Correio da Cidadania

Líder nas primárias democratas, Bernie Sanders é o adversário desejado por Trump

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Em setembro do ano passado, as pesquisas mostravam que o moderado Joe Biden estava 15% à frente do progressista Bernie Sanders, nas eleições primárias do Partido Democrata dos EUA.

Muitos acharam que ele deveria voltar para casa, enquanto Biden, o primeiro nas pesquisas, poderia ir preparando os discursos para a convenção nacional do partido, que lhe daria a missão de derrotar Trump nas presidenciais de 6 de novembro.

Para surpresa geral, no início de fevereiro, antes da primeira prévia democrata, em Iowa, os dois estavam praticamente empatados. Sanders venceu esse primeiro combate (empatado com Pete Buttigieg) e repetiu seu feito a seguir, em New Hampshire. Nas duas, Biden saiu-se muito mal.

A largada

Agora, depois das duas primeiras prévias iniciais, Bernie assumiu a liderança. O antes favorito Biden aparece comendo poeira, 4,4% atrás do adversário, segundo o Real Clear Politics, que apresenta a média dos resultados das pesquisas de seis diferentes instituições do ramo.

Alguns analistas consideram o ex-vice de Obama praticamente fora do páreo. Para eles o mau desempenho em duas regiões onde parecia bem posicionado (4º e 5º lugares, em Iowa e New Hampshire, respectivamente) tendem a influenciar negativamente as opiniões dos democratas nas próximas prévias.

Nas pesquisas de Nevada, a primeira, o ex-vice continua em primeiro, com 21% dos votos, contra 17,5% para Biden. Mas essas pesquisas foram feitas antes das duas prévias iniciais, não foram contaminadas pelos fracassos do político moderado.

Na Carolina do Sul, há um grande contingente de eleitores democratas negros, exatamente o público mais receptivo às suas mensagens. O Real Clear Politics dava ampla vantagem a Biden no seu duelo com o principal antagonista, Sanders: 31% a 18,5%.

No entanto, seu pessoal da campanha teme por resultados medíocres ou mesmo por uma derrota em Nevada, alternativas capazes de murchar o entusiasmo dele e de seus potenciais eleitores.

Há outros fatos que atrapalham os planos de Joe Biden chegar ao poder. A constante alusão à sua participação ativa nas ações e decisões do bem visto governo de Obama parece não estar mais pegando bem.

Quando não tem outros cargos na administração, vice, tradicionalmente, serve para substituir o presidente nas suas ausências. E, vá lá, executando missões já decididas e delineadas pelo presidente.

Sabe-se que Biden esteve no Oriente Médio para transmitir ordens de Obama e verificar in loco detalhes da situação. Ele também fez um ou outro discurso ou declaração pública, defendendo a atuação presidencial.

É pouco para se caracterizar coparticipação no governo Obama, para se falar em governo Obama-Biden, como a propaganda tem afirmado. E pior: ele perdeu seu principal argumento: ser o único candidato democrata capaz de dar conta de Donald Trump.

Pesquisa recente da Universidade de Quinnipiac revelou a cruel verdade: os estadunidenses acham que todos os principais adversários do ex-senador poderiam derrotar o atual habitante da Casa Branca.

E lembro que The Donald ainda mal focou aquele caso nebuloso, quando o então vice-presidente Joe Biden pressionou o presidente da Ucrânia para – pai amoroso – garantir o filé mignon do seu filho.

Ele deve estar armazenando esta bomba para lançá-la mais perto da eleição, quando seu efeito seria mais destrutivo.

Em favor do ex-senador moderado, contam o apoio do establishment do partido e seu grande prestígio junto ao eleitorado negro, que ele espera ser decisivo já nas prévias de Nevada e Carolina do Sul, onde essa minoria é bastante numerosa.

Mesmo que ganhe ali, não será o suficiente para repor sua condição de favorito.

Corrida disputada

Por estas e por outras, Biden espera com ansiedade a chamada super-terça, as prévias de 15 estados, em 6 de março, nas quais as pesquisas ainda indicam resultados possivelmente animadores.

Os moderados e conservadores do partido também estão ansiosos. Conforme os resultados da super-terça, vão decidir se continuarão com Biden ou o largarão no meio da estrada, optando por Buttigieg ou Bloomberg, pré- candidatos que agora estão pintando com boas chances.

Ex-prefeito de South Bend e gay assumido, Pete Buttgieg teve um crescimento espetacular em fevereiro deste ano. Durante muito tempo não passou do quarto lugar, longe do big three (Biden, Sanders e Elizabeth Warren). Outsider, ganhou tração em meados de janeiro e acabou em primeiro em Iowa (empatado com Sanders) e em segundo em New Hampshire.

E passou a ser olhado com respeito pelos analistas. Pensa-se que, embalado pelos dois sucessos iniciais, ele poderá tornar-se a grande surpresa das pré-primárias na reta final.

Buttigieg é jovem, tranquilo, bem apessoado, veste-se discretamente, lutou no Afeganistão e cultua o Natal, a família e o Dia das Mães (provavelmente tem um amado cachorro), na boa tradição dos jovens pais de família do Middle West, tal como apareciam nos filmes da Golden Age da Metro.

Tem ideias reformistas, porém sem exageros radicais. Por isso mesmo contestou os planos de Saúde e de Educação para todos (de Sanders e Warren) como irrealizáveis.

Pode ser classificado como um moderado, se bem que a certas alturas manifestou-se pelos direitos dos palestinos e contra os privilégios da Casa Branca dados a Israel, como as doações anuais de 3,1 bilhões de dólares. O que fez alguns jornais o chamarem de centrista com ideias de esquerda. É verdade que, diante da sua inesperada evolução nas pesquisas, achou mais prudente renegar esse tipo de ideias, consideradas pouco eficientes em termos eleitorais.

No entanto, suas arrancadas vitoriosas em Iowa e New Hampshire não o levaram a um lugar de destaque nas pesquisas gerais. Ele é pouco conhecido em geral e totalmente desconhecido pelos eleitores afro-americanos, em especial. E olhe que esta minoria representa 20% do eleitorado.

O Real Clear Politics mostra que Buttgieg, na mais recente pesquisa nacional, conseguiu apenas 10,6% das intenções de voto, o que o colocou em quinto lugar, escoltando o big three e até um estreante, o bilionário Michael Bloomberg.

O concorrente desleal

Ex-prefeito de Nova York muito elogiado, Michael Bloomberg é dono de uma fortuna calculada em 50 bilhões de dólares, que lhe permite promover uma campanha de propaganda tão volumosa que torna insignificantes as dos adversários.

Ele adotou uma estratégia extremamente criativa. Não está concorrendo às primeiras prévias, reservando sua entrada no ringue à super-terça, quando os pré-candidatos disputarão 1.080 delegados à convenção que indicará o candidato do partido.

No entanto, o bilionário candidato, por sinal o oitavo mais rico do mundo, já começou a bombardear o público com uma barragem de anúncios, filmes na TV e spots de rádio, promovendo suas qualidades.

Graças a seu bom retrospecto como administrador e principalmente (muito principalmente) a sua babilônica presença na mídia, Bloomberg apareceu em terceiro lugar nas pesquisas, com 14,2% de intenções de voto, ultrapassando Elizabeth Warren e Pete Buttigieg.

Biden sentiu sua posição de moderado favorito ameaçada, o que o levou a atacar Bloomberg, afirmando que “um ex-prefeito não pode comprar uma eleição (CNN Politics)”.

The Donald acha que até poderia. Por considerar o ex-prefeito de Nova Iorque um concorrente forte, tratou de alvejá-lo com um dos seus desabusados tuítes: “Mini Mike Bloomberg é um perdedor com dinheiro, mas não sabe debater, não tem nenhuma presença, vocês verão”.

Em outro tuíte mais ferino, o habitante da Casa Branca publicou gravação de 2005, na qual Bloomberg defendia uma política adotada pela polícia de Nova York de revistar cidadãos considerados por qualquer policial como possivelmente perigosos, que atingia em geral jovens negros pobres.

O bilionário candidato se defendeu, apresentando seu mea culpa. “I was wrong”, disse numa igreja de negros, lotada com muitas centenas de fiéis. Devidamente gravada, esta jogada publicitária foi espalhada por todo o país.
Funcionou, como sua posição nas pesquisas nacionais prova.

O fato de Biden e Bloomberg serem contemplados por Trump com seus tuítes parece mostrar que são eles os candidatos democratas que o presidente atual teme.

Quanto a Sanders e Buttgieg, The Donald considera perda de energia e de tempo ocupar-se deles, pois como afirmou um dos experts republicanos o povo não elegeria presidente nem um socialista, nem um gay. Bem, também se dizia que jamais elegeriam um negro...

A sensação

Bernie Sanders alcançou o primeiro lugar e não parece disposto a sair dali. Ele está consolidando sua liderança entre jovens brancos, norte-americanos com diplomas colegial e universitário, mulheres de um modo geral e hispano-americanos.

Sua posição, inicialmente fraca junto aos negros, vem melhorando dia a dia. Nas duas próximas eleições, em estados onde o eleitorado afro-americano é substancial, ele já disputa o primeiro lugar, em Nevada – empate técnico com Biden. E está ganhando terreno na Carolina do Sul, tendo reduzido a diferença em relação ao ex-vice de Obama de 15% para a metade desse número (pesquisa da Suffolk University).

Pesquisas nos dois mais importantes estados nas primárias da super-terça mostram o senador socialdemocrata vencendo no Texas e na Califórnia, aqui com enorme margem em relação ao segundo, a senadora Elizabet Warren.

Sanders possui certas vantagens bastante valiosas: é o único candidato cuja maioria dos eleitores afirma que já optou por ele e não mudará seu voto, com certeza; aquele que conta com um número maior de voluntários na sua campanha e quem recebeu o maior total de recursos (depois de Bloomberg, é claro), vindas de mais de 14 milhões de doadores.

Sua campanha tem consistência, é o provável democrata que tentará expulsar Trump da Casa Branca nas eleições de novembro.

A imprensa brasileira vem falando no grande momento do atual presidente, como se sua reeleição fosse líquida e certa.

Além de reiterarem o bom desempenho da economia e a queda radical do desemprego, apegam-se ao resultado de recente pesquisa Gallup, 49% de aprovação.

À pesquisa apontada como decisiva contrapõem-se cinco outras, de diferentes e experientes instituições, como a YouGov, Morning Consult, Harris X e as universidades de Quinnipiac e Monmouth. Em todas elas as desaprovações superam as aprovações, com uma margem média de 7%.

E tem mais: numa das últimas pesquisas da Universidade de Quinnipiac, Sanders derrotava The Donald por 51,5% x 43%. Mais: pesquisa Ipsos revelava que no eleitorado dito independente, 46% preferiam Bernie Sanders, enquanto apenas 28% optavam pelo cidadão ora refestelado nas poltronas macias da Casa Branca.

Estes dados são o retrato atual da candidatura Trump. Não quer dizer que a vitória de Bernie Sanders já esteja desenhada no horizonte.

O cenário

Caso consiga a indicação do Partido Democrata, o republicano voltará suas baterias contra ele. A munição de que dispõe é farta e de alta letalidade.

Ele deverá possivelmente lançar uma guerra santa contra a ameaça socialista, representada pela candidatura de Bernie Sanders.

Certo que o nome socialismo já não desperta horror entre os estadunidenses, veja-se o grande número deles que aplaude o líder progressista. Este sentimento pode mudar caso Sanders pareça perto de galgar as altitudes da presidência.

Uma coisa é um político honesto, expondo ideias um tanto avançadas e exageradamente generosas, numa campanha presidencial incerta. Outra coisa é esse líder pintar como o futuro presidente do país.

Com seu discurso hábil e populista, The Donald poderá inventar consequências da socialização da América, traçando o quadro terrível do país mergulhando no caos, provocado pelas estatizações e abandonando os valores tradicionais da pátria.

Ele não economizará críticas radicais aos planos “malucos” de Sanders de garantirem empregos, saúde e educação para todos (do berçário às universidades), com o dinheiro tirado às mãos cheias das contas das empresas e cidadãos honrados que enriqueceram, trabalhando por suas famílias e pela América.

Não é preciso ser nenhum Nostradamus para prever que o habitante da Casa Branca poderá pregar uma verdadeira cruzada, convocando os norte-americanos de boa vontade a lutarem contra o fantasma socialista, encarnado em Bernie Sanders.

Será difícil para o líder progressista conseguir convencer a maioria dos eleitores de que o apocalipse visualizado por Trump numa América socialista é fake, que pouco ou nada tem a ver com a realidade.

Até agora, The Donald parece achar que o bilionário Bloomberg e o moderado Biden têm mais chances de vencer as pré-primárias do que Sanders, estigmatizado por sua ideologia socialista.

Sorte do senador progressista, que, por ser considerado azarão, não tem sido brindado com os tuítes venenosos do magnata imobiliário.

Quanto mais demorar para se fazer luz no cérebro presidencial, mais tempo Sanders terá para construir uma blindagem sólida contra ataques fora da casinha. Não sabemos se poderá ser indestrutível.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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