Correio da Cidadania

O agronegócio é incapaz de produzir arroz

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Já observamos que as classes dominantes brasileiras são notoriamente conhecidas por ser uma das mais mentirosas em todo o mundo. E todo mundo sabe disso.

Mas qual é a sua principal mentira? Disparadamente, imbativelmente, a fantasiosa ideia que o Brasil é um grande produtor de cereais. De grãos. Do arroz, do trigo e do milho. Destes três alimentos de base que correspondem a aproximadamente 80% da produção agrícola mundial e da área agriculturável (ocupada) do globo terrestre.

Portanto, no imaginário nacional o Brasil seria “uma grande potência agrícola mundial” na produção destes alimentos. Pouca gente discorda disso. Principalmente os economistas. Mas nem todos. Há notáveis exceções.

Existem alguns poucos economistas que são capazes de fugir desta ideologização da produção de alimentos no Brasil. Podem assim explicar de maneira correta e direta fenômenos aparentemente complexos como a atual elevação de preços do arroz e de outros alimentos necessários à reprodução da imensa maioria da população que trabalha neste país.

É o caso do ex-diretor da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) Sílvio Porto, estudioso e profundo conhecedor da realidade agrícola nacional. Em entrevista, nesta semana, ele indica o fato de o cultivo de arroz e feijão terem perdido 30% de sua área para a soja na última década como a principal razão da elevação dos preços do arroz que se vive atualmente.

O método de Silvio Porto é aquele corretamente aplicado pela boa teoria econômica para explicar a origem e as variações dos preços em geral. Partir das condições produtivas do arroz para se explicar as variações dos seus preços na produção propriamente dita, no atacado, no varejo e, finalmente, nas prateleiras dos supermercados.

Observemos os fatos. Ninguém pode negar que o Brasil possui potencialmente todas as condições naturais, populacionais e tecnológicas para realmente ser um grande produtor mundial de arroz. E que, com esta potencialidade já existente, real, poderia oferecer ao mercado interno uma quantidade de arroz mais do que suficiente para alimentar a totalidade da população brasileira.

Ninguém pode negar também que no cardápio do brasileiro o consumo do arroz é tão importante quanto no dos japoneses, chineses, indianos e todos os demais grandes produtores e consumidores deste grão.

Mas a realidade é outra, totalmente oposta às necessidades da economia e da reprodução da força de trabalho. Em primeiro lugar, a produção anual de arroz no Brasil é uma coisa desprezível de 7,21 milhões de toneladas. Nunca passou disso. Mas precisaria produzir pelo menos 50 milhões de toneladas para satisfazer as necessidades básicas de reprodução da população, comparando-se com outras grandes economias produtoras deste alimento de base, que veremos a seguir.

A “grande potência agrícola mundial” produz apenas 1,44% da produção mundial de 500,05 milhões de toneladas deste importante alimento de base. A produção anual de arroz na China, maior produtora mundial (149,9 milhões toneladas) deste cereal, representa 30% do total mundial. A produção indiana, segunda maior produtora (118,4 mi toneladas) representa 24% do total mundial.

Utilizamos aqui os dados do mais recente relatório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos sobre a produção agrícola mundial (World Agricultural Production U.S. Department of Agriculture – setembro 2020)

A “grande potência agrícola mundial” produz pouco e ocupa uma área minúscula comparada com o resto do mundo. No mundo são ocupados 162,37 milhões de hectares para a produção do arroz. Nos dois maiores produtores mundiais, a China ocupa 29,8 mi de hectares, e a Índia ocupa 44,5 mi de hectares. No Brasil é ocupado minúsculo 1,7 milhão de hectares.

Confirma-se aqui a afirmação de Sílvio Porto, acima, sobre a fragilidade produtiva do arroz no Brasil. Enquanto a produção de arroz ocupa 1,7 milhão de hectares, neste mesmo imenso país a produção de soja ocupa 38,6 mi de hectares.

Irresponsavelmente, em uma especialização desastrosa para a economia e para a reprodução da população trabalhadora, os capitalistas do agronegócio centralizam todo seu capital na produção desta oleaginosa que melhor materializa a inócua agroexportação de uma economia dominada na ordem imperialista mundial.

Uma simbiose econômica desastrosa entre fazendeiros capitalistas e proprietários fundiários. Santa aliança dos parasitas e clássica especialização ricardiana de economia e burguesias dominadas que encarece já na produção os preços dos alimentos de base e provoca um impacto altamente negativo na produtividade do trabalho e pressiona por elevado valor da força de trabalho nacional.

No quadro do desenvolvimento desigual e combinado do capital global o agronegócio brasileiro produz muita soja barata para ser enviada para o exterior, mas é incapaz de produzir alimentos de base em quantidade e preços adequados a eliminar a crescente fome e miséria da população trabalhadora brasileira. Isso é característico de economias onde predomina a mais-valia absoluta na produção do capital.

Celso Furtado foi talvez o único economista brasileiro que teorizava este processo histórico de subdesenvolvimento com outras palavras, mas conceitualmente muito próximo destas nossas observações.

Ainda veremos mais dados deste massacre imperialista de uma extravagante oleaginosa sobre a produção dos alimentos de base no Brasil. Mais dados muito importantes sobre a verdadeira identidade desta “grande potência agrícola mundial” no quadro mais amplo da produção mundial.

José Martins é economista e editor do Crítica da Economia, onde o artigo foi originalmente publicado.

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