Correio da Cidadania

Método para curar medos

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Medo azedo, que começa cedo e vai noite adentro, como se cura?

 

Medo de penedo, de cair bêbedo, medo de bicharedo, como se cura?

 

Medo de paralelepípedo, medo de segredo, medo de bruxedo, como se cura?

 

Medo cruz-credo, medo do degredo, medo com todos os enredos, como se cura?

 

Medo de dedo em riste, medo de folhedo triste, medo até de inofensivo chiste, como se cura?

 

E medo de ter medo, como se cura?

 

Busquei vários métodos para curar meus medos. Cantei para espantar os males, mas os males voltaram quando fiz silêncio. Rezei para exorcizar meus medos, mas eles voltaram quando perdi a fé. Dei a volta ao mundo para despistá-los, e eles me encontraram quando voltei ao ponto de partida. Medos não têm receio de perseguir o medroso. Perseguem, sem dó nem piedade.

 

Todo medo se cura quando se perde o medo do conhecimento — conhecer as horas e suas vírgulas, conhecer as notas musicais, conhecer o pulo do gato e o gosto do vinho, conhecer o tamanho da queda, conhecer as pedras do caminho, conhecer o medo que o prepotente tem de ter dor de dente como qualquer um pode ter um dia... Conhecer, em suma, que tudo tem cura.

 

Até mesmo tem cura aquele medo profundo que há em todo mundo, o medo da coisa mais impura, da mais insana loucura, da mais escura tontura, da mais agoniante afogadura, de tudo o que é censura, baixura, queimadura, medo de tortura, tesoura abrindo a alma da nuca à cintura. Até mesmo tem cura esse medo de tamanha tremedura.

 

Medo se cura com conhecimento do medo, conhecimento do próprio abatimento, conhecimento do açoitamento, de cada momento da vida em seu doloroso andamento, conhecimento das artimanhas, das ciladas, de tudo o que se esconde no quase nada, conhecimento dos outros e, sobretudo, desse outro em que mora o medo, e esse outro sou eu mesmo.

 

E como se faz esse autoconhecimento?, todos perguntam, morrendo de medo. Não, não é no espelho que eu me conheço, nem pedindo aos outros opinião. É nos livros que eu leio, é neles que eu me conheço, é neles que perco toda a ilusão, tendo consciência da ciência que tenho, tendo uma visão sobre a visão que vejo, escrevendo sobre o que eu leio nas minhas leituras — e esse conhecimento cura!

 

Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.

 

Website: http://www.perisse.com.br/

 

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Comentários   

0 #4 tenho medo de dirigirEunice.Rodrigues 12-05-2010 18:08
Tenho muito medo de dirigir tirei minha carteira de habilitação há dois anos e não consigo pegar no carro você acha isto normal?
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0 #3 SÚPLICAAna Tereza de Almeida Camargo 30-04-2010 21:26
O medo emudece/ O medo se esconde na moita/ O medo deixa miúdo/O medo magoa a alma/O medo mingua a vontade/ O medo demove a coragem/ O medo mina intenções/O medo mata consciências/O medo mutila o ser/ Oh,Dome o Medo!
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0 #2 Ezio Rocha 16-04-2010 20:26
Houve uma época em que não se tinha medo de uma porção de coisas. Havia medo, sim. Mas o medo era de poucas coisas.
Houve uma época em que não se tinha medo de cantar. Geraldo Vandré cantava. Caetano cantava. Raul Seixas cantava. Milton Nascimento cantava. Hoje não precisa de medo para cantar porque não tem canto em lugar algum.Hoje precisaria de vergonha para não cantar, mas o povo perdeu essa vergonha e com ela a cultura.
Hoje não temos mais lampiões e as velas do catolicismo estão se apagando. Restam alguma velas nos terreiros a luz foi cortada e a juventude se orienta através de vagalumes de cigarros proibidos ou pelo olfato dos cheiro ilegais.
Não temos mais queimadas, a não ser de florestas incendiadas. Não temos mais jogos de bolitas ou burquinha, como denominávamos na época em que os cavalos patinavam e os soldados malvados caiam.
É! A Dentadura foi responsável pelos ossos do medo. Trinta anos sem poder roê-los. A Max do maxilar foi instituída e assim o Medo torneou-se um Hércules em todos os sentidos da vida humana, principalmente dessas últimas gerações.
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0 #1 O medo e seu antídotoLuiz Paulo Santana 15-04-2010 09:10
Professor Perissé: Ler, Pensar, Escrever, é preciso repetir sempre a sua frase síntese.
A funcionária lá de casa está doente. Procurou o INSS com medo de falar com o doutor. Sobretudo, com medo do que ia ouvir. Foi, voltou, desorientada. Estive com ela. Não sabia dizer-me o que houve, qual o diagnóstico (?), o que deveria ela fazer. Ela é analfabeta funcional. Tem medo de tudo.
Não sabe de leis, direitos e deveres, desconhece cidadania. Essa é a pior doença, que desencadeia o medo. Não saber.
Tive de acompanhá-la às conversas, como a uma criança, fazer as perguntas que ela, por medo, nem pensou em fazer, ora, já se viu, questionar um médico.
Bater o pé para ser atendida? Mas nem lhe passa pela cabeça. Cabeça baixa, vai pra casa e lamenta as dores do mundo e morre de medo.
A pior doença, não tenho a menor dúvida, no Brasil e no mundo: a ignorância. E o medo que ela desencadeia.
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