Correio da Cidadania

A cláusula de exclusão é antidemocrática

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O pensamento conservador no Brasil, fora das vezes em que se ancorou na repressão pura das ditaduras, sempre esteve empenhado na construção de “engenharias” institucionais restritivas e autoritárias. Faz sentido. País enorme, eleitorado numeroso, profundas desigualdades sociais e regionais, entre outros, são elementos que transformam a competição eleitoral e a livre manifestação do voto popular em risco permanente para a reprodução do domínio conservador. Para uma realidade social tão heterogênea, a tradição oligárquica recomenda restrições ao livre jogo da política.

 

A investida atual, no bojo do projeto liberal-conservador de reforma política, não foge à regra. Para conjurar os riscos de uma presença turbulenta do povo na competição eleitoral, os partidos da ordem dominante querem reduzir o poder real do voto eleitor, sufocando a representatividade proporcional no distrito majoritário; sacrificar o caráter universal do sufrágio com a teoria da “representação mínima” do voto facultativo; e eliminar a presença incômoda dos partidos de contestação sistêmica.

 

Este último objetivo se alcança com a adoção daquilo que os conservadores chamam, dourando a pílula, de “cláusula de desempenho”.  Na realidade, nem mesmo a expressão “cláusula de barreira” expressa com exatidão o conteúdo da proposta. Tal qual está nos bons tratados de teoria política, o nome exato para o artifício é “cláusula de exclusão”.  Esse é o sentido exato do conceito: excluir da competição eleitoral e, por via de conseqüência, da representação política institucional uma parcela dos grupamentos partidários que delas participam.

 

Alegam, os defensores da proposta, que existe uma demasia de partidos, muitos partidos de aluguel e um quadro de fragmentação partidária que prejudicaria a “governabilidade”.  Mesmo ancorados em verdades relativas, são argumentos que não se sustentam. Basta submetê-los ao crivo de uma análise circunstanciada do quadro político brasileiro para se perceber que os problemas apontados não estão, exatamente, ali onde o dedo aponta.

 

O sistema de voto proporcional sempre se faz acompanhar, em todos os lugares onde é adotado, de uma pluralidade de partidos. Esse fato não constitui, em si mesmo, qualquer problema para a boa governabilidade. Pesquisas quantitativas que acompanharam em largo período as votações no parlamento brasileiro mostram que o número de partidos efetivos, aqueles que realmente contam no processo de deliberação legislativa, é relativamente pequeno. É aí, neste universo, e não na proliferação de partidos, que mora a questão da governabilidade torta.

 

Os partidos de aluguel existem efetivamente, mas não se limitam ao universo das pequenas agremiações.  Aliás, por ocasião da escaramuça recente, quando a justiça eleitoral sustou a aplicação das restrições da “cláusula de exclusão”, o respeitado cientista político Renato Lessa fez uma declaração espantosa, mas, infelizmente, verdadeira. Ele disse, em outras palavras, que o maior partido de aluguel em ação no Brasil é o PMDB. É o maior partido, o que tem mais prefeitos e vereadores, deputados estaduais e governadores, deputados federais e senadores, vai desalojar o PT do cerne do governo Lula e não tem projeto nacional, nem apoiou oficialmente qualquer candidato a presidente na última eleição. Uma bizarria institucional sem tamanho.

 

O mesmo raciocínio se aplica à questão da fragmentação partidária. A sua matriz se espalha a partir dos maiores partidos. E o mesmo PMDB pode ser usado como exemplo lapidar. Pelo menos desde a Constituinte, lembrai-vos do “Centrão”, ele é conhecido como uma federação de oligarquias regionais. Mas não está só, fez escola: o PT se peemedebiza; no PSDB, os governadores batem cabeça; e o PFL mudou até de nome. Neste quadro, atribuir aos pequenos partidos a responsabilidade pela fragmentação partidária é de um ridículo soberbo.

 

Em geral, nas democracias dignas deste nome, a única “cláusula de exclusão” aceitável é o quociente eleitoral. Como está proposta na proposta atual, sem dúvida, não passa de um artifício autoritário: sacrifica o direito das minorias se transformarem em maioria, reduz a política ao jogo intra-oligárquico e pode desmoralizar a democracia.

 

 

Léo Lince é sociólogo.

 

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