Correio da Cidadania

O que está em jogo?

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A sanha dos setores aglutinados no PDMC contra a Previdência dá-se na razão direta de sua cobiça pelos recursos dela. Para entender a quem interessa a propagação da falsa imagem de um sistema de Seguridade Social inviável, basta ver a lista das entidades que pagaram Cechin e Giambiagi pela elaboração do projeto apresentado ao governo: Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM & F), Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização (Fenaseg), Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto (Andima), Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Privada (Abrapp), Associação Nacional da Previdência Privada (Anapp) e Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (Ibmec).

 

O sistema previdenciário brasileiro é estruturado no regime de repartição, o que significa que, ao descontar para o INSS, o trabalhador ativo paga as aposentadorias da geração anterior, a de seus pais – com a expectativa de que seus filhos façam o mesmo por ele amanhã. O setor financeiro quer substuir este sistema pelo de capitalização, no qual o trabalhador entrega seu dinheiro a um banco para que esta disponha dele como quiser em troca da promessa de devolvê-lo sob a forma de aposentadoria décadas depois. Quer, em outras palavras, financiar-se com o dinheiro dos trabalhadores, obrigando-os a contribuir para fundos de capitalização.

 

Trabalhadores x rentistas

 

O outro pilar da Previdência Social é a vinculação de suas receitas – isto é, o dinheiro das contribuições destinadas a ela não pode ser usado para nenhum outro fim. Esta diretriz é reforçada pela separação entre o orçamento da Seguridade Social (Previdência, Assistência e Saúde) e os demais gastos do governo – uma das maiores vitórias das forças democráticas na Assembléia Constituinte de 1987-88.

 

Na prática, o desvio continua através da DRU e outros mecanismos, mas sofre limitações.

 

Primeiro, a Constituição obriga o Tesouro Nacional a cobrir qualquer insuficiência da arrecadação do INSS – o que significa que o Estado, mesmo deixando de contabilizar adequadamente as receitas da Previdência e mesmo desviando parcela significativa delas, tem que devolver pelo menos uma parte do que desvia (é por isso que o governo e o lobby financeiro dizem que o INSS consome recursos do tesouro, quando o que ocorre é o contrário).

 

Segundo, os benefícios previdenciários não podem ser menores que o salário mínimo – ou seja, o governo pode aplicar reajustes irrisórios a este e ainda menores aos proventos até reduzí-los quase todos ao piso, mas não pode tirar da Previdência mais do que o necessário para cobrir o pagamento de aposentadorias e pensões vinculadas a ele.

 

O interesse do setor financeiro no fim da vinculação de receitas e no desatrelamento entre salário mínimo e aposentadoria mínima é permitir a livre manipulação da totalidade do orçamento federal – o que acabaria com os limites ao desvio de recursos da Seguridade para pagar juros. Isto tem como preço o comprometimento da sobrevivência de milhões de trabalhadores idosos e doentes, que teriam sua fonte de renda subtraída.

 

A conta do PAC

 

O setor financeiro não é o único interessado na destruição da Previdência pública. Entidades da burguesia burocrática, como a Fiesp e as confederações nacionais da Indústria, Transportes e Comércio, também integram o PDMC e o lobby pela “reforma”.

 

Para financiar a universalização da Previdência, a Constituição taxou os ganhos das empresas por meio da Cofins e da CSLL. Sufocado por um conjunto de fatores adversos – juros altíssimos, câmbio desfavorável, contenção do consumo – que não podem ser questionados sem o rompimento do quadro de predomínio do setor financeiro, o patronato busca compensar suas perdas transferindo-as aos trabalhadores. Assim, em vez de ir contra as taxas de juros cobradas pelos bancos, opta por aliar-se a eles para acabar com as contribuições à Seguridade Social.

 

Além disso, setores que sempre viveram de parasitar o Estado – por exemplo, as empreiteiras – anseiam por uma retomada parcial de sua capacidade de investimento após a constrição produzida nos anos FHC e institucionalizada na Lei Complementar 101, a mal chamada Lei de Responsabilidade Fiscal. A maneira de atendê-los sem tocar no quinhão dos rentistas é compensar a ampliação do gasto estatal em infra-estrutura com restrições na Previdência – daí sua oposição à vinculação das receitas. É este o espírito do PAC.

 

Isto fica particularmente claro no projeto da LDO 2008. Em seus Anexo III, o Ministério do Planejamento diz que “o aumento do investimento público será feito sem prejuízo da responsabilidade fiscal” e define como prioritárias “as reformas (...) que visam estimular a poupança privada” - um dos argumentos do lobby financeiro em favor do regime de capitalização.

 

 

Henrique Júdice Magalhães é jornalista, ex-servidor do INSS e pesquisador independente em Seguridade Social.

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