Correio da Cidadania

“Na política brasileira, está em jogo, acima de tudo, repactuação do poder e estancamento da Lava Jato”

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A cada dia, a crise geral que abala o Brasil produz novos capítulos. A exemplo da delação da Andrade Gutierrez a respeito de possível propina na construção de Belo Monte, que deverá jogar mais água no moinho da cassação da chapa Dilma-Temer em 2014. Enquanto o desfecho ainda não se delineia, o Correio da Cidadania conversou com o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), um dos membros da Comissão de Impeachment.

 

“Acima de tudo, a crise é do modelo político e econômico brasileiro e, nesse momento conjuntural, se traduz em mera luta pelo poder. Mas na verdade o que está em questão é o Modelo Liberal Periférico. Tem-se o cenário de inflação, desemprego, desinvestimento e, consequentemente, queda de arrecadação dos entes federados e da própria União. É o ponto central. Se estivéssemos no cenário econômico de dois anos atrás não haveria possibilidade alguma de prosperar qualquer pedido de impeachment”, analisou.

 

Na entrevista, realizada enquanto o deputado transitava no plenário da câmara em meio ao que chamou de “festival de cinismo”, Chico Alencar lamenta o grau de rebaixamento atingido pela política brasileira e afirma que acima de tudo está em jogo uma repactuação do poder, que visa inclusive estancar a Operação Lava Jato.

 

“O Brasil é o país das transições intransitivas. O governo é péssimo, fazemos oposição, mas quem quer tirar a Dilma e por o Temer quer aplicar aquele velho princípio de mudar pra continuar como está. E inclusive quer obstaculizar a Lava Jato. Querem impor, eles mesmos, um novo programa de ataque aos direitos dos trabalhadores, desvinculação de receitas da União na Educação e Saúde etc.”, resumiu.

 

A entrevista completa com o deputado federal Chico Alencar pode ser lida a seguir.

 

Correio da Cidadania: Como avalia a crise política que sacode o Brasil e mantém o governo Dilma na paralisia? Qual a complexidade de todo esse quadro, numa visão de perspectiva também histórica?

 

Chico Alencar: Acima de tudo, a crise é do modelo político e econômico brasileiro e, nesse momento conjuntural, se traduz em mera luta pelo poder. Mas na verdade o que está em questão é o Modelo Liberal Periférico, dependente, que prioriza os ganhos do capital financeiro. Daí os valores estratosféricos da dívida pública, daí a própria Dilma vetar a auditoria da dívida, daí a queda dos preços das commodities no mercado internacional afetar tanto nossa dinâmica interna.

 

Assim, tem-se o cenário de inflação, desemprego, desinvestimento e, consequentemente, queda de arrecadação dos entes federados e da própria União. É o ponto central. Ninguém tem dúvida de que se estivéssemos no cenário econômico de dois anos atrás não haveria possibilidade alguma de prosperar qualquer pedido de impeachment.

 

Por outro lado, nosso padrão político com o atual Congresso, que se recusa a reformá-lo (tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado), é o mais rebaixado possível. Ele é voltado ao toma lá dá cá, aos interesses fisiológicos. O presidencialismo de coalizão obriga o presidente a negociar com esse Congresso pra ter maioria; há uma grande crise das lideranças, que não lideram e, salvo raras exceções, os partidos são todos fragmentados. Os partidos são mais escritórios de negócios pra disputar nacos do orçamento público do que agremiação com proposta, doutrina, visão de mundo, projeto de Brasil.

 

E no meio de tudo o poder do dinheiro avassala. A Lava Jato está desnudando tudo, o que é muito positivo. Apesar das inequívocas arbitrariedades do Sérgio Moro, é uma operação preciosa porque está colocando a nu o padrão e o modelo de financiamento da política no Brasil, que é corrupto e corruptor.

 

O imediato é a disputa pelo poder. O PMBD, que sempre participou de todos os governos, agora quer o governo por inteiro, para depois recompor o novo pacto das elites. Trata-se de um rearranjo. Setores econômicos mais poderosos, inclusive vinculados aos governos Lula e Dilma, agora pulam fora porque tal governo não lhes é mais funcional. E a Dilma tem dificuldade de articulação política, o que se soma à conjuntura de crise econômica, com seus elementos internacionais. Assim, todos aqueles que estiveram aliados aos negócios, Fiesp à frente, e participaram do neo-desenvolvimentismo que Lula e Dilma implementaram, agora abandonam o governo. Inclusive o BNDES foi o grande agente financiador de muitas obras dessas empreiteiras, no Brasil e no exterior.

 

Agora, ao lado de setores expressivos da grande mídia, estão todos “contra” e fazem uma poderosa articulação para colocar o Michel Temer lá. Mas nem de longe o PMDB é solução; é parte do mesmo problema.

 

Correio da Cidadania: O que pensa do processo de impeachment da presidente e o que comenta da comissão de impeachment, com mais de 30 parlamentares também investigados no comando dos trabalhos?

 

Chico Alencar: Dos 65 deputados da comissão, 38 são investigados. Por ações judiciais diversas, nem todos são processados por corrupção, diga-se. Mas um detalhe: o que vejo, agora mesmo aqui dentro do plenário, é um festival de cinismo. Tem notório corrupto indignado com a corrupção; tem legalista de primeira hora aprovando burlas à lei e à Constituição; tem gente que apoiou a ditadura, passou a ser democrata radical e acha que democracia radical é tirar a Dilma... O rito do impeachment de fato tem abrigo constitucional, mas é muita hipocrisia, haja estômago.

 

E o Brasil é o país das transições intransitivas. O governo é péssimo, fazemos oposição, mas quem quer tirar a Dilma e por o Temer quer aplicar aquele velho princípio de mudar pra continuar como está. E inclusive quer obstaculizar a Lava Jato. Acham que já “cumpriu” sua função, de colocar o carimbo de corrupção no PT (não sem razão), tirar a Dilma e dizer “chega”, porque depois o normal seria pegar tucanos, mais gente do PMDB etc.

 

A investigação não pode parar e tem de ir fundo, mas o pacto de rearranjo do poder implica também na contenção da Operação Lava Jato. Aliás, aquele procurador suspeito de ser contra o PT – Carlos Fernando dos Santos Lima – falou com todas as letras, em evento público em São Paulo, que se deve reconhecer que o PT, tão incriminando nas investigações, permitiu ao Ministério Público e à Polícia Federal agirem com mais autonomia, o que não ocorria há anos – palavras dele. E tem de ser assim, quem errou, quem se lambuzou, tem de pagar.

 

Correio da Cidadania: Como analisa a suposta saída do PMDB do governo e a postura do vice Michel Temer, dentro da dinâmica “rompe-não-rompe”, ministros que não entregam os cargos etc.?

 

Chico Alencar: É o PMDB. Por excelência o partido do poder no Brasil. O projeto nacional do PMDB é estar no governo. Sempre. Portanto, tem muita dificuldade em sair do poder. Quando declara formalmente que vai sair faz esse papel patético. É assim desde que acabou a ditadura e em toda a Nova República. Com exceção do Henrique Eduardo Alves, não saiu ainda.

 

Fica, de um lado, um acordão em torno do Temer, para uma nova configuração do poder, e de outro lado, o varejão que o governo faz pra sobreviver, oferecendo cargos a pequenos políticos e mantendo aqueles do próprio PMDB que não quiserem se desligar do governo.

 

Claro, de novo estamos falando do padrão atual da política. Mudar de governo não quer dizer mudar o sistema e tudo aquilo que gera tantos problemas ao Brasil de hoje.

 

Correio da Cidadania: E o que pensa, nesse sentido, da repactuação de cargos e ministérios pretendida pelo governo em favor de partidos como PP e PR, caso os ministros do PMDB realmente entreguem seus cargos?

 

Chico Alencar: É o rearranjo em parâmetros rebaixados. Não tem nada a ver com projeto ou programa. É puramente a tentativa de sobrevivência do governo, em situação crítica e necessitado de pelo menos 171 apoios no Congresso pra sobreviver ao impeachment.

 

E mesmo que a Dilma sobreviva terá de repaginar o governo todo. Assim, espero que nós e a sociedade consigamos avançar numa reforma política profunda, numa reforma tributária que taxe os mais ricos, o patrimônio, as grandes fortunas. Aí mudaria tudo.

 

Com Michel Temer, em vez de “Ponte Para o Futuro” (nome da agenda apresentada pelo partido), teremos uma Pinguela Para o Passado. Ataque aos direitos trabalhistas, prioridade do negociado sobre o legislado, retirada da indexação do salário mínimo ao crescimento do PIB... É o arrocho, a ortodoxia que Dilma tentou implantar ao lado do Levy durante 2015 inteiro. Foi aí que ela cometeu estelionato eleitoral em relação ao que disse na campanha. E o PSDB, ao se opor a tais medidas de arrocho e ajuste fiscal duro, também praticou estelionato eleitoral (risos).

 

Querem impor, eles mesmos, um novo programa de ataque aos direitos dos trabalhadores, desvinculação de receitas da União na Educação e Saúde etc. Obviamente, vai inclinar forças ultraconservadoras, a ultradireita parlamentar, assanhadíssima com o impeachment, o que significará muito mais repressão e tensão social.

 

O futuro não é nada promissor, qualquer seja a saída, embora nós do PSOL defendamos, em nome da democracia e não da Dilma, o cumprimento do seu mandato. Se teve caixa 2 e o TSE cancelar a chapa Dilma-Temer, tudo bem, é outro departamento. Mas o impeachment não tem sustentação política, jurídica ou orçamentária.

 

Correio da Cidadania: Quanto à oposição conservadora, como enxerga, mais especificamente, sua atuação neste momento, dentro e fora do Congresso?

 

Chico Alencar: Ela opera no passionalismo, na raiva, no ódio, mal escondendo sua reação às cotas, aos direitos das mulheres etc. Toda a pauta regressiva está subjacente. E vemos nas ruas e carros de som coisas muito reacionárias mesmo, com elementos de fascismo. Eu mesmo ouvi carros de som falando “vamos expulsar os socialistas e os comunistas do Brasil”, “vamos acabar com essa história de direitos homossexuais”, “vamos acabar com cotas pra botar negro na universidade”. São coisas que eu mesmo ouvi quando vieram protestar em frente ao Palácio.

 

Correio da Cidadania: E o que dizer sobre Eduardo Cunha, ainda pontificando na política parlamentar, mesmo diante de denúncias bastante robustas de recebimento de propinas, contas na Suíça etc.?

 

Chico Alencar: O Cunha na cadeira de presidente da Câmara é a nobre expressão do cinismo mais abjeto, das incongruências totais. Ele é réu, a cada dia surgem novas denúncias, como nessa própria quinta-feira. Ele tenta atrapalhar e obstruir ao máximo o Conselho de Ética, usa do cargo pra manipular tudo. E tem uma rede de cumplicidade com deputados, que devem alguma coisa pra ele, que é impressionante. Eduardo Cunha deslegitima as funções da Câmara dos Deputados, é uma coisa vergonhosa. Algo que chancela o chamado cretinismo parlamentar.

 

O pior é que ele não reconhece nada, não fala nada, simplesmente se dá ao luxo de ignorar todas as críticas e denúncias pesadas. Quando subimos à tribuna falamos do “deputado-réu” e ele vira de costas, fica digitando no celular, fingindo que não é com ele... Eu nunca vi isso. Mas é claro que não tem o menor futuro. Pode até demorar, mas ele não tem o menor futuro como figura pública e já está indo para o lixo da história. No entanto, já fez um estrago.

 

Correio da Cidadania: A Operação Lava Jato tem cheiro de pizza?

 

Chico Alencar: Ela incomoda todo o sistema político, seja governo ou a oposição de direita, conservadora. O sonho de todos é que ela pare, deixe de avançar. Mas pode contribuir muito.

 

 

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Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.

 

 

Comentários   

0 #1 Salto para o PassadoPedro Augusto Pinho 10-04-2016 09:43
SALTO PARA O PASSADO

Na História do Brasil, de João Daniel Lima de Almeida, editada pela Fundação Alexandre de Gusmão, lê-se, à página 21, uma interessante observação: “na República Velha, todo o Congresso, e não apenas uma bancada, era ruralista”. Nosso País vem lutando, desde os movimentos tenentistas dos anos 1920, para ter um Estado Industrial Moderno.
Incrivelmente, nossa sociedade, principalmente a desinformada classe média, nunca se deu conta desse atraso, que ressalta hoje, aos olhos de todos, com a ação do que chamarei Projeto Lava Jato, um salto para o passado. Esta operação, já denunciada em blogs e alguns noticiários como elemento da geopolítica dos impérios coloniais, centrou sua ação na maior empresa brasileira, detentora de tecnologia própria e ímpar para a produção de petróleo, na engenharia nuclear, área estratégica do mundo contemporâneo, e nas engenharias civil, de construção naval, de montagem industrial, capacitadas a enfrentar a concorrência internacional com êxito, com o sempre velho pretexto da corrupção, e nada mais objetiva do que dar um outro golpe no Brasil Industrial.
Para isso conta com uma estrutura de poder arcaica, mercantilista, rentista e, como no Brasil Colônia, do protagonismo da propriedade fundiária. Esta é a estrutura do Congresso Nacional, diferente da representação de nossa sociedade em que mais de 75% da população constitui-se do que Jessé de Souza chama ralé e que designo por pobres e miseráveis. Pois são os 24%, dos diferentes níveis das classes médias, somados aos menos de 1% dos “endinheirados”, dentro e fora do País, que lá se encontram.
E o que pretendem, ao meio de uma nova “crise” do capital financeiro internacional? Impedir o pequeno passo da inserção social da ralé, o processo de contemporaneidade econômica e a integração do Brasil no sistema que busca seu lugar no mundo atual: os BRICS.
São os BRICS, os “bolivarianos”, cuja conceituação é elástica bastante para incluir a Bolívia e excluir a Arábia Saudita, e alguns países africanos desenvolvimentistas que se rebelam contra os “donos do mundo”, na expressão do economista Marcos Coimbra, e que chamo de sistema financeiro internacional.
Há portanto em nosso País uma luta às claras entre o desenvolvimento político, social, econômico e administrativo e o retorno à dominação estrangeira e à aniquilação industrial, tecnológica e mesmo intelectual brasileira.
O pedido de impeachment da Presidente Dilma Rousseff é, ainda que de importância extraordinária, apenas uma batalha desta guerra.
É claro que todas as batalhas são importantes, mas vencendo esta temos que iniciar, de imediato, a nova batalha para construir um Estado forte.
Lembrem os leitores que nos anos 1990 era uma heresia, um motivo de suspeição ideológica (!) não apoiar o Estado Mínimo, o pensamento único (sic), o estado neoliberal.
A que levou este conjunto de soberania do “mercado” senão ao desemprego, a começar na maior potência capitalista, à miséria no continente colonial europeu, às guerras, aos imigrantes, que não se limitam ao Oriente Médio e África, mas se espalham pela Ásia, e à retração quando não à extinção de direitos sociais e previdenciários.
É verdadeiramente isso que está em disputa, neste momento, na política partidária brasileira, com surpreendentes, mas explicáveis, apoios a um e outro lado. Há indiscutivelmente aspectos jurídicos, tecnicalidades administrativas, interpretações constitucionais, mas, acima de tudo, temos o continuar do caminho do desenvolvimento ou novamente um passo para o passado.
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado.
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