Correio da Cidadania

A greve que opõe a destruição do serviço público à prefeitura que guarda bilhões em caixa

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A greve dos servidores municipais já ultrapassa uma semana e os trabalhadores de diversas áreas do serviço público fazem vigília à frente da Câmara dos Vereadores, a fim de pressionar o prefeito Ricardo Nunes a melhorar suas contrapropostas – que não se resumem a reajuste salarial. São professores, agentes de combate a endemias (em meio a uma epidemia recorde de dengue), assistentes sociais que acumulam perdas de quase 40% de suas rendas nos últimos anos. Ao Correio, a vereadora e ex-professora da rede municipal Silvia Ferraro, explica os detalhes da greve, organizada por sindicatos diversos, e descreve o processo de precarização dos serviços públicos na cidade mais rica do país.

“O impacto desse reajuste oferecido pelo prefeito é da casa de R$ 550 milhões. E a gente sabe que tem R$ 30 bilhões de reais no caixa da prefeitura, nesse exato momento”, explica Ferraro. Quanto à carreira, vive processo de desmonte, o que gera uma crise de formação da própria mão de obra e a relações precarizadas de trabalho. É isso que, na visão de Ferraro, significa a política de “subsídios” em lugar de planos de carreira.

“A carreira é bem importante para que o professor permaneça na prefeitura, crie vínculos com a prefeitura, se forme na prefeitura e aposente na prefeitura. Professores experientes, professores com vínculo com a comunidade, que não precisam mudar de escola o tempo todo. É uma coisa importante para garantir a qualidade da educação”, completa.

Dessa forma, a maior cidade do país reproduz a agenda de uma nota só de um espectro político que se vende como técnico, mas se afirma cada vez mais ideológico. Mesmo sob recuperação econômica, alta arrecadação fiscal e aumento de repasses de um governo federal que ampliou investimentos públicos, os dogmas liberais mantém-se intocáveis. Segundo Silvia Ferraro, quem paga são os trabalhadores e, consequentemente, usuários dos serviços públicos.

“A gestão do Ricardo Nunes, se eu fosse definir em uma única palavra, é uma gestão burocratizada, uma gestão de gabinete, uma gestão que não ouve e não dialoga com a categoria dos servidores públicos, sejam eles da educação, da saúde, da assistência.
Em todos os setores dos serviços públicos existe uma reclamação generalizada de falta de escuta, uma gestão bastante inacessível do ponto de vista de diálogo e uma gestão que, na verdade, pretende privatizar e terceirizar cada vez mais os serviços públicos”.

Confira a entrevista completa a seguir.


Correio da Cidadania: O que deflagrou a greve dos servidores públicos municipais e quais são as principais reivinicações?

Silvia Ferraro: O que deflagrou a greve dos servidores municipais foi o índice muito baixo de reajuste proposto pela prefeitura, de apenas 2,16%, que não repõe nem a inflação do último ano. Outro ponto importante foi a ausência de proposta em relação à questão do confisco salarial aplicado aos aposentados e pensionistas, que já pagaram a previdência e continuam pagando novamente 14%, e assim vivem numa situação bem precária. Além disso, não tem propostas de melhorar as condições de trabalho dos servidores. Na educação em particular tem a questão da reposição de perdas de 39% de campanhas salariais passadas, onde o índice não foi correspondente à inflação do período.

Correio da Cidadania: Como analisa a proposta de 2,16% de aumento da prefeitura?

Silvia Ferraro: Essa proposta de 2,16 % não repõe a inflação do período que pela projeção de maio de 2023 a maio de 2024 vai chegar a 4%. É uma proposta bem inferior à inflação e não se justifica, pois a prefeitura tem dinheiro em caixa.

O impacto desse reajuste oferecido pelo prefeito é da casa de R$ 550 milhões. E a gente sabe que tem R$ 30 bilhões de reais no caixa da prefeitura, nesse exato momento.

Correio da Cidadania: O que é a questão dos salários via subsídios? Isso precariza o trabalho?

Silvia Ferraro: Salário via subsídio é quando o servidor abre mão dos quinquênios, da sexta parte, que é a valorização que o servidor tem por tempo de serviço. E também da evolução na carreira, no caso dos servidores da educação, que tem uma evolução através de cursos de formação, de títulos conseguidos, como mestrado, doutorado.

Quando a política de subsídio é implementada, o servidor troca essa valorização e a carreira por um aumento no salário. Mas é um aumento nominal no salário, não vai ter impacto nos demais direitos, dos quais se abre mão no fim das contas.

Consideramos uma forma de precarização porque, se não tem carreira, este aumento, ao longo do tempo, acaba defasado. E tampouco há a fixação do servidor dentro do quadro da prefeitura, porque à medida que não se tem carreira, não tem a perspectiva de evoluir mais no cargo.

Correio da Cidadania: Como tem sido a vida dos professores da rede pública municipal e sua carreira?

Silvia Ferraro: A carreira dos profissionais da educação é uma carreira conquistada com luta na época ainda da gestão da Luísa Erundina e do secretário de Educação, Paulo Freire, e visa valorizar a formação do professor, que acontece tanto dentro da escola, através dos cursos coletivos e da formação coletiva dos profissionais, quanto cursos fora da escola.

É uma carreira que, com o passar do tempo, conforme se tem esta formação, vê os vencimentos aumentarem e há avanço também por tempo de serviço. A carreira é bem importante para que o professor permaneça na prefeitura, crie vínculos com a prefeitura, se forme na prefeitura e aposente na prefeitura. Professores experientes, professores com vínculo com a comunidade, que não precisam mudar de escola o tempo todo. É uma coisa importante para garantir a qualidade da educação.

Correio da Cidadania: Outro ponto sensível é a inclusão de crianças com necessidades especiais na educação pública, questão cada vez mais denunciada por mães e pais de tais crianças. O que você pode comentar a este respeito?

Silvia Ferraro: A questão da inclusão tem sido feita de forma muito precária, porque nós defendemos a inclusão, a rede defende a inclusão, porém, tem de vir acompanhada de profissionais capacitados para fazer esse atendimento, profissionais professores, coordenadores, os próprios acompanhantes, os estagiários e também os professores especialistas em crianças com deficiência ou portadores de autismo etc.

Mas hoje não temos profissionais suficientes, não tem acompanhantes suficientes, estagiários, profissionais especialistas suficientes. É claro que defendemos a inclusão, mas precisa de mais profissionais dedicados a esta questão dentro das unidades escolares.

Correio da Cidadania: O que isso tudo reflete sobre a gestão do serviço público dos últimos governos municipais? Há um desfinanciamento crônico?

Silvia Ferraro: Há, sim, um distanciamento, o prefeito atual faz uma das piores gestões, porque é a mais distante dos profissionais de educação, é mais burocratizada, não faz reuniões com os diretores de escola, reuniões com os professores, não tem essa proximidade. Em outras gestões, mesmo as que não eram necessariamente progressistas, havia mais conversa e diálogo entre a gestão e quem está na ponta do serviço público.

Correio da Cidadania: Como contornar o que debatemos aqui? Estamos diante de mais um tema que reflete o fracasso da agenda do estado mínimo e corte permanente das despesas públicas com serviços essenciais?

Silvia Ferraro: Sim, o que tem avançado no serviço público é a terceirização, a privatização dos serviços. Vimos isso no serviço funerário, na assistência social, que hoje tem a maior parte terceirizada e nem mesmo é repassado para as Organizações Sociais o valor suficiente para se bancar esses serviços.

E também acontece na educação infantil, através da rede conveniada. Temos visto um avanço das chamadas parcerias, seja com organizações sociais, seja com empresas privadas. Em alguns casos, essas parcerias precarizam a qualidade do serviço público, como, por exemplo, no serviço funerário ou mesmo na saúde pública, em que as organizações que muitas vezes são responsáveis por hospitais e UBSs fazem isso de forma totalmente incapaz de dar um serviço público de qualidade.

Correio da Cidadania: Como resume a gestão de Ricardo Nunes à frente da prefeitura da maior e mais rica cidade do país?

Silvia Ferraro: A gestão do Ricardo Nunes, se eu fosse definir em uma única palavra, é uma gestão burocratizada, uma gestão de gabinete, uma gestão que não ouve e não dialoga com a categoria dos servidores públicos, sejam eles da educação, da saúde, da assistência.

Em todos os setores dos serviços públicos existe uma reclamação generalizada de falta de escuta, uma gestão bastante inacessível do ponto de vista de diálogo e uma gestão que, na verdade, pretende privatizar e terceirizar cada vez mais os serviços públicos.

Gabriel Brito é jornalista, repórter do site Outra Saúde e editor do Correio da Cidadania.

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