Correio da Cidadania

Guerra da Ucrânia: influências distantes

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A assertividade da Rússia no sistema internacional – NEBRICS

A extinção formal da União Soviética (URSS) ao cabo de 1991 havia sido precedida meses antes do encerramento da aliança militar comunista conhecida como Pacto de Varsóvia (1955-1991), responsável pela segurança coletiva do leste europeu.

Com o firmamento da Rússia a datar de então, a preocupação do Kremlin com a preservação de interesses regionais, já não sendo possíveis os globais, seria delineada, por exemplo, com a constituição em 1992 da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), cuja abrangência territorial se estende de maneira limitada na Eurásia – meia dúzia de países como membros plenos, entre os quais Belarus – antiga Bielorrússia.

Aos olhos de Moscou, uma justificativa invocada para o início do conflito russo-ucraniano teria sido a proximidade inadequada entre Kiev e Bruxelas, ao trazer àquela a possibilidade de incorporação oficial às fileiras da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), postura diferente da adotada por Minsk.

De fato, a intranquilidade da Rússia com a ocasional expansão otaniana remonta ainda ao final do século passado, depois de frustrada tentativa de convívio regular, materializada em maio de 1997, entre a coligação norte-atlântica e a federação russa, sob liderança de Bill Clinton e de Boris Yeltsin - https://1997-2001.state.gov/regions/eur/fs_nato_whitehouse.html.

Na época, a atenção voltava-se para o conturbado quadro do Kosovo, embora a tratativa acima salientasse que Moscou não teria ascendência sobre aquela aliança castrense concernente ao processo de admissão de seus novos filiados, desde que adeptos da democracia – exigência política do arco norte-atlântico.

Dois anos posteriores do primeiro entendimento entre as duas forças militares nucleares, haveria uma investida otaniana, sem autorização do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (CS/ONU), contra os arredores de Pristina e de Belgrado com o propósito de pressionar a Iugoslávia a aceitar os termos de paz propostos por Bruxelas – o de autonomia da comunidade albanesa na região kosovar sob supervisão de contingentes europeus.

Os bombardeios durariam quase oitenta dias – um deles em maio de 1999 destruiria a representação diplomática da China na capital iugoslava. Isolado, o país atacado se renderia e subscreveria o teor dos termos de Washington e de Bruxelas. No ano seguinte, o governo cairia – mais de cento e cinquenta de seus integrantes seriam processados pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) - https://www.icty.org/x/file/Legal%20Library/Statute/statute_827_1993_en.pdf

Na época em que ocorreu aquele conflito, a Rússia – atualmente em combate rosto a rosto com a Ucrânia – protestou contra a medida da coligação norte-atlântica em território iugoslavo, porém sem repercussão.

O secretário do Conselho de Segurança era Vladimir Putin, responsável por assessorar a Presidência da República em assuntos de segurança nacional. Meses depois, o antigo tenente-coronel da KGB assumiria a função de primeiro-ministro; logo após, desencadearia com sucesso campanha militar contra a Chechênia, malgrado desgastante.

Apesar de denúncias de desrespeito de direitos humanos e da pressão política ocidental, Moscou manteve as operações castrenses por cerca de uma década naquela região. Em escala maior, reproduz a situação com a Ucrânia.

Contudo, não se trata de conter um movimento separatista, mas de punir um nacional, em defesa da soberania, adquirida, por sua vez, via negociação na dissolução soviética. O Kremlin não tem pressa, todavia Mariyinsky, sim.

Falta tornar público qual o compasso da Casa Branca e do Bulevar Leopoldo III sobre a confrontação.

Virgílio Arraes

Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

Virgílio Arraes
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