Brasil-Estados Unidos: o descompasso industrial entre os dois
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- Virgílio Arraes
- 15/10/2017
A tradicional inclinação da elite brasileira pelo agronegócio não significa de maneira alguma ausência de aprimoramento na produção disso, porém, a limitação do vasto potencial da economia nacional. Na prática, a escolha reflete a histórica acomodação da nata local em sua inserção cotidiana no mercado mundial.
Em linhas gerais, o Estado pátrio tem sido o propulsor da industrialização nacional, malgrado o ritmo descompassado – no século anterior, houve ao menos três momentos em torno de meio século de composição de perfil econômico diferenciado: o do autoritarismo de Getúlio Vargas, o do mandato de Juscelino Kubitschek e o da longeva ditadura militar.
De modo costumeiro, a iniciativa privada ajusta-se ao compasso estatal, não obstante o conhecimento científico acumulado e a qualidade da mão de obra brasileira, proporcionados de forma principal pelo incipiente sistema universitário.
Nos anos 90, iniciou-se a interrupção do denominado ciclo do nacional-desenvolvimentismo, sem dúvida pouco inclinado em sua execução à democracia, mas passível de ajuste a ela, em virtude da decadência do período militar interno e da disputa amero-soviética no mundo.
O Brasil, já sob rubrica socialdemocrata, assistiu a um polêmico processo de privatização por meio do qual o governo oferecia à população a futura melhora dos seus serviços combinada com a eventual diminuição dos preços.
A juntura de ambos nem sempre se materializou no cotidiano à sociedade: ora não se alcançou o prometido grau de qualidade anunciado, quando comparado ele com o do restante do planeta; ora elevou-se o valor acima da média global. Antigas atividades governamentais como a telefônica, por exemplo, podem registrar significativa insatisfação dos consumidores.
A despeito do descontentamento atual do povo com a política e com a economia, a apatia de maneira surpreendente perdura mesmo diante de uma administração federal onde há a incomum convergência do índice inflacionário com o de popularidade do presidente.
Seria isso o resultado aguardado da severa aplicação de determinadas ações governamentais, descoladas das necessidades socioeconômicas da sociedade como a restrição efetivada no segmento da ciência e tecnologia, um dos mais abalados com as sucessivas desorientações governamentais, ou da educação.
Na primeira gestão da presidente Dilma Rousseff, houve o interesse do Planalto de promover a comercialização de aviões turboélices – A-29 Super Tucano - da Embraer em parceria com a estadunidense Sierra Nevada, à Casa Branca para o programa Apoio Aéreo Leve.
Naquela época, a aquisição por parte do Pentágono poderia orbitar ao redor de trezentos e cinquenta milhões de dólares, com vinte aeronaves. O emprego seria no turbulento Afeganistão, após seu uso na Colômbia contra o narcotráfico.
Havia duas hipóteses para a suspensão da compra: a primeira decorreria da insatisfação de uma gigantesca corporação local, ao ter por justificativa a manutenção de quase mil e quinhentos empregos, em ano de eleição parlamentar, onde há o voto distrital, e a segunda se originaria do interesse de Washington de vender a Brasília seus sofisticados caças, os F-18s, em detrimento dos franceses, os Rafales, e dos suecos, os Gripens, futuros vencedores.
Após um ano, a parceria entre a Embraer e a Sierra Nevada seria vitoriosa em novo certame do governo norte-americano, apesar de Barack Obama não ter obtido junto a Dilma Rousseff a garantia de comerciar seus jatos para operar em território brasileiro. De todo modo, o consórcio, ao investir na Flórida, buscou assegurar o mesmo grau de emprego ofertado outrora pelo seu concorrente.
Virgílio Arraes
Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.