Correio da Cidadania

Todos os crimes de guerra em um só

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Foto: Operação militar no leste da Ucrânia. Créditos: Ministério da Defesa da Ucrânia.

Assim que a Rússia começou a atacar a Ucrânia, os EUA e a OTAN apressaram-se em condenar a ação como um dos mais graves crimes de guerra: a violação da soberania.

Tinham toda a razão, embora faltasse a Washington autoridade moral para essa acusação pois já praticou algo igual ou semelhante várias vezes.

Na guerra do Vietnã, o governo Johnson fabricou um incidente no Golfo de Tomkin, uma suposta agressão de navios norte-vietnamitas a amenos destróieres americanos. E, com base nesse legítimo fake news, conseguiu aprovação do Congresso para declarar guerra ao Vietnã do Norte, país apadrinhado pela União Soviética.

Nessa guerra, que durou quase 18 anos, morreram cerca de 2 milhões de civis vietnamitas.

Na Guerra do Iraque, os EUA invadiram o país em 2003, ocupando-o totalmente até 2011. Durante esses 8 anos, movimentos iraquianos enfrentaram as forças estrangeiras, numa guerra de guerrilhas , que causou mais de 300 mil mortes (Iraqi Body Count).

O pretexto dessa violação de soberania foi o governo iraquiano estar desenvolvendo armas nucleares.

Conquistado o país, o exército dos EUA promoveu a mais minuciosa busca de atividades nucleares iraquianas, porém, para grande tristeza da Casa Branca, não encontrou nada.

Mesmo depois de revelada sua falsidade, os estadunidenses continuaram governando o país, como se deles fosse, até partirem, em 2011, diante dos insistentes protestos do povo iraquiano e dos ataques dos rebeldes.

Devido ao atentado às Torres Gêmeas, planejado pela Al Qaeda, os EUA exigiram que o Afeganistão entregasse Bin Laden, chefe da organização terrorista, e expulsasse seus milicianos, que estavam homiziados no país. Diante da recusa do governo Talibã, tropas norte-americanas invadiram e ocuparam o Afeganistão.

Embora as razões para a invasão fossem aceitáveis, os EUA poderiam, eventualmente, impedir o prosseguimento da guerra, que acabou durando mais 18 anos, ao negar-se a admitir seu fim, quase no começo das hostilidades. Esse fato, convenientemente esquecido, só foi revelado ao público pelo The New York Times, em 23 de agosto de 2021.

O jornal informou que, depois dos primeiros dois meses da invasão, os devastadores ataques americanos convenceram os talibãs de que não teriam chance. Foi então que, seu chefe, o mulá Omar, pediu a Hamid Karzai, político bem visto pelos norte-americanos, que lhes apresentasse uma proposta de rendição. Queria reunir-se com o comando dos EUA para acertar um acordo, no qual os talibãs garantiriam seu adeus às armas, a entrega de todo o país aos invasores e o sumiço dos jihadistas da vida política nacional.

Os EUA não aceitaram.

Em resposta o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, afirmou: ”Os EUA não estão inclinados a negociar rendições.” E, eufórico, acrescentou que o seu governo queria era o mulá Omar preso ou morto”.

Além do chefe do Talibã, mais 288 mil pessoas morreram nos 18 anos da Guerra do Afeganistão (Watson Institute- Brown University). Quantas poderiam estar vivas se os EUA não tivessem possivelmente aceitado definir os temos da renúncia dos talibãs logo no princípio da conflagração.

No Afeganistão, como em todas as demais últimas guerras norte-americanas, eles foram responsáveis diretos ou indiretos e, ao contrário do que está sendo aplicado agora contra a Rússia, não receberam quaisquer sanções.

É uma das vantagens de ser a nação mais poderosa do mundo.

Ainda há resquícios das leis da selva nas que regem nossa civilização. E a hipocrisia continua considerando que violações do Direito Internacional só existem quando praticadas por adversários.

A Guerra da Urânia se insere no quadro geral da disputa pela hegemonia no Leste Europeu, entre os russos e os EUA, apoiados pela sua criação, a OTAN.
Em episódios anteriores, os russos têm suas queixas de ações fora das quatro linhas do seu rival, o autoproclamado bastião do fairplay nas relações internacionais.

Em 1990, nas negociações da unificação da Alemanha, o secretário de Estado dos EUA, James Barker, comprometeu-se com, Gorbatchev, o líder da então União Soviética, a que a OTAN jamais incluiria os ex-Estados comunistas da Europa, inclusive a Ucrânia. Este compromisso começou a ser descumprido, a partir de 1994, com o ingresso de alguns deles na OTAN.

A Ucrânia foi a última a seguir este caminho, em 2014, com o envolvimento dos EUA na revolução popular que derrubou o governo-pró Rússia. A divulgação de gravação, na qual Victoria Nuland, chefe do setor do Leste Europeu, dava orientações a seu embaixador sobre os interesses estadunidenses na revolução, mostrou que os EUA tinham voz ativa na revolução e na escolha do futuro presidente. O enfático “foda-se a Europa” dito por madame Nuland, criticando a cautela dos parceiros europeus no empreendimento, viralizou em toda a parte.

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, dirão os pragmáticos. Apesar da falta de autoridade moral dos EUA, eles estão absolutamente corretos quando condenam a Rússia por uma guerra que nega a soberania ucraniana e está destruindo o país e desesperando seu inocente povo.

Putin tem suas razões. Não falo das alegações de nazificação da Ucrânia, de perseguições aos cidadãos de etnia russa e de outras imbecilidades. O que realmente motivou a invasão é o temor de Putin da Ucrânia se tornar uma perigosa extensão do poderio militar dos EUA (e, portanto, da OTAN) até as fronteiras russas.

O Oeste do país de Tolstoi ficaria cercado por bases de potencias da OTAN. Seus mísseis, poderiam atingir Moscou em até dois minutos.

Sentir seu país numa posição vulnerável diante dos seus rivais explica a decisão de Putin de mudar este status quo, através de um ataque que ganhou a reprovação indignada de quase todo o orbe, inclusive na própria Rússia, onde protestos ocorrem em todo o país.

Explica, mas não justifica.

Em primeiro lugar porque, como a Guerra da Ucrânia está provando, não é a Rússia que deve temer ataques militares dos países da OTAN; mas o contrário.
Em segundo lugar, porque atos anteriores dos EUA, um tanto controversos, e sua recusa em neutralizar o perigo vindo de uma potência hostil nas fronteiras russas não se compara, nem de muito longe, com o uso de uma guerra na defesa da segurança de uma nação, que, ao menos neste século, não estaria em jogo.

As recentes imagens mostram os efeitos da guerra da Ucrânia, com cidades devastadas; casas de famílias, hospitais e escolas arrasados; crianças mortas; vidas destruídas em massa, enquanto milhões de civis, em angustiada fuga, abandonam suas casas e seus bens em busca de um destino assustador.

Horror dos horrores, a guerra é a mãe de todos os crimes de guerra.

Assim o consideraram os juízes dos EUA, União Soviética, Inglaterra e França, na declaração que fechou o julgamento dos crimes de guerra nazistas, em 1945.

“Iniciar uma guerra de agressão não é apenas um crime internacional; é o supremo crime internacional, diferindo dos outros crimes de guerra porque contém dentro de si a acumulação de todos os crimes de guerra”.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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