Correio da Cidadania

Chile: a Constituinte de joelhos

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Foto: Protestos em 22 de outubro de 2019. Créditos: Carlos Figueroa / WikiCommons

A declaração dos estados de exceção no Chile e no Equador é a melhor amostra do fracasso das mal chamadas democracias. No Equador acontece logo após os Pandora Papers revelarem que o presidente Guillermo Lasso tem contas ocultas em paraísos fiscais e blinda os militares e policiais de qualquer juízo por seus atos.

No Chile, o presidente Sebastián Piñera envia soldados, tanques e helicópteros de guerra a território mapuche, para frear a recuperação de terras do movimento. E o fato ocorre enquanto a Convenção Constituinte realiza sessões para redigir um texto que supere a carta herdada do regime de Pinochet.

O fim da picada é ver que a maioria de esquerda da Constituinte, os movimentos sociais que a integram e o setor dos povos originários que decidiu participar, apenas têm feito declarações sem tomar nenhuma medida enérgica contra a declaração do estado de exceção.

Meses atrás eu disse que a Constituinte seria a tumba dos movimentos (*1). Estava equivocado. Na realidade, a luta popular está mostrando os limites do processo iniciado em dezembro de 2019 para desviar as ruas na direção das instituições.

Em 12 de outubro, a Comunidade Autônoma de Temucuicui difundiu um comunicado em que descreve e nomeia a realidade em termos mais claros. “É a demonstração objetiva do fracasso da Convenção Constitucional e os assentos reservados, onde a luta histórica do povo mapuche foi relativizada e reduzida a uma abstração de ‘povos’; agora em plena discussão sobre a proclamação do Estado plurinacional foi declarada oficialmente a militarização e a continuação do genocídio do qual o povo mapuche tem sido vítima de maneira histórica (*2).

Em um comunicado de 16 de outubro, a Coordenadoria Arauco Malleco afirma sua linha histórica de “recuperações de terras com base no controle territorial e a transformação desses lugares, recuperando espaços vitais para a vida mapuche (*3).

O texto, assinado por dezenas de comunidades, agrega que “o inimigo é o grande capital extrativista inserido nos nossos territórios e não as igrejas ou o campesinato comum”, e considera que “a militarização imposta por esse governo fascista responde ao avanço substantivo do processo de recuperação político-territorial”.

Nos dois casos a declaração do estado de exceção pretende frear as retomadas de terras que vêm se multiplicando nos últimos dois anos. De fato, nos primeiros meses de 2021 foram ocupadas cinco vezes mais terras que no ano anterior e a mobilização do povo mapuche se intensifica desde então.

Desse contexto de deriva do Estado do Chile, da paralisia Constituinte e da persistência das comunidades autônomas, podemos tirar algumas conclusões.

A primeira é que o governo de Sebastián Piñera e o Estado não encontram mais recursos além de repetir e aprofundar a militarização para resolver um conflito histórico. A médio e longo prazo não conseguirão seus objetivos, como vem acontecendo cada vez que reprimem. Acontece o contrário, o povo-nação mapuche vem ganhando cada vez mais solidariedade e apoio a cada episódio de repressão.

A segunda conclusão consiste no fracasso da Convenção Constituinte. Por um lado, está sendo paralisada pela direita e extrema-direita – que buscam seu fracasso. Mas, por outro lado, e sobretudo pela debilidade dos constituintes que respondem à esquerda e aos movimentos sociais, que não atinam a tomar medidas drásticas, nem ao menos tão radicais como a decisão do governo de enviar o exército a território mapuche.

Piñera seguiu a onda dos caminhoneiros que paralisaram a circulação no sul do país exigindo medidas diante do avanço da sabotagem mapuche ao transporte. Trata-se de um grêmio ultradireitista, que vive do arrendamento de terras para o modelo extrativo de grandes plantações de pinos para a exportação.

Mas o fracasso da Convenção Constituinte é, também, a derrota da grande manobra para conduzir a luta das ruas nas rédeas das instituições. Empenho no qual se destacou Gabriel Boric, candidato da esquerda à presidência nas próximas eleições de novembro. A rigor Boric traiu a luta de milhões de pessoas contra o modelo pinochetista já que assinou o Acordo pela Paz Social e pela Nova Constituição sem consultar sequer o seu próprio partido.

A terceira conclusão é a fundamental: como demonstra a ampla mobilização de 18 de outubro, no segundo aniversário da revolta social, amplos setores da juventude chilena estão retomando o caminho das ruas para expressar seu rechaço ao neoliberalismo militarista chileno. Houve dois mortos, mas Boric “condenou nitidamente o vandalismo, os saques e os enfrentamentos (*4)”.

É evidente que se chegar à presidência continuará com o extrativismo, seguirá militarizando o território mapuche e reprimirá com a mesma dureza aqueles que continuem nas ruas.


Notas:

*0: Artigo foi publicado em espanhol no diário La Jornada em 22 de outubro de 2021.

*1: Chile: la convención constitucional puede ser la tumba de la revuelta

*2: Comunidad autónoma de Temucuicui ante declaración de “estado de emergencia” en el Wallmapu

*3: FutaTrawün COI COI: «Reafirmamos nuestra lucha por la reconstrucción de la nación Mapuche»

*4: Gabriel Boric tras jornada de protestas este 18-O: “La violencia y destrucción no es ni será nuestro camino”

Raul Zibechi é jornalista e analista político uruguaio.
Traduzido por Raphael Sanz, para o Correio da Cidadania.

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