Correio da Cidadania

A triste privatização da segunda maior empresa do país

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Na sexta-feira, 2 de julho, a Petrobrás ofertou o restante de suas ações da BR Distribuidora, 37,5% do total da empresa, e assim privatizou completamente a ex-subsidiária da estatal. Criada em 1971, a Petrobras Distribuidora (futura BR Distribuidora) à época já contava com 840 postos pelo país – hoje, em 2021, a empresa possui 8.058, e no último dado do Anuário Estatístico da ANP, no ano de 2019, tinha sua bandeira em 17,2% de todos os postos do país, sendo ainda a maior distribuidora do Brasil. Ela foi responsável por fatos históricos do mercado de derivados, como ser a primeira a oferecer Gás Natural Veicular (GNV) e a primeira a oferecer biodiesel em 100% do território nacional. Foi uma empresa fundamental para o desenvolvimento deste mercado no país. Hoje, considerando o valor de Vendas Líquidas utilizada pela Exame (Melhores e Maiores 2020), a BR é a segunda maior empresa do Brasil, perdendo apenas para a própria Petrobrás.

Em dezembro de 2017, a Petrobrás fez a primeira IPO (Oferta pública inicial, em sua sigla em inglês), vendendo 28,75% das ações da empresa e arrecadando à época pouco mais de R$ 5 bilhões. Em julho de 2019, vendeu mais ações, arrecadando R$ 9,25 líquido (sendo R$ 13,95 bilhões antes dos impostos) e deixando definitivamente de ter a maioria no Conselho de Administração, e consequentemente descaracterizando a BR como uma estatal. Com a entrega da BR, a Petrobrás perdeu mais de 10% de sua receita. A partir da precificação já feita no dia 31 de junho, a venda derradeira da BR será de um valor de R$ 11,36 bilhões.

Apesar de parecer um valor alto, isto não é exatamente verdade. De 2017, ano da primeira venda de ações da BR, até o primeiro trimestre deste ano, a empresa já acumula R$ 10,95 bilhões em lucros líquidos e R$ 9,67 bilhões em fluxo de caixa operacional, este último podendo ser visto no Gráfico 1. Ou seja, em pouco mais de 4 anos a BR já gerou em lucros líquidos mais de 40% de tudo o que a Petrobrás terá arrecadado com sua privatização.

Gráfico 1 – Fluxo de caixa operacional da BR Distribuidora por exercício (em bilhões de R$)

Fonte: BR Distribuidora

Mesmo se comparada às suas concorrentes, a BR é uma empresa com maior poder de geração de resultados. Não é sem motivo que ela é a maior empresa do setor. Como podemos ver no Gráfico 2, no ano de 2020 a BR teve um EBITDA (Lucros Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização, na sigla em inglês) maior do que seus dois principais concorrentes, a Ipiranga e a Raízen Combustíveis Brasil. Em termos de lucro líquido, a BR também teve o melhor resultado dentre as três no ano de 2020.

Gráfico 2 – EBITDA de 2020 por empresa (em milhões de R$)

Fonte: BR; Ultrapar; Raízen

Um dos argumentos a favor das privatizações da Petrobrás, e que não possui nenhum lastro na realidade, é o de que a menor participação da estatal na cadeia de petróleo e gás fará diminuir o preço dos seus produtos. Há alguns dias, o próprio presidente da Petrobrás, Silva e Luna, repetiu isto para o caso do refino em audiência pública na Câmara dos Deputados. Mas obviamente isto não ocorrerá. Na verdade, a tendência é exatamente a oposta.

No caso do refino, especificamente, estudos já demonstram que nascerão monopólios regionais privados, e como consequência estas empresas terão liberdade para aumentar seus preços à vontade. Já na distribuição e revenda, mesmo com a perda do controle da Petrobrás na BR, o que vimos foi o recorde de preços nos combustíveis (como pode ser visto no Gráfico 3), e não diminuição de preços.

A implementação da nova política de preços para derivados, baseada em preços do mercado internacional e adicionado custos de importação, a Paridade de Preço Internacional (PPI), é justamente para permitir o aumento do preço dos combustíveis. Trata-se do maior preço possível a ser cobrado, um teto. Inclusive, nenhum país no mundo que tenha reservas de petróleo e refinarias adota o PPI. Como a perda de poder estatal no setor terá o efeito oposto do que é pretendido pelo próprio governo? Não tem lógica nenhuma.

Gráfico 3 – Preço da Gasolina Comum e do Diesel S-10 entre outubro de 2016 e maio de 2021 (em valores reais de maio de 2021)

Fonte: ANP; IBGE [Elaboração própria]

Além disso, a privatização da BR abre maior margem para a criação de cartéis na distribuição. O Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul já investiga suposta formação de cartel pelas distribuidoras de combustível que atuam naquele estado. Sem uma estatal forte no setor, o Estado tem menos força para impedir problemas como este.

Por tudo isto, a privatização da BR é mais uma grande derrota para os brasileiros. Privatizamos a segunda maior empresa do país e entregamos 10% das receitas da Petrobrás aos especuladores da Bolsa de Valores, por isto a euforia do mercado. Não podemos permitir que o saque às nossas estatais continue, temos que impedir a entrega do patrimônio brasileiro aos clientes do rei!

Cláudio da Costa Oliveira é economista da Petrobrás aposentado.
Eric Gil Dantas é economista do Ibeps e doutor em Ciência Política.

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