Correio da Cidadania

O "misto alemão", não!

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Já foi assim nas primeiras estocadas e, a julgar por declarações recentes de tucanos emplumados, se prenuncia a retomada da ofensiva a partir do mesmo foco. A proposta liberal-conservadora de reforma eleitoral, na tentativa de suprimir o sistema proporcional, aposta suas fichas no chamado “misto alemão”. Ela se apresenta como forma de superar as distorções que (de fato) existem e são apresentadas como inerentes (o que é falso) ao sistema de representação proporcional.

No fundo, o objetivo é construir uma engenharia política que sacrifica a representação em favor da governabilidade, mantida na bitola estreita da reprodução do sistema dominante. A essência do sistema misto alemão é distritalista-majoritário, opinião compartilhada por inúmeros especialistas brasileiros e estrangeiros. Nele, o eleitor tem dois votos e, formalmente, a distribuição das cadeiras no parlamento é feita a partir do chamado “segundo voto” na lista partidária, o que em tese garantiria o princípio proporcional. Mas isso se dá quando a proporção já se realizou, na prática, a partir de clivagens locais do chamado “primeiro voto” no distrito uninominal. Ou seja, o segundo voto, proporcional, é sobredeterminado pelo primeiro, distrital majoritário.

O resultado deste sistema, em termos de concentração partidária, é em tudo semelhante ao do sistema majoritário puro. Basta ver a concentração crescente e acelerada ocorrida na Alemanha desde que foi implantado: em 1949, 15 partidos competiram e 11 obtiveram representação; em 1953, 17 e 6; em 1957, 14 e 4; a partir de 1961, o sistema se cristalizou naquilo que os especialistas chamam de “dois partidos e meio”. Na realidade, só a Democracia Cristã e a Social Democracia competem com chances reais de formar governo. Os Verdes e os Liberais cumprem apenas a função subalterna de “flexibilizar” eventuais alternâncias de governo entre os dois grandes. Uma lógica, como se vê, muito próxima do bipartidarismo que tipifica o sistema distrital puro.

Isto acontece porque toda a ambiência da campanha eleitoral é determinada pela disputa majoritária no distrito uninominal. O chamado “segundo voto” define a proporção das cadeiras conquistadas, mas é o chamado “primeiro voto” que as ocupa prioritariamente. Os eleitos pelo sufrágio distrital-majoritário têm cadeira garantida. Os da lista, que não disputarem simultaneamente candidatura distrital, ficam com as vagas que sobraram. Se sobrarem. No caso de o partido eleger mais deputados nos distritos do que o número de cadeiras que o voto de lista lhe assegura (aconteceu mais de uma vez na Alemanha), fica estabelecido o chamado “prêmio de maioria”, mandatos excedentes que fazem aumentar o número total das cadeiras no parlamento. Sem dúvida, a prova provada da primazia do voto majoritário neste modelo.

É por estas e outras que tal modelo, chamado por seus defensores de “proporcional personalizado”, é definido por José Giusti Tavares, em seu livro “Sistemas Eleitorais nas Democracias Contemporâneas”, como “majoritário disfarçado”. Ainda não se sabe, no quadro da confusão que nos domina, qual a feição e a força da retomada da proposta conservadora. Além das dificuldades “técnicas” (até deputado conservador de quatro costados, antes de votar, vai querer saber por onde passa a “redistritalização”), existem defensores qualificados do voto proporcional na sociedade e nas instituições. O PT de antigamente, por exemplo, estava entre eles. É bom botar as barbas de molho e retomar a bandeira: o “misto alemão”, não!

 

 

Léo Lince é sociólogo.

 

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