Correio da Cidadania

A verdade sobre o Regime Geral da Previdência, o INSS

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Qual seria, em um primeiro momento, a reação mais comum dos leigos mediante as análises contábeis que, com grande penetração na enorme maioria da grande imprensa, demonstram a existência de um déficit no INSS cujo valor andaria também por volta de 40 bilhões de reais anuais?

Sem dados à mão e sem informações alternativas, muito provavelmente esse leigo não terá como se contrapor ou como reagir ao senso comum que, em uma situação dessas, imediatamente recomenda o corte de despesas. É assim que, de modo muito discreto e sorrateiro, vem sendo estudada e até mesmo proposta por membros do governo uma série de novos projetos tais como: desvinculação do piso das aposentadorias e dos benefícios assistenciais do salário mínimo; estabelecimento de idade mínima para as aposentadorias por tempo de contribuição, ao lado da elevação desse mínimo de idade, para homens e mulheres, igualando-os; mudanças nas regras para concessão de auxílio doença e pensão por morte, de forma a diminuir seus valores; mudança nas regras de aposentadoria para professores e trabalhadores rurais; e, até mesmo, a desconstitucionalização dos capítulos referentes à Seguridade.

Quanto às pensões por morte, por exemplo, foi o próprio ministro da Previdência que veio a jornais de grande circulação declarar que nem todas as viúvas mereceriam as pensões que recebem, algumas vezes fazendo jus apenas a uma indenização!

Mas alguns esclarecimentos básicos relativos: A) – à Constituição da República e à Seguridade Social; B) - ao alegado déficit; e C) -  aos novos argumentos focados nas despesas correntes; e D) ao crescimento do contingente mais velho da população relativamente à população total podem desfazer uma série de mitos, quando não equívocos.

A) A Constituição da República e a Seguridade Social - Para clarificar a situação real das contas previdenciárias, é bom que se tome como parâmetro, em primeiro lugar, a própria Constituição da República – discussão, aliás, que já foi feita intensamente por estudiosos do ramo.  A Previdência, juntamente com a saúde e a assistência social, está compreendida no conceito de Seguridade Social, que possui uma diversidade de bases para financiamento, conforme já acima mencionado. Segundo determinado pelo artigo 195 de nossa Constituição, a Seguridade Social deve ser financiada por recursos orçamentários, além de contribuições sociais incidentes sobre a folha de pagamentos, sobre a receita e sobre o lucro das empresas. Não pode, portanto, haver déficit financeiro em torno a algo que constitui uma obrigação constitucional do Estado brasileiro.

Ao se examinar, assim, o orçamento da Seguridade Social, observando-se o comportamento de todas as suas receitas constitucionais, e mesmo se levando em conta os efeitos da chamada DRU – Desvinculação das Receitas da União, Emenda Constitucional que autoriza o Poder Executivo a desvincular 20% das receitas, entre outras, do orçamento da Seguridade Social, com o objetivo precípuo de cobrir gastos com juros da dívida pública, os quais, somente em 2006, perfizeram a vultosa soma 160 bilhões de reais –, nota-se que os recursos têm sido suficientes, ao longo de vários exercícios contábeis, para o financiamento das atribuições do Estado com a Seguridade Social brasileira. Em 2002, por exemplo, o orçamento da Seguridade foi superavitário em 32 bilhões de reais, dinheiro que foi apropriado pelo Tesouro Nacional.

Tudo isso sem pensar na Dívida Ativa da Previdência, qual seja, o débito que o contribuinte, entre pessoas jurídicas e físicas, tem a saldar com a Previdência, que gira hoje ao redor de 150 bilhões de reais. Uma atitude menos permissiva com alguns dos grandes devedores, em sua maioria poderosas empresas, poderia solucionar boa parte do “rombo” alegado .

B) - Existe realmente um déficit no INSS? - O déficit vem sendo, ao longo tempo, a maior justificativa para a reforma. Ocorre que, segundo ressaltado pelo economista da Unicamp Eduardo Fagnani em entrevista ao Correio, o Ministério da Previdência procedeu a uma elucidação desse problema e mostrou claramente que não existe o desequilíbrio alegado.

Nesse sentido, o citado desequilíbrio de 40 bilhões de reais anuais resulta em parte de isenções fiscais concedidas pelo governo e, em grande medida - cerca de 18 a 20 bilhões -, da Previdência rural e dos benefícios do Loas, os Benefícios de Prestação Continuada, que dão acesso universal às famílias muito pobres, que têm um quarto de salário mínimo de renda per capita. Trata-se, então, de benefícios não contributivos, garantidos pela Constituição

O resultado negativo que poderia, desse modo, ser atribuído à diferença entre a contribuição dos trabalhadores vis-à-vis as pensões recebidas não ultrapassa a soma de cerca de 2 a 3 bilhões de reais.

Ficou claro, portanto, em primeiro lugar, que o desequilíbrio real é infinitamente menor que o mencionado; e, em segundo lugar, assim como no enfoque relativo à Seguridade Social, que não se pode falar em déficit da Previdência Social à luz da Constituição da República.

Segundo Fagnani, “nem se pode dizer que o Brasil inova nisso. A Constituição de 1988 segue o padrão tradicional de todo lugar do mundo, como, por exemplo, o dos países da OCDE. Nos países da OCDE, as fontes de financiamento da Previdência são compostas em um terço pela contribuição do trabalhador; em outro terço, pela contribuição das empresas; e, em outro terço, por recursos fiscais. O Brasil, com o Orçamento da Seguridade Social, segue, em linhas gerais, esse padrão. Portanto, quando as contribuições do empregado e do empregador não são suficientes para cobrir as despesas, e o resultado é apresentado como déficit, incorre-se em erro absoluto, pois está sendo desconsiderada a parcela que cabe ao governo bancar no sistema tripartite com os recursos fiscais”.

C) - As despesas correntes, a nova justificativa da ortodoxia – Em função de tantas constatações no que se refere ao déficit no INSS, os arautos da ortodoxia fiscal têm se focado agora, como justificativa para a reforma da Previdência,  nas despesas correntes. Alegam que estas têm crescido muito rapidamente, como fruto de um populismo irresponsável, implicando em forte aumento dos gastos públicos.

“Populismo” é aqui, na verdade, uma palavra usada para simplificar, ou melhor, falsear, uma discussão relativa ao longo percurso da estruturação de nossos direitos sociais. Fagnani faz, quanto a esse ponto, importante alerta: “Na verdade, o que está por trás do crescimento dos gastos sociais, entre eles a Previdência, é que a Constituição de 88, embora tenha sido aprovada em 88, entrou em vigor em 1993/1994, porque o governo Collor represou benefícios. Se avaliarmos, nesse sentido, a evolução dos gastos sociais de 1993/1994 até agora, haverá efeito de dois fatores: primeiro, uma incorporação brutal dos novos direitos da Constituição federal; segundo, mais recentemente, o aumento do salário mínimo, que praticamente dobrou em termos reais entre 1995 e 2006, e ainda assim não recuperou o valor que tinha em meados dos anos 80”.

Os direitos que passaram a vigorar a partir de 1993/94 englobam, além do setor rural, alguns outros benefícios estabelecidos pela Constituição de 88: o estabelecimento de um piso, a partir do qual  nenhum benefício poderia ser inferior a um salário mínimo; a equiparação entre os setores rural e urbano; a criação do Benefício de Prestação Continuada, o Loas; e mais o Seguro Desemprego.

Para se ter uma noção do número de beneficiários da Previdência, ao se agregarem  o INSS urbano, mais o INSS rural, mais o Loas, chega-se a um universo de 15 milhões de pessoas recebendo o INSS urbano, que é contributivo; 7 milhões, o rural, não contributivo; e mais 3 milhões, o Loas, também não contributivo. Ou seja, existe um universo de 25 milhões de pessoas que recebem pelo menos um salário mínimo, sendo que 70% destes benefícios equivalem ao piso.

D) – O Crescimento do contingente populacional mais velho - Para satisfazer um pouco a voracidade dos leigos, ou mesmo especialistas, que sempre podem pinçar um pequeno pedaço da realidade e nele se focar para justificar medidas mais drásticas, é prudente que não se esqueça da evolução da sustentabilidade do INSS tomado como um sistema isolado, e tendo em vista o crescimento do contingente da população mais velha sobre a população total.

“As pessoas estão vivendo mais, sem dúvida, mas nós somente vamos ter o percentual de pessoas mais velhas, que possui a Europa e a OCDE, sobre a população total em 2050. A expectativa de vida no Brasil hoje está em torno de 70 anos; somente em 2050, nós vamos atingir uma expectativa de vida de 80/82 anos, que é a expectativa do Japão, por exemplo. Que vai haver um problema, vai, que certamente deverá ser enfrentado; mas é um problema de médio e longo prazo, para  2040 ou 2050. Não é imediato”, adverte Fagnani.

Esclarecimentos feitos pelo Conselho Regional de Economia do Rio, baseados no IBGE, alertam também para que a estrutura etária da população brasileira é inteiramente distinta daquela observada em países que hoje enfrentam preocupações com a baixa taxa de natalidade e com o envelhecimento de suas populações.

E os  dados do IBGE estão aí para confirmar que o envelhecimento da população é realmente um problema para mais longo prazo. O segmento da população com mais de 65 anos,  correspondendo hoje a aproximadamente 6,5% da população total, tenderá a representar 18,5% do conjunto da população brasileira somente em 2050. Quanto aos brasileiros em idade ativa, aqueles que contribuem para a sustentabilidade do sistema previdenciário, tenderão a aumentar sua participação no total da população de 66%, atualmente, para 67,5% em 2025. Somente então começarão a diminuir seu peso relativo, até que correspondam a 64% da população em 2050.

 

 

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