Correio da Cidadania

Golpe contra o desenvolvimento e o povo da Bolívia

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A explicação é simples. A maior parte dos brancos pertence às classes alta e média alta, gente em geral profundamente inimiga do governo Morales. Como são apenas 15% da população boliviana, tendo a acreditar que os protestos representam apenas uma minoria.

A maioria, parte dos 55% indígenas e 30% mestiços, aparece em massa nas fotos e vídeos das passeatas e protestos pró-Morales, onde também há brancos, mas em pequeno número.

As elites e a maior parte da alta classe média jamais aceitaram que um mero indígena presidisse o país. Ainda mais porque ele favorecia preferencialmente a gente pobre de sua raça.

Como disse Nick Este, índio sioux e professor na Universidade do Novo Mexico: “durante o governo de Evo e do MAS, grande número da população de maioria indígena da Bolívia conseguiu pela primeira vez em suas vidas viver acima da pobreza. O progresso foi mais do que econômico. A Bolívia deu um grande salto em favor dos direitos indígenas” (The Guardian, 14-11-2019).

Não negamos que muitos dos que clamavam pela renúncia eram cidadãos sinceros na defesa de posições que acreditavam democráticas.

Mas os protestos mais retumbantes contra o governo Evo Morales vêm da população majoritariamente branca da rica região de Santa Cruz de la Sierra. Ela forma o Comitê Pró-Santa Cruz, de ultradireita, a grande força propulsora das manifestações anti-Evo, sob a liderança de Luiz Fernando Camacho. Esse milionário, cristão fundamentalista e conservador, pertence a uma família da elite dos latifundiários e empresários que perdeu muito dinheiro com as nacionalizações do gás e do petróleo, usadas por Evo para subsidiar seus vastos programas sociais.

A imprensa deu grande cobertura a Camacho quando entrou no palácio presidencial, levando em uma das mãos carta exigindo a renúncia do presidente e uma Bíblia, na outra mão.

Ele garantiu estar trazendo Deus de volta para o palácio do governo. Nos seus discursos, sempre invocando Jesus Cristo, ele costuma se apresentar como um portador das ideias divinas.

Usar a religião como estratégia de marketing parece um grave pecado, talvez um sacrilégio. O segundo mandamento, “Não tomar seu Santo Nome em vão”, é claro, não comporta interpretações falaciosas.

Jeanine Añez, autodeclarada presidente da Bolívia, compartilha o racismo com Camacho. Em 2013, ela tuitou: “Eu sonho com uma Bolívia livre dos satânicos ritos indígenas. A cidade não é para os indígenas, que deveriam ficar nas montanhas ou no Chaco”.

Por enquanto, os chefes militares blindam Jeanine, aceitando como legal a forma dela assumir o poder, dispensando eleições.

Na semana seguinte à renúncia, os partidários de Evo Morales partiram para protestos maciços em todas as regiões do país.

As forças de segurança entraram em ação com brutalidade, usando armas com munição real. Nada semelhante à relativa tolerância com que trataram os manifestantes anti-Evo, nas semanas anteriores ao golpe. Já mataram pelo menos 23 manifestantes e feriram mais de 600.

Enquanto isso, grupos violentos de milicianos encapuzados prosseguem queimando casas de pessoas ligadas ao presidente, mesmo a da sua irmã.

O próprio Evo não foi poupado. Sua casa foi depredada e saqueada.
Ninguém foi preso.

Na cidade de Cochabamba a repressão foi particularmente severa. Ali se reuniram milhares de manifestantes em passeatas, exigindo a queda da autodeclarada presidente e a volta de Evo Morales.

A polícia atacou, até mesmo com disparos à queima-roupa na cabeça, matando 8 manifestantes e ferido 115.

Em Santa Cruz de la Sierra, grupos marcham cantando “hay que matar collas” (alcunha pejorativa dos indígenas bolivianos) e, se topam com uma índia em trajes típicos, batem nela e a ameaçam, ordenando que desapareça da região (Pagina 12, 17-11-2019).

Michelle Bachelet, Alto-Comissária da ONU para Direitos Humanos, protestou contra a violência das forças da ordem, apelando para que o governo agisse com prudência.

E a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA condenou o “uso desproporcional da força militar e policial. Armas de fogo devem ser eliminadas dos meios utilizados para o controle dos protestos sociais”.

Inconformados com a deposição de um governo que os tirara da miséria em que viviam, massas de trabalhadores, especialmente camponeses indígenas, não entregaram os pontos.

Prosseguem as marchas de protesto e os bloqueios de rua e estradas, enfrentando o poderio desproporcional de soldados e policiais.

Tudo indica que o governo, sentindo-se amparado por apoios de Trump e dos regimes direitistas da América do Sul, não pretende admitir concessões sérias a seu povo em revolta e ao MAS, partido de Morales, ainda maioria no Senado e na Assembleia Legislativa.

No dia 13, a polícia ofereceu uma amostra grátis da nova era, impedindo que os senadores do MAS entrassem no Senado para fazer seu dever.

E, no dia 17, o governo anunciou decreto ameaçando de cassação 17 parlamentares desse partido, além de provável prisão como sediciosos.

Teme-se que o novo regime enverede pelos atalhos tortuosos de uma ditadura fantasiada de democracia, como é moda na América Latina de hoje.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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