Correio da Cidadania

Governo mente para justificar a entrega da Eletrobras

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Infelizmente, mentir para os eleitores, o chamado estelionato eleitoral, ainda não é considerado crime de responsabilidade, pois se fosse boa parte dos governantes brasileiros já teria sofrido impeachment. Antes e durante a campanha eleitoral, Bolsonaro afirmou de maneira contundente, por diversas vezes, que embora favorável às privatizações, era terminantemente contrário a privatizações no setor elétrico, inclusive da Eletrobras.

Dizia Bolsonaro: “fiquem tranquilos os servidores, aqueles que trabalham em Caixa Econômica, Banco do Brasil, setor elétrico, energético... no meu entender, estratégico para a nação e não pode abrir mão disso daí (sic)”. Muitos trabalhadores da Eletrobras ficaram ”tranquilos” e votaram em Bolsonaro, justamente por conta dessa declaração.

Muito já foi escrito sobre os prejuízos e riscos para o país com a eventual privatização da Eletrobras. Ao invés de repetir os inúmeros argumentos nesse sentido, coloquemos aqui a explicação do próprio Bolsonaro sobre a importância da manutenção do controle do Estado brasileiro sobre a Eletrobras: “Isso simplesmente é estratégico, é vital, país nenhum sério no mundo faz isso, entregar isso para outros países, e olha que eu sou favorável a privatizar muitas coisas no Brasil, mas a questão energética não! E você vai tirar das mãos de uma estatal brasileira para botar nas mãos de uma estatal chinesa? Ou seja, eles vão decidir o preço da nossa energia e onde, com toda certeza, no futuro, chegará essa energia (sic)”.

O problema de uma mentira é que para sustentá-la é preciso ir contando outras mentiras, sucessivamente. Há, inclusive, uma doença caracterizada por mentir compulsivamente, denominada mitomania (o prefixo mito, nesse caso, é mera coincidência). Assim, para justificar a mentira de Bolsonaro durante a campanha eleitoral, o executivo federal precisa inventar outras. A última foi dita por Salim Mattar, no jornal Valor Econômico do dia 15 de janeiro, onde ele afirmou que “sem a venda” da Eletrobras “seriam necessários aportes anuais de R$ 14 bilhões pelo tesouro”.

Essa informação está errada de tantas maneiras que para desmenti-la será necessário fazê-lo ponto por ponto.

Não, a Eletrobras não precisa de R$ 14 bilhões anuais do tesouro, muito pelo contrário, nos últimos 11 anos a Eletrobras COLOCOU no tesouro nacional mais de R$ 16 bilhões e o único aporte feito pelo governo federal foi de cerca de R$ 3 bilhões em 2016. Só em 2019 a Eletrobras aportou quase R$ 700 milhões nos cofres da União;

A Eletrobras não é uma empresa deficitária, em 2018 registrou lucro recorde de R$ 13,3 bilhões de reais e apenas até o terceiro trimestre de 2019 já tinha apresentado lucro líquido de R$ 7,6 bilhões. Nada indica que a Eletrobras venha apresentar prejuízos nos próximos anos.

O governo tem afirmado, através do Ministro das Minas e Energia e do próprio Salim Mattar, que a Eletrobras precisa realizar investimentos da ordem de R$ 14 bilhões para manter sua atual participação no mercado nacional, que é de cerca de um terço da geração e 47% da transmissão. A pergunta que fica é: o senhor Salim Mattar não conhece nada sobre a Eletrobras ou tenta deliberadamente enganar o público?

Pela sua qualificação, surpreende aos técnicos a declaração incorreta do Secretário de Estado.

Mesmo essa afirmação de que a Eletrobras precisa dos tais R$ 14 bilhões anuais para manter sua participação atual no mercado de energia é errada. Nenhuma empresa de infraestrutura, especialmente do setor elétrico, investe 100% do valor de construção dos empreendimentos. Na verdade, no máximo 30% vêm do capital próprio da empresa (equity), enquanto o restante é obtido por meio de empréstimos bancários, debêntures e outros mecanismos de captação de recursos que são amortizados com as receitas do próprio empreendimento, o chamado capital de terceiros (debt).

Além disso, há que se destacar que a Eletrobras, via de regra, participa dos novos empreendimentos de geração e transmissão com sócios privados, quase sempre na condição de minoritária. Ou seja, mesmo a parcela do capital próprio é dividida com outros sócios.

A Eletrobras não é uma empresa superendividada, muito pelo contrário. A relação Dívida Líquida / EBITDA da empresa é de menos de 2, valor bastante baixo e condizente com as concorrentes privadas. Ou seja, a Eletrobras não teria nenhuma dificuldade de captar recursos no mercado, conseguir sócios privados e manter ou até aumentar sua fatia no setor elétrico brasileiro.

Se hoje a Eletrobras prefere repassar dividendos bilionários a seus acionistas, entre eles a União, em detrimento de realizar investimentos, essa é uma opção dos seus controladores, no caso o governo. A empresa está financeiramente saudável e é plenamente capaz de realizar os investimentos para a manutenção de seu marketshare. O governo é quem precisa decidir se quer os investimentos ou se quer os dividendos. Só não dá para maximizar os dividendos e reclamar da falta de investimentos. Isso é propagar desinformação, mentiras, incoerência.

Mas a outra questão a ser respondida pelo governo é: qual a vantagem de uma empresa privada manter ou aumentar sua participação no setor elétrico do país?

O mercado de energia elétrica não é como outro qualquer. Energia elétrica é o produto mais universalizado que existe e praticamente todas as pessoas e todos os setores da economia a utilizam. A energia elétrica, na maior parte das vezes não pode ser substituída (bem inelástico), as pessoas e a maioria das empresas vão ter que continuar comprando a energia independentemente de estar mais cara. Além disso, em caso de falta de energia, não é possível simplesmente encher um navio de energia elétrica e trazer para o país, como pode ser feito com combustíveis, por exemplo.

A Eletrobras tem, portanto, um enorme poder de mercado e, relembrando as palavras do presidente da República: “você vai tirar das mãos de uma estatal brasileira para botar nas mãos de uma estatal chinesa? Ou seja, eles vão decidir o preço da nossa energia”.

A Eletrobras pode e deve manter ou mesmo aumentar sua participação no setor elétrico brasileiro, pois ao ser uma empresa estatal está vinculada ao interesse público. Não há registro de que a Eletrobras tenha em algum momento de sua história, utilizado seu poder de mercado para auferir lucros desproporcionais, prejudicando os consumidores. Muito pelo contrário, a empresa sempre praticou e pratica ainda hoje preços abaixo das demais empresas do setor, funcionando como o verdadeiro agente regulador de preços do setor elétrico brasileiro.

Esperamos que o debate sobre a necessidade ou não de privatizar a Eletrobras se dê de forma honesta, baseada em fatos e dados, nos exemplos de privatização no Brasil, principalmente no que diz respeito ao setor elétrico e nos exemplos internacionais. A Eletrobras pertence a todos os brasileiros e não é correto que o debate público continue sendo feito, por parte do governo, baseado em mentiras e meias verdades.

Ikaro Chaves é Diretor da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (AESEL) e Felipe Sousa Chaves é Diretor da Associação dos Empregados de Furnas (ASEF).
Fonte: Instituto Ilumina.

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