Correio da Cidadania

Apoio reticente da Europa a Biden contra a China

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No G7, Biden corteja europeus a fazer contraponto à China | Notícias  internacionais e análises | DW | 13.06.2021
Guerra fria é guerra sem confrontos militares. Mas é guerra, nem de longe algo semelhante a lutas de boxe pelas severas regras do marquês de Queensberry. Está mais para UFC, o vale-tudo moderno.

Numa guerra fria, seu lado tem sempre razão, jamais erra. E o inimigo é um repositório de todas as crueldades e injustiças. Putin é um defensor dos povos oprimidos, um chevalier sans peur et sans reproche e Mohamed bin Salman, o príncipe da Arábia Saudita, uma pomba da paz no meio dos falcões do Oriente Médio.

Estas considerações são oportunas ao se analisar os fatos e resultados nas recentes reuniões do G7, o grupo dos países ricos (EUA, Alemanha, Japão, Canadá, França, Itália e Reino Unido) e naquela da OTAN, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar dos EUA com 28 países europeus, mais o Canadá.

Nas duas reuniões, a China foi o alvo central dos disparos de Joe Biden.
Logo de cara, Joe Biden declarou que os EUA estavam de volta para unir as democracias, embora seja força de expressão incluir nesse termo os aliados Polônia, Hungria e Turquia onde governantes autoritários mandam e desmandam nos respectivos legislativo e judiciário.

Biden participou desses meetings com três objetivos:
– Anunciar que estava de volta a hegemonia soft dos EUA, esconjurando os tempos sombrios de Donald Trump, que ignorava as questões dos países aliados, tratados com desprezo, ameaças, reclamações, acusações e até ofensas;
– Conscientizar os dignitários europeus dos grandes riscos à segurança dos seus países trazidos pela China. E ainda reafirmar a Rússia de Putin como um vizinho de alta periculosidade.
– Convencê-los a entrarem na Guerra Fria, unificados sob a liderança de Washington, e a rejeitarem as sedutoras relações econômicas com os chineses, buscando alternativas para enfrentar solidariamente os problemas internacionais.

Claro, como convém em qualquer guerra (fria ou não), prodigalizou-se ataques (no caso, verbais) às malas artes da China, o inimigo número 1, e às da Rússia.

Registro que os russos foram tratados em segundo plano, pois, para a Casa Branca, o grande adversário é a China, além do moderno czar já ser um bicho papão conhecido e sancionado pela maioria dos países europeus. Apenas Macron, da França, e Merkel, da Alemanha, tem falado em uma desejável reaproximação com Moscou.

Biden deixou claro que a luta fundamental da era pós-pandêmica seria entre as democracias e as autocracias, férteis em violações dos direitos humanos, leis internacionais e brutalidades de alto nível. Referia-se à China, Rússia e apaniguados, caracterizados como ameaças à segurança das nações livres.

Considerar a Rússia uma ameaça não era novidade para nenhum dos parceiros do G7 e da OTAN.

Com a China, o caso é diferente. Houve estranheza na sua colocação entre as principais ameaças aos países da OTAN, já que se trata de uma organização de países do Atlântico Norte e imediações.

Como disse o primeiro-ministro Macron, da França, “não devemos confundir nossos objetivos. A organização respeita o Atlântico Norte, a China pouco tem a ver com o Atlântico Norte”.

Esse mal-estar repetiu-se no G7, afinal nos últimos 20 anos a China investiu 50 bilhões de euros no Reino Unido, 23 bilhões na Alemanha e 14 bilhões na França.

Por isso, segundo fontes anônimas presentes à reunião do G7, nem todos os chefes de Estado saíram satisfeitos com a ideia de se alistar numa guerra fria contra a China. A Alemanha, a Itália e a União Europeia temiam colocar em risco os bons negócios e investimentos do governo do presidente Xi Jinping.

Mas os EUA são mestres em persuadir aliados que os problemas de Washington são também problemas deles.

Aí, deu no que deu.

Justificando o posicionamento sinistro atribuído a Beijing, o comunicado final do G7 (assinado por todos os membros) critica a China por falta de transparência na investigação sobre a suspeita origem do Covid-19 (propondo nova investigação), intervenção estatal e práticas comerciais distorcidas. Como exemplos destas, digamos, anomalias, não constam do comunicado, não dá para jurar que são acusações verdadeiras.

Ainda aparecem no mesmo documento denúncias do desrespeito chinês aos direitos humanos especialmente em Hong Kong e em Xingiang, terra dos uigures.

Nada a opor, a democracia de Hong Kong está sendo mesmo duramente ferida pelo governo de Xi Jinpiang, que além disso, trata de forma brutal os uigures, se bem que faltam informações críveis sobre detalhes mais escabrosos como torturas e detenção com trabalhos forçados, atingindo até 1 milhão de membros desta minoria muçulmana.

Embora a China não seja apontada expressamente no comunicado final do G7, sua autoria em todas estas malfeitorias fica nitidamente evidenciada.

Acredito que a catilinária do G7 contra violações dos direitos humanos ficaria completa se incluísse a ocupação militar israelense da Cisjordânia, com privação do direito democrático dos palestinos a um Estado independente; a anexação por Israel da região síria de Golã, o que tornou seus habitantes estrangeiros no seu próprio país; a guerra, especialmente aérea, da Arábia Saudita aos houthis, que fez da crise do Iêmen a maior catástrofe humanitária do mudo, conforme a ONU.

Enfim, seria esperar demais do G7 e da OTAN, afinal guerra fria é guerra… e numa guerra os podres dos aliados costumam ser empurrados para baixo do tapete. Enquanto atos mesmo meritórios dos inimigos merecem duros ataques.

Diante desta lógica, os canhões do G7 dispararam contra a “Iniciativa Um Cinturão, Uma Rota” criada pelo governo do presidente Xi Jinping. Trata-se de uma série de investimentos, especialmente em transporte e infraestrutura, ligando a Europa, o Oriente Médio, a Ásia e a África, atravessando o Oceano Pacífico e o Oceano Índico e chegando ao Mediterrâneo.

A América Latina e o Caribe foram considerados pelo presidente Xi Jinping como extensão da sua inciativa.

Os recursos para viabilizarão do “Um Cinturão, Uma Rota” serão fornecidos pelo governo chinês, bancos do país e bancos internacionais. Estima-se que chegarão a 5 trilhões de dólares.

Somente a Itália entre os G7 aderiu ao “Um Cinturão, Uma Rota”, já tendo firmado 29 acordos com a China. Na Europa, o exemplo italiano foi seguido por Portugal, Bulgária, Croácia, República Tcheca, Hungria, Grécia, Estônia, Letônia, Lituânia, Eslováquia, Malta e Eslovênia.

De acordo com o comunicado final, esses países teriam feito um mal negócio. Entre outras razões, porque teriam caído na seguinte armadilha: a China acena com sorrisos, empréstimos a juros baixos e condições de pai para filho e os países pobres e médios entram de cabeça. Na hora de pagar o devido, eles não teriam como satisfazer os agora duros credores de Beijing. E, assim, a China ganharia uma grande ascendência sobre nações incautas, obrigando-as a aceitar injunções do antigo Império do Meio em seus assuntos particulares.

O argumento é interessante. O problema é que a maioria desses países já está amarrada por polpudas dívidas vencidas com os bancos do Ocidente.
Na pior das hipóteses, trocariam um suserano por outro.

Claro, todo esse raciocínio é ilusório. Não se conhece casos de ingerências chinesas nos assuntos internos dos países seus devedores.

Biden lançou um plano que supostamente tornaria as condições ocidentais mais atrativas: o B3W, “Reconstruir para Tornar o Mundo Melhor”.

Os 7 países mais ricos do orbe toparam participar desde plano cujo objetivo é “responder às tremendas necessidades de infraestrutura em países de renda média e baixa”.

O B3W enfatiza em sus futuras operações o meio ambiente, os esforços anticorrupção, o livre fluxo de informações e seus termos financeiros….até ali, beleza. Mas, causa dúvidas sua grande promessa: evitar que as nações beneficiárias assumam débitos excessivos.

Favorecer o meio ambiente, o combate à corrupção e o livre fluxo de informações são ideias até emocionantes, mas não vejo como possam tornar a proposta do BW3 mais atrativa aos países em desenvolvimento.
Tal tarefa caberia a termos financeiros eventualmente diferenciados, cujos detalhes o G7 não explica.

Seja como for, os países médios e pobres irão ganhar o direito de escolher, entre o B3W do Ocidente e o “Um Cinturão e Uma Rota” da China. Numa livre concorrência, o consumidor sempre sai bem.

Embora criticando o ambicioso projeto de Beijing e apresentando o B3W para concorrer com ele, quase todos os integrantes do G7 não pretendem rejeitar acordos econômicos com a China.

Sendo os chineses os maiores compradores mundiais de veículos Volkswagen e BMW, a Alemanha nem sonha em se arriscar a perder esse mercado.

A atual primeira-ministra Angela Merkel já fez vários pronunciamentos defendendo que a Europa deve seguir seus próprios caminhos. Daí o grande acordo comercial que celebrou recentemente com a China.

Além de ter aderido a “Um Cinturão, Uma Rota”, a Itália deve aos chineses o enorme envio de máscaras e ventiladores quando o país estava mergulhado no auge da pandemia. Agradeceu aos chineses, prometendo que seu auxílio jamais será esquecido. Mesmo porque os italianos precisam muito de investimentos, inclusive os de Beijing, para enfrentar sua torturante crise econômica.

A própria Inglaterra, eterna amiga de Tio Sam, só aceitou abandonar os equipamentos do 5G da Huawei chinesa depois de uma ruidosa discussão do seu primeiro-ministro com o então presidente Trump. Para muitos analistas, Johnson cedeu de medo de ficar sozinho depois do seu desligamento da União Europeia, através do Brexit.

Mesmo assim ele fez questão de não de mencionar a China nas suas declarações depois da reunião. E Macron, posteriormente, disse que “ o G7 não era um clube hostil à China (South China Morning Post – 15/06/2021).”

Na reunião do G7, Biden conseguiu a solidariedade de todos os membros do grupo na sua guerra fria com a China. Porém, em termos, sujeita à ditadura dos fatos.

Talvez com exceção do obrigatoriamente fiel Canadá e do Japão, os demais países do grupo não estão em condição de abrir mão dos vastos recursos trazidos pelos investimentos e compras chinesas.

Foi uma vitória apenas parcial para Biden.

Ele precisa admitir que um EUA sob o peso de um déficit superior a 25 trilhões de dólares (NeoFed, 09/05/2020) não é o mesmo da época em que seus empréstimos alimentavam a recuperação de países do mundo inteiro.

Washington não pode competir com os dólares que sobram na economia chinesa para ganhar a gratidão de um número crescente de nações hoje ávidas por empréstimos e investimentos da maior potência comercial do mundo.

Mas como negócios não são tudo na vida, lembro que os EUA continuam os líderes no poder militar e nas importações.

A primeira primazia pesa muito numa guerra, ainda que fria. E ninguém ousa desprezar o poderio econômico do mercado americano.

No BW3, que parece ser a grande cartada de Joe Biden contra Xi Jinping, os EUA vão precisar da colaboração financeira dos aliados do G7. Não creio que deva esperar muito das economias debilitadas da Itália e da Inglaterra. Canadá e Japão farão o que lhes for possível.

Estimular Macron e Merkel (ou seu sucessor) a abrirem suas burras com generosidade será tarefa difícil.

Não ajudará nada manter o abuso de sanções, típico de Donald Trump, punindo quem ousa contrariar interesses americanos.

Quando Trump sancionou países envolvidos na construção de um oleoduto russo, cujo produto superava a concorrência americana, explodiram protestos indignados de líderes europeus, especialmente da Alemanha.

Biden confirmou seu nefasto antecessor, ameaçando os participantes da construção de que se arriscavam a sofrer sanções dos EUA, devendo sair fora sem demora (CNBC, 18/03/2021).”

Felizmente dobrou-se à justa fúria germânica, dando o dito por não dito.

Em um caso semelhante, depois dos turcos optarem pelo Sistema antimíssil S-400 russo, em vez do Patriot americano, desafiando ameaças de Donald Trump, o secretário de Estado Blinken, do governo Biden, procurou amenizar a derrota: “É também muito importante que daqui pra frente a Turquia…evite compras futuras de armamentos russos, inclusive adicionais S-400.”

Estragou tudo, rugindo que, havendo desobediência, Biden aplicaria na Turquia as penas da lei americana, que punem países estrangeiros por comprarem equipamentos militares da Rússia.

O arrogante Erdogan, que detesta levar broncas, ficou furioso.

Posteriormente o auxiliar do presidente percebeu o mau efeito da sua imperiosa fatwa e, em reunião de recrutamento de países para a cruzada anti China, usou de panos quentes ao informar que “Os Estados Unidos não forçam seus aliados a escolher entre eles (os adversários) e nós”.

Só se for de hoje em diante.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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