post, principal jornal da capital norte-americana, que resumiu a opinião de uma das grandes transnacionais interessadas no cobre chileno: “É bom demais para ser verdade”.

A tentativa de resistência por parte de forças democráticas, como a de Radomiro Tomic, avaliou Caputo, estava sufocada. Tomic percorreu o país alertando que “a partir de agora não será o Estado chileno, mas sim os interesses estrangeiros, em grande parte concorrentes do Chile em todas as fases do processo de mineração e industrial do cobre, que terão poder decisório efetivo sobre produção e comercialização do cobre chileno no mercado mundial. A Codelco será encurralada. Como negar que quem controla o cobre controla o Chile? Eles apenas desnacionalizaram as maiores e melhores reservas de cobre do mundo, com base na suposição absoluta e irremediavelmente falha de que o cobre se tornaria obsoleto".

Levantamentos oficiais assinalam que o aumento da produção no Chile foi superior ao aumento das importações mundiais de todos os países do mundo. “O que foi afirmado por José Piñera foi cumprido: a produção aumentou ao máximo e no menor tempo possível. O resultado criou grandes danos ao Chile. O preço médio anual, no período 1996-2003, caiu cerca de 82 centavos de dólar por libra. Nesse período e a esse preço, foram vendidas 33 milhões de toneladas de cobre fino. Esse valor estimado a um preço médio das últimas décadas, mais que duplica o que as mineradoras estrangeiras pagaram de 1994 a 2019, que chega a 47 bilhões de dólares”, descreveu Caputo.

“Desnacionalização tem sido prejudicial”

“Em vez de grandes lucros, desnacionalização e exploração estrangeira do cobre, o resultado tem sido prejudicial ao Chile em termos econômicos diretos, à natureza, aos trabalhadores e às cidades mineiras”, revelou.

Na avaliação do economista, a superprodução e os danos ao Chile e à desnacionalização estão intimamente relacionados ao contraponto que Allende apontou em mensagem ao Congresso em dezembro de 1970: “Temos interesse em cuidar da nossa reserva e tirar o máximo proveito dela, conforme a necessidade. Eles estão interessados em retirar a maior quantidade de cobre, pelo menor preço e no menor tempo possível”.

E Caputo retoma as palavras de Allende: “O Chile precisa de preços altos para suas matérias-primas. Os preços baixos são convenientes para os monopólios reduzirem os custos de suas fábricas de processamento. É conveniente para o Chile ter mais elaboração no país, integrar a economia nacional, conseguir mais emprego, mais processos industriais, mais salários, mais tributação, mais compras no país”. Infelizmente, revela o economista, “a desnacionalização significou um retrocesso da produção de cobre refinado (99,9% de cobre), para concentrados de cobre, que possuem apenas 30% de cobre”.

Como esclareceu o presidente da nacionalização, “os monopólios não estão interessados que se industrialize no Chile, para que o país fique sem o grande valor que sua produção agrega ao preço do metal. Isso significa que a imensa atividade industrial e comercial e altos salários permanecerão na metrópole".

Com a nacionalização, reiterou Caputo, “foi proposta a máxima industrialização do cobre no Chile, e uma indústria nacional fornecendo milhares de insumos para a mineração nacional e para outros países mineradores”.

A nacionalização foi muito bem-sucedida e tem sido reconhecida, até mesmo por historiadores de direita, assevera Caputo, frisando que, “agora, a renacionalização tem ainda melhores condições de avançar, uma vez que a maioria das empresas conta com profissionais chilenos em suas principais posições operacionais, além de um grande aumento de profissionais e técnicos nas diferentes especialidades necessárias”.

“Nova era do cobre”: preços altos

“A nível da economia mundial, iniciou-se uma mudança transcendental: a substituição do petróleo como base energética para o funcionamento da economia mundial, pelo cobre e pelo lítio. Em revistas especializadas, fala-se da ‘Nova Era do Cobre’. É muito provável que o ciclo dos preços do cobre se modifique, - e se ocorrer -, será de preços altos”, celebrou Caputo.

As projeções são de que as exportações de cobre e seus subprodutos para 2022 podem ser semelhantes ao total do Orçamento do Estado chileno para todos os Ministérios. “Os lucros totais das mineradoras privadas podem ultrapassar US$ 35 bilhões, de acordo com a metodologia do Banco Mundial que apontamos em nossos trabalhos recentes. No entanto, a tributação é muito baixa porque está relacionada não às vendas, mas aos lucros, que as empresas reduzem por meio de muitos mecanismos para pagar menos impostos”, condenou. Sendo assim, exemplificou Caputo, o Conselho de Mineração reconheceu que nos últimos anos, até 2020, a tributação era de 6% das vendas e o Estado chileno recebia apenas cerca de US$ 220 por cada libra de cobre exportada.

“Reitero que estamos diante de uma oportunidade histórica: honrar Allende, renacionalizar o cobre, industrializar nossa maior riqueza e romper definitivamente com os nós da submissão ao estrangeiro”, concluiu Orlando Caputo.


Leonardo Wexell Severo é jornalista, especialista em Relações Internacionais e colaborador do Correio da Cidadania.

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