Correio da Cidadania

Paraguai: Familiares e Vítimas de Curuguaty exigem punição aos narcos

0
0
0
s2sdefault



Colocando a luta por Justiça como essencial para a reforma agrária, camponeses de Marina Kue alertam que narcotraficantes disputam apoio entre membros da comunidade para formação de uma rede criminosa (LWS).

A Associação de Familiares e Vítimas de Marina Kue, em Curuguaty, está exigindo que o governo do Paraguai aja rapidamente e puna com rigor narcotraficantes que têm atuado com total desenvoltura no local ao longo do último período. O problema tem se agravado e chegou às páginas do principal jornal do país, o ABC Color, deste domingo (13), que assinalou como uma rede de narcotráfico vem usando “ao extremo” daqueles campos como “esconderijo”.

Diante dos fatos de violência e insegurança ocorridos, o Grupo de Amigos de Marina Kue, formado por lideranças de entidades populares, movimentos sociais e personalidades, lançou um documento denunciando que “o plano de desenvolvimento sustentável implementado para converter aquelas terras em Comunidade Modelo tem sido alvo destes criminosos”.

Desde o massacre de 15 de junho de 2012, alertam, os sucessivos governos vêm dando as costas aos seus moradores, que têm resistido com abnegação à política de abandono.

Naquela data emblemática, o assassinato orquestrado de 17 pessoas – 11 camponeses e seis policiais – executado por tropas de elite treinadas pelo exército dos Estados Unidos abriu caminho para o golpe jurídico-midiático-parlamentar contra o presidente Fernando Lugo. A partir de então a situação tem sido bastante dura para a coletividade rural, praticamente abandonada a quatro horas da capital, Assunção. Diante disso, o papel da solidariedade tem sido determinante.

Sem acesso ao conjunto das terras

Apesar de ter sido aprovado por deputados e senadores no final de 2020, o Projeto de Lei (PL) que transfere 1.748 hectares de Marina Kue ao Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural e da Terra (Indert) foi vetado pelo presidente Mario Abdo Benítez, parceiro de Jair Bolsonaro e dos latifundiários estrangeiros que infestam o Paraguai. O PL possibilita que as cerca de 160 famílias de camponeses que reivindicam as terras que foram cenário da carnificina sejam beneficiadas com a reforma agrária, tendo acesso a serviços básicos. Mesmo após se referir à aprovação do reconhecimento de Marina Kue como uma “medida de justiça”, logo depois Mario Abdo voltou atrás e vetou a redistribuição.

Enquanto isso, o rico solo paraguaio, que produz alimentos para mais de 70 milhões de pessoas, tem parcela expressiva de seus 7,3 milhões de habitantes passando fome. Outra parte paga preços cada vez mais exorbitantes – turbinados pela pandemia – por produtos que servem tão somente para enriquecer e engordar uma minúscula casta local e estrangeira.

“O que se está buscando é uma convivência harmônica com a natureza e entre seus habitantes”, esclarece o Grupo de Amigos, ressaltando que “são várias as experiências exitosas para a comunidade. “Conquistamos a escola comunitária, a casa Pastoral comunitária Betania, hortas orgânicas, o Memorial e agora a construção de uma quadra de esportes. A tudo isso se somou recentemente a inauguração da biblioteca Arandu Rape, também comunitária. O prédio conta com energia gerada por painéis solares e, em alguns casos, com geradores manejados de forma sustentável”, acrescentam.

Um dos principais incentivadores da ação coletiva, o monsenhor Mario Melanio Medina faz questão de exaltar “o ânimo e a coragem dos que não se dobram na luta pela vida e buscam dar à felicidade a dimensão da eternidade”. O resultado, comemora, se vê na fartura e na qualidade de produtos como abóbora, alface, banana, cebola, cebolinha, mamão, melancia, milho, pimentão e salsinha. Daí, a responsabilidade de todos e de cada um com este grande projeto, avalia.

Entre outros nomes de referência na sociedade integram o Grupo a irmã Raquel Peralta, presidente da Conferência de Religiosos do Paraguai (Conferpar); Oliver Narvaes, advogado do Comitê de Igrejas; o cantautor Ricardo Flecha Hermosa e o líder oposicionista Ricardo Canese.

Dirigente da Associação de Familiares e Vítimas do Massacre de Curuguaty, Martina Paredes perdeu dois irmãos no massacre – Fermín e Luis Agustin -, tornando-se ao lado de Dario Asunción Acosta, símbolo de resistência dos acampados à fúria dos sucessivos desgovernos neoliberais. Como se não bastasse a agressividade e o descaso, agora durante o confinamento causado pela pandemia, estão tendo que enfrentar um inimigo interno que, ao sabotar a comunidade, faz jogo sujo para vê-la dividida e enfraquecida.


Próximas à comunidade foram encontradas plantações de maconha, que voltaram a ser tema do jornal ABC Color. Reprodução ABC Tricolor.

Marionetes do narcotráfico

Segundo denunciaram vários moradores, alguns membros da comunidade foram cooptados para atividades ilícitas tentando se “aproveitar da organização existente, da localização estratégica e da infraestrutura desenvolvida. Qual o propósito por trás de tudo isso? Há sérios indícios da presença de produtores de maconha que podem contaminar tudo”.

Além disso, alerta o Grupo de Amigos, “lamentamos que quem tem a obrigação de cuidar do ecossistema faça vista grossa à produção e venda de carvão vegetal e ao corte indiscriminado de árvores, com curiosa impunidade. Há provas suficientes sobre este ponto”.

Diante de tantos e tão reincidentes crimes, esclarece o manifesto, “Marina Kue está agindo coletivamente para conviver pacificamente e se afirmar como comunidade modelo na gestão de áreas verdes”. Para isso, ressaltam, os moradores contam com o apoio técnico de inúmeras entidades populares e organizações não-governamentais (ONGs) reconhecidas pela sociedade paraguaia.

Referência na luta pelos direitos humanos e presença constante desde o começo da luta desta comunidade agrícola e pela luta pela libertação de seus líderes, Guillermina Kanonnikoff aponta para a necessidade de que seja restabelecido o Estado de Direito na localidade, conforme está garantido na Constituição, “para todos os habitantes da República”. Segundo Guillermina, “ao adotarem práticas de intimidação e perseguição a famílias que vivem em uma comunidade, se chegou a extremos que exigem a ação rápida do Estado”.

A situação é de tal gravidade, adverte o Grupo de Amigos de Familiares e Vítimas, que chega ao ponto da escola se encontrar ocupada por marginais e as crianças sem poder estudar, do depósito de ferramentas da comunidade ter sido tomado, enquanto o governo nada faz para restituir a ordem.

“As ações de violência e intimidação que promove um grupo e a situação de insegurança em que vive a comunidade perseguida pelo narcotráfico chegaram a extremos preocupantes. Neste momento a escola se encontra tomada por um grupo que recusa qualquer diálogo pacífico e as crianças não podem receber aulas. Quanto às coisas materiais, a loja de ferramentas da comunidade foi derrubada com muita violência, fazendo com que as crianças chorassem tentando defender e levantar o que sabiam ter custado muito trabalho aos pais. Eles fizeram o mesmo com o letreiro da biblioteca. A casa da Pastoral Betania foi violada e os pertences jogados fora, sendo abrigados usurpadores nela. Assim, as crianças se encontram violadas em todos os seus direitos”, condena o manifesto.

“Os grupos que são parte do crime organizado devem ser identificados e punidos, a fim de que se possa seguir apoiando aqueles que trabalham a todo o momento para a comunidade, buscando a paz social em benefício de todos”, conclui.


Leonardo Wexell Severo é jornalista e colaborador do Correio da Cidadania.

0
0
0
s2sdefault