Correio da Cidadania

Reforma tributária aprovada posterga avanços na justiça fiscal

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Reforma tributária deve pôr fim à 'guerra fiscal'
Lula Marques | Agência Brasil

A reforma tributária aprovada pelo Congresso Nacional e homologada no final do ano passado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva é comemorada como um avanço por conta da simplificação que ela vai produzir na tributação sobre o consumo. A previsão de incidência no destino também pode ser considerada um aperfeiçoamento importante, pois o imposto será cobrado no local onde ocorre o consumo dos bens e serviços e não mais na origem, característica que deve contribuir para o fim da guerra fiscal entre estados ou municípios.

Contudo, o principal problema da tributação brasileira – a sua profunda regressividade – permanece sem solução. A nova regra se baseia no princípio da neutralidade, e não mais na seletividade vinculada à essencialidade, e as alíquotas deverão ser niveladas para todos os bens e serviços, salvo exceções que estão previstas na própria Constituição. Com isso, um dos efeitos que a PEC 45/2019 vai produzir é a redução de tributos para os produtos supérfluos, ou de consumo de luxo, que são, atualmente, tributados com alíquotas bem mais elevadas do que os bens essenciais.

As exceções às alíquotas de referência permitem que essas sejam reduzidas para determinados segmentos. Assim, tanto essas exceções, que contemplam alíquota zero para a cesta básica, ou redução para produtos de saúde ou regimes específicos para alguns setores, por exemplo, quanto a redução de alíquotas para produtos não essenciais ou de luxo, como armas e munições, perfumes importados, dentre outros, por conta da neutralidade, farão com que a alíquota de referência para os demais bens e serviços tenha que ser aumentada.

No caso de armas e munições, o Senado havia introduzido uma alteração em relação ao Imposto Seletivo, determinando que ele incidisse também sobre esses produtos, no entanto, essa modificação foi rejeitada pela Câmara dos Deputados na aprovação do texto final da PEC, o que significa que também devem ser beneficiados com a nova regra.

Outra questão que gerou discordância entre Câmara e Senado foi em relação aos mecanismos tributários para garantir vantagens para a produção na Zona Franca de Manaus e para as Áreas de Livre Comércio (ALC). A Câmara havia proposto, inicialmente, a manutenção da incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) somente para mercadorias fabricadas naquela região.

O Senado propôs que essa diferenciação fosse dada pela criação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), o que foi rejeitado pelos deputados. O resultado é que o IPI só existirá, a partir de 2027, para produtos que sejam produzidos na ZFM e nas ALC, criando uma situação, no mínimo, estranha em que a vantagem regional passa a ser obtida pelo aumento do custo de produção no restante do território. A alíquota do IPI passa a ser zero, exceto para produtos que sejam produzidos na região.

Um efeito colateral importante que esta medida produz é fazer com que qualquer produto produzido na ZFM e nas ALC não possa ser tributado pelo Imposto Seletivo, independentemente de onde sejam produzidos e dos danos à saúde e ao meio ambiente que venham a gerar, pois esse tributo não pode ser aplicado cumulativamente com o IPI.

A PEC 45 poderá reduzir custos administrativos e tributários para o setor empresarial, principalmente para o setor exportador, pois, além de simplificar o sistema, garante a total não cumulatividade, o que significa que todo o imposto será transferido para os consumidores ou, no caso das exportações, serão devolvidos ao exportador.

Por outro lado, não vai produzir efeitos em relação à redução da regressividade geral do sistema tributário. Ou seja, os pobres continuarão pagando mais tributos do que os ricos. Por isso, é fundamental que na segunda parte da reforma tributária, que deverá tratar das alterações da tributação da renda, o respeito à capacidade contributiva seja o princípio balizador. Desde 1996, com a Lei 9.249/1995, os mais ricos deixaram de pagar Imposto de Renda por conta da isenção dos lucros e dividendos distribuídos e dos juros sobre o capital próprio.

Esse benefício faz com que o Imposto de Renda das Pessoas Físicas seja regressivo a partir de rendas superiores a 30 salários-mínimos, ou seja, as alíquotas efetivas pagas pelos mais ricos diminuem na medida em que as rendas aumentam. Para faixas inferiores à faixa de 30 e 40 salários-mínimos, as alíquotas efetivas vão crescendo na medida em que aumentam as rendas, chegando ao máximo de 11,25%. A partir daí, vão sendo reduzidas chegando a níveis inferiores a 5% para altas rendas.

Outro fator importante de aprofundamento de injustiça fiscal é a não atualização da tabela do Imposto de Renda que vem ocorrendo também desde 1996. Salvo o período entre 2006 e 2015, a tabela permaneceu quase congelada fazendo com que esse imposto passasse a incidir sobre rendas cada vez mais baixas. Os mais pobres pagam alíquotas efetivas que crescem ano a ano, e os mais ricos pagam alíquotas que reduzem ano a ano.

O Sindifisco Nacional considera fundamental que os rendimentos do capital sejam tributados da mesma forma que os provenientes do trabalho. A revogação da isenção concedida à distribuição de lucros em 1995 (Lei 9.249), além de ser uma medida que promove a justiça fiscal no sistema tributário, tem uma capacidade enorme de ampliar a arrecadação, permitindo que se promova uma redução substancial da tributação sobre os mais pobres tanto em relação à renda, quanto em relação ao consumo.

Para se ter uma ideia, a distribuição de lucros e dividendos isentos atingiu a cifra de R$ 560 bilhões no ano de 2022. Aplicando-se a mesma tabela progressiva a que estão sujeitos os rendimentos do trabalho assalariado, seria possível arrecadar cerca de R$ 140 bilhões ao ano. Ou seja, trata-se de uma medida extremamente importante para ampliar a arrecadação e avançar no cumprimento dos compromissos estabelecidos no novo arcabouço fiscal.

Além destas, existem outras tantas alterações com possibilidade de tornar o sistema tributário brasileiro mais justo e que poderiam ser feitas sem qualquer alteração na Constituição. Os tributos são instrumentos importantes para o Estado dar cumprimento aos objetivos previstos no artigo 3º da Constituição e promover o bem-estar social da população, com desenvolvimento sustentável e com redução das desigualdades.

Dão Pereira Real é auditor fiscal e presidente do Instituto Justiça Fiscal.

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