Estados Unidos: expectativas negativas para 2018
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- Virgílio Arraes
- 06/01/2018
Nos dias de hoje, o conservadorismo político une os dois grandes partidos nos Estados Unidos – situação não muito diferente da do Brasil, a despeito do conteúdo dos discursos à sofrida população.
Donald Trump derrotou Hillary Clinton por criticar as consequências da globalização na vida do cidadão médio do país, como o empobrecimento gradativo ou o desemprego constante, ainda que ele mesmo não acreditasse de maneira pia em suas falas ao povo.
Bastante polêmico ao comunicar-se com a sociedade, através da utilização intensa das redes sociais, o dirigente republicano atraiu a atenção do público ao transcorrer do ano mais por causa de suas excentricidades - como no caso de digitações apressadas e, por conseguinte, enigmáticas de forma provisória - do que por suas próprias ações, entre as quais sobressaem:
A aproximação com a Rússia de Vladimir Pútin, considerada inadequada por políticos norte-americanos, e o reconhecimento recente de Jerusalém como capital israelense, medida ofuscante, ao menos de maneira temporária, do fracasso de Washington no Oriente Médio, em especial na guerra civil da Síria, ao ter-se oposto de modo ferrenho à permanência do ditador Bashar al-Assad.
Registre-se serem os ‘tuítes’, por exemplo, tática administrativa engenhosa do problemático mandatário estadunidense – assim, a opinião pública costuma-se lembrar-se de forma folclórica do acontecimento ou de pessoas, não do seu conteúdo específico, até a próxima histriônica manifestação dele ou de assessor do alto círculo relativa à:
Burocracia governamental, como críticas ao posicionamento do Judiciário ou da Polícia Federal (FBI), a questões internacionais, como da imigração ou do terrorismo integrista, ou a seus opositores democratas, como no caso do modesto auxílio-saúde governamental.
Em 2018, ocorrerão as eleições do meio do mandato, por meio das quais um terço das cadeiras do Senado e dois terços das dos governos estaduais estarão sob novo crivo da população. Um dos principais temas das campanhas será o da expectativa da diminuição de impostos para as corporações, tendo sido a lei aprovada pela Casa Branca pouco antes do Natal por votação estreita – estima-se de modo preliminar que a redução da arrecadação ronde o trilhão e meio de dólares ao governo.
Esperançosa com Washington no primeiro ano de administração e, ao mesmo tempo, apreensiva com o declínio social no horizonte, boa parte da classe média não deve beneficiar-se com a nova legislação, até porque seus efeitos para ela têm duração firmada: 2025.
O eventual favorecimento ao segmento intermediário dependerá da renda anual acumulada, das despesas de dedução, do local de moradia e da composição da família. A decepção do eleitorado poderá ser materializada aos republicanos na impossibilidade de manter a primazia na Câmara dos Deputados e no Senado.
Outro tema cujo impacto se identificará em 2018 decorre da nomeação de juízes federais (de tendência conservadora) de segunda instância - mais de uma dezena – pela Casa Branca, a maior da história desde o final do século 19 em se tratando da primeira fase de administração. A vitaliciedade lá é diferente da do Brasil por não ser limitada a 75 anos – até dezembro de 2015, setenta.
Em abril último, Trump havia indicado Neil Gorsuch para o Superior Tribunal Federal em função do falecimento de Antonin Scalia, a poucos dias de ser octogenário. O antecessor deste, William Rehnquist, estava com idade similar, quando do passamento. Os três foram indicados por mandatários republicanos.
Tópico polêmico é o da expectativa de autorização de exploração de petróleo na reserva ecológica do Ártico, localizada no Alasca, em área de cerca de 600 mil hectares – apenas um senador republicano opôs-se a ela.
Estabeleceu-se a preservação duradoura no último ano de gestão de Jimmy Carter – 1980. O argumento para a liberação atual é o fazendário, não o ecológico, de sorte que ela poderia contrabalançar a diminuição de impostos às empresas de grande porte.
Questão humanitária é a dos estrangeiros cuja chegada aos Estados Unidos tenha ocorrido nos primeiros anos de vida, sem documentação muitas vezes. Chamados de ‘sonhadores’ pelos meios de comunicação, a eles se permite estudar, servir às forças armadas e trabalhar, desde que não tenham registros policiais ou dispensa castrense desonrosa.
Somam eles quase 1 milhão de pessoas, têm menos de 30 anos e provém em sua maioria de países latino-americanos. Com o ingresso de Donald Trump na Casa Branca, a deportação deles poderá acontecer, a despeito da boa conduta.
Por fim, há pendências na política exterior, concernentes à Rússia, por conta da atuação na Síria e dos próprios Estados Unidos durante a eleição presidencial, Irã, haja vista seu programa nuclear e seu apoio a grupos radicais, e Coreia do Norte, por causa do desafiador plano de desenvolvimento de mísseis.
Enfim, alívio interno com o empresariado, mas descontentamento externo com antigos adversários da época da Guerra Fria. Eis o 2018 do presidente Donald Trump.
Virgílio Arraes
Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.