Correio da Cidadania

Guerra da Ucrânia: a corrosão interna dos aliados de Kiev

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Foto: Joe Biden cumprimenta Mohamed Bin Salman. Fonte: Wikipedia

Na Europa, Grã-Bretanha e Itália preocupam-se com a escolha dos substitutos de seus primeiros-ministros, Boris Johnson e Mario Draghi, ao passo que os Estados Unidos inquietam-se com a política nuclear do Irã e com o despotismo da Arábia Saudita – o tratamento a ambos é sensível por causa da dependência do globo de petróleo, visto que os dois são grandes produtores.

Enquanto isso, a Rússia continua de maneira inexorável, ainda que de modo vagaroso, a incorporação de áreas da Ucrânia, a ponto de propor conceder sua cidadania a quem no país invadido falar seu idioma e dispor de emprego – o objetivo imediato do processo de ‘russificação’ é reforçar a conquista de territórios do leste ucraniano, a serem submetidos em breve a um plebiscito tal qual o da Crimeia em março de 2014.

Afora os afazeres políticos de expressão, atenta o continente para o padecimento da população com as altas temperaturas do verão, prenúncio da necessidade de abastecimento constante de gás natural, oriundo em parte de fontes de seu maior adversário momentâneo: o Kremlin sob liderança de Vladimir Putin.

À medida que o tempo passe, seria possível especular que Bruxelas e Washington, via Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), terão menor disposição de apoiar Kiev, quando eles mesmos sofrerem pressões de suas respectivas populações diante de forma simultânea de restrições energéticas e de preços gerais elevados – a inflação anual norte-americana perfez o maior patamar em mais de quatro décadas.

Ao invés de tratar a confrontação como problema continental, ela poderá ser encaminhada, portanto, como uma disputa bilateral ou até civil! Assim, assegurar-se-ia aos Estados Unidos e à União Europeia (UE) o distanciamento necessário, malgrado o prosseguimento da tragédia naquela região.       

Além das inúmeras perdas humanas diárias, os efeitos deletérios do confronto estendem-se ao fornecimento de alimentos como trigo, milho e óleo de girassol, entre outros; no entanto, graças aos esforços diplomáticos da Turquia a situação poderá ser amenizada, pelo menos de maneira temporária, com o deslocamento seguro no mar Negro de navios ucranianos a partir dos arredores de Odessa a portos otomanos – outrossim, o crescimento global da inflação poderá ser contido.

No correr da Guerra Fria, a retórica usual empregada pelos Estados Unidos (EUA) defronte da União Soviética (URSS) era a da rivalidade entre o mundo livre e o totalitário ou entre democracia e comunismo. A ideia de reviver isso em decorrência do conflito não ocasiona o mesmo impacto perante a opinião pública, conquanto o reconhecido grau de autoritarismo do Kremlin.

Some-se a isso o desgaste da política externa da Casa Branca: a recente visita do mandatário  Biden ao dirigente bin Salman é um exemplo, uma vez que durante sua campanha à presidência da República em 2022 o outrora candidato criticava de forma acerba seu oponente, Trump, por conta do relacionamento próximo com um país marcado pelo desrespeito a direitos humanos.

Diante do cenário atual, a perspectiva de a Ucrânia ficar sem lei, nem grei ainda é remota, desde que Estados Unidos e Grã-Bretanha se disponham a manter o envio de armamentos. Apesar do importante apoio, não tem sido possível impedir até agora a fixação de novas fronteiras de modo desfavorável à nação agredida. Enquanto Washington, Londres e Moscou jogam com o tempo a fim de ampliar sua influência, Kiev tem sido o único a perder.

 

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Virgílio Arraes

Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

Virgílio Arraes
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