Correio da Cidadania

Fundos de pensão no capitalismo brasileiro: réquiem da privatização dos aeroportos

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Os fundos de pensão voltam à cena em 2012. Depois de uma atabalhoada PL 1.992/2007 que visa à implementação urgente do regime de previdência complementar dos servidores públicos, denominada de Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (FUNPRESP), os três maiores fundos de pensão do país - que já têm no seu portfólio de investimentos a concessão do Metrô do Rio de Janeiro, da Linha Amarela também no Rio, a rodovia Raposo Tavares em São Paulo e o Arco Rodoviário em Camaçari na Bahia - se uniram novamente para ganhar a privatização do aeroporto de Guarulhos, o maior do país.

 

Realizado na manhã de 6 de fevereiro de 2012, na sede da BM&F Bovespa, em São Paulo, o leilão nos fez relembrar as grandes privatizações da década de 1990, quando os fundos também tiveram um papel crucial sob fortes protestos sociais. Por mais que estivessem concorrendo na compra enormes empresas de infra-estrutura brasileira e da construção civil, como Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa, os fundos de pensão foram a bola da vez. O consórcio Invepar-Acsa, formado pelos fundos Previ, Funcef e Petros e pela operadora sul-africana OAS, abocanhou o aeroporto de Guarulhos com uma oferta de R$ 16,21 bilhões e ágio de 373,5%, cerca de R$3,3 bilhões mais alto que o segundo melhor lance. O BNDES financia 80% desse investimento. A nova empresa que irá operar o aeroporto terá 49% de capital da Infraero e 51% da Invepar-Acsa – assim, a estatal e os fundos de pensão terão 63% das ações da companhia. Logo após serem anunciados os vencedores dos leiloes dos aeroportos, iniciaram-se as especulações sobre a segunda rodada de privatizações de grandes terminais, como o Galeão (RJ), Confins (MG), Congonhas (SP), além dos aeroportos internacionais de Recife e Manaus.

 

Uma importante conclusão desta retomada das “privatizações” no governo Dilma deve ser encarada a partir do papel dos fundos de pensão na estratégia de desenvolvimento do capitalismo recente no Brasil. Na verdade, com a mundialização financeira, desde meados da década de 1960, em conjunto com uma série de medidas – como a desregulamentação monetária, a expansão do mercado de câmbio, a abertura do mercado de títulos da dívida e a desintermediação bancária –, abriram-se as portas para que importantes instituições financeiras não-bancárias, como os fundos de pensão, ganhassem progressivamente maior relevância no cenário econômico e financeiro.

 

Sem dúvida, um dos traços mais importantes do desenvolvimento recente dos mercados financeiros é a emergência dos Investidores Institucionais – fundos de pensão, seguradoras e fundos mútuos –, que passaram a concentrar poupança e as aplicações financeiras, superando os bancos como principais detentores de liquidez. Este processo de expansão dos investidores institucionais pode ser explicado, em parte, pelo envelhecimento da população, pelos incentivos fiscais concedidos aos planos privados de previdência complementar num contexto de crise do Welfare State, pela liberalização financeira e a escala da concentração bancária, que impulsionaram a ascensão de novas formas financeiras não-bancárias.

 

Estas instituições, originárias da economia norte-americana e britânica, figuram progressivamente entre as instituições mais decisivas do quadro das finanças mundializadas. Entre as décadas de 1990 e 2000, por exemplo, os investidores institucionais obtiveram um enorme crescimento. Em 1990, o trio formado por fundos mútuos, fundos de pensão e companhias de seguro gerenciavam, no conjunto das economias avançadas, cerca de 11 trilhões de dólares. Em 2005, este total passaria a 53 trilhões de dólares, em um crescimento de 381,8%. Em 2001, a proporção do patrimônio dos fundos de pensão em relação ao PIB chegou a 113% na Holanda, 71% nos EUA e 65% no Reino Unido. Mas os fundos de pensão ganharam destaque não só nas economias desenvolvidas, como também nos países periféricos. No Brasil, os ativos desses agentes cresceram vertiginosamente ao longo da década de 1990, atingindo R$ 239,7 bilhões em 2003, com um crescimento de 221% de 1996 a 2003. A evolução dos ativos dos fundos de pensão em proporção ao PIB chegou a 17,2% em 2007 ante 8,9% em 1996 – podendo chegar, segundo analistas, a 50% do PIB em 2020 e poucos.

 

Lembremos que a vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2002 significou a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) e de sua principal base social e sindical, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a ocupar posições estratégicas nos fundos de pensão e conselhos de administração das empresas estatais, além de outros órgãos de gestão direta do capital financeiro como o FAT e o FGTS. A ascensão de ex-sindicalistas a gestores de fundos de pensão no Brasil não representa apenas um novo gerenciamento da poupança acumulada, mas uma transformação de longo alcance no capitalismo brasileiro, que acompanha a reestruturação das finanças mundiais, as novas formas de expansão do capital e suas relações com as forças de trabalho e o Estado.

 

A importância desta “nova elite” só pode ser encarada pelo papel que os gestores dos fundos de pensão passam a exercer na economia capitalista nas últimas décadas e suas principais transformações, como o controle acionário majoritário de grandes grupos industriais, a incorporação da “governança corporativa” como horizonte de ação do sindicalismo e novas modalidades de financiamento da economia. Essa “nova elite” se conforma como os nepmans do capitalismo mundializado. Não é à toa que, por gerir investimentos de grandes massas de capitais, os fundos de pensão são atores muito bem cotados para as obras e operações em infra-estrutura articuladas pelo governo.

 

Para o governo nacional de Lula e Dilma, devido à ausência e à debilidade estrutural da “burguesia nacional” (que mais parece com máfias rentistas: veja os grandes monopólios da indústria, do agronegócio, dos serviços “especializados”, do latifúndio, da mídia etc.) em fazer “investimentos de longo prazo” e reformas estruturantes, os fundos de pensão seriam importantes fornecedores de recursos, um ótimo financiador para desenvolver a indústria, a agricultura e os serviços, reconstruir a infra-estrutura de energia, transportes e comunicações e a infra-estrutura urbana, estimulando a criação de novos empregos e criando mecanismos de redistribuição de renda. Em suma, os fundos de pensão, sob a ótica do governo nacional, seriam um dos motores do “neodesenvolvimentismo” no Brasil.

 

Para que isso ocorra, ainda existe uma dura luta a fim de conseguir direcionar estes recursos predominantemente para tal tipo de investimento. Afinal, os fundos de pensão costumam se comportar como investidores em busca de altos rendimentos, principalmente nos mercados financeiros. Ao contrário do que se costuma acreditar, esses fundos não investem necessariamente em setores produtivos ou na indústria nacional. Ao atuar como capital portador de juros, seu dever fiduciário é obter a maior rentabilidade para os investimentos dos participantes, normalmente vinculados ao mercado financeiro estimulado pelas altas taxas de juros. Além da poupança de milhares de brasileiros ficarem à mercê da lógica dos mercados especulativos de curto prazo, na mão dos gestores estes fundos se transformam em capital e os aposentados tornam-se, quer queiram ou não, em sujeitos interessados na maior exploração e precarização dos assalariados ativos. Os fundos de pensão fazem a própria classe trabalhadora atuar inconscientemente na sua exploração. É uma contradição própria do desenvolvimento do capitalismo contemporâneo, algo que tem cheiro de pós-capitalismo.

 

Logo teremos que fazer as perguntas realmente difíceis sobre estes processos: como a privatização da previdência dos servidores públicos, das jazidas de petróleo, dos aeroportos, rodovias, hospitais universitários, das florestas e segurança está relacionada com o “projeto de nação pós-neoliberal”? O que existe de comum em todas essas privatizações? O que devemos esperar da “privataria petista”? No que ela se diferencia da “privataria tucana” (e se diferencia, e muito!)?

 

Fernando Marcelino é economista.

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