Faça o que eu digo, não o que eu faço
- Detalhes
- Luiz Antonio Magalhães
- 11/02/2008
O assunto da semana continua sendo o uso de cartões corporativos na administração pública. Depois do estardalhaço feito pela grande imprensa, cada vez mais udenista, sobre os gastos dos ministros e altos funcionários do governo federal, a opinião pública ficou sabendo que também os governos estaduais utilizam esta modalidade para realizar compras e sacar dinheiro na boca do caixa. A partir de um requerimento da liderança do PT na Assembléia Legislativa de São Paulo, apareceu o montante gasto pela gestão tucana do impoluto governador José Serra (PSDB): para surpresa de muita gente, o valor supera os gastos federais (R$ 108 milhões nos cartões "bandeira-Serra" contra R$ 75 milhões nos cartões "bandeira-Lula").
Quem primeiro publicou os gastos do tucanato paulista foi o jornalista Paulo Henrique Amorim, em seu site Conversa Afiada. Os jornalões de São Paulo não tiveram como esconder a notícia, sob risco de desmoralização, mas a diferença na cobertura foi notável. Ao contrário do que ocorreu com os gastos federais, a farra dos cartões de Serra foi apresentada de forma bem mais sóbria e com amplo espaço para as explicações do governo paulista. Explicações estas que, é bom notar, não se sustentam: os tucanos correram para dizer que "não existe cartão de crédito" na burocracia paulista, o correto é dizer que são "cartões de débito". Em seguida, o secretário da Fazenda de Serra afirmou que os gastos se referiam apenas a compras de vale-transporte e combustível para viaturas policiais e ambulâncias. No dia seguinte, porém, começaram a aparecer algumas das despesas, que incluíam compras na finíssima loja de Presentes Mickey, refeições em churrascarias e outros mimos. Os jornalões até publicaram tais informações, mas com destaque bem menor do que o que foi dado aos gastos com a tapioca do ministro dos Esportes ou do free-shop da ex-ministra Matilde Ribeiro.
Outra explicação ridícula do governo estadual diz respeito aos saques na boca do caixa, tão questionados pelos tucanos e jornalistas alinhados à oposição. A nota oficial do governo Serra, divulgada na quinta-feira passada, diz que esses saques obedecem a uma rígida regulamentação e têm correspondência em notas fiscais para comprovação dos gastos, que seriam auditados pelo Tribunal de Contas do Estado. Ora, é o mesmo processo que ocorre no governo federal - há notas para as despesas em cash e as contas também são auditadas, pelo Tribunal de Contas da União. É possível que esteja mesmo tudo certo com as despesas em dinheiro vivo do governo de São Paulo, ninguém duvida, a priori, da lisura dos tucanos no trato da coisa pública. A questão, porém, é que a prática do governo paulista de também permitir os saques acaba com o discurso pseudo-moralista dos jornalistas alinhados com a oposição e dos líderes tucanos em geral, que questionavam justamente a possibilidade de os funcionários federais sacarem dinheiro na boca do caixa.
Ainda há muito que contar sobre os cartões do governo paulista. As reportagens da Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo até agora não responderam a algumas questões fundamentais: qual (ou quais) a(s) bandeira(s) dos cartões do governo Serra? Como foi feita a escolha da operadora? Em caso de atraso no pagamento da fatura, a operadora cobra juros do governo estadual? E sobre as operações de saque, é cobrada alguma taxa?
A maior novidade desta semana, porém, será a revelação de que Fernando Henrique Cardoso, ele mesmo, também faz uso de pelo menos um cartão corporativo "bandeira Lula". O funcionário da presidência da República Eduardo Maximiano Sacillotto Filho, colocado à disposição do ex-presidente, é titular de um cartão corporativo federal e o utiliza para abastecer os automóveis de FHC. De 2004 até hoje foram gastos R$ 47 mil, sempre no mesmo posto de gasolina de Higienópolis, segundo a coluna do jornalista Cláudio Humberto. Fazendo as contas, dá quase R$ 1 mil por mês, o que faz crer que Cardoso jamais pagou combustível do próprio bolso. Que ele tenha direito à segurança e um pequeno staff por ter ocupado a presidência, faz sentido, mas que o contribuinte pague a sua gasolina já é algo mais difícil de entender.
No fundo, os políticos do PSDB - José Serra e Fernando Henrique em particular - acham que estão acima do bem e do mal e que não devem explicações a ninguém. Agem como se o questionamento de seus atos representasse uma ofensa mortal. Seria bom os tucanos se acostumarem: democracia é assim mesmo...
Luiz Antônio Magalhães é editor de política do DCI e editor-assistente do Observatório da Imprensa (http://www.observatoriodaimprensa.com.br/).
Blog do autor: http://www.blogentrelinhas.blogspot.com/
{moscomment}
Comentários
Mas muito me admira o o senhor FHC esteja nesse meio e da maneira mais podre ainda se utilizando de um funcionario para obter previlegios. E tem gente que ainda fica puto quando afirmo que esse modelo de democracia brasileira ha muito estar superado.
Que moral têm para criticar Fidel e Chaves?
Querer jogar nas costas do governo federal, é uma tremenda injustiça. O que a oposição tentará fazer, é tornar ingovernável este 2o. mandato, como o fizeram no 1o. mas, não vão conseguir. O Lula tem estratégias para impedí-lo.
Sobre os cartões, não pode haver abusos, tem que ter disciplina e determinar os tipos de gastos. Que se publique tudo.O povo exige transparência e ética.
O Arthur Virgílio diz que ninguém o impede de ver os gastos do presidente da Republica. Até acho que ele está certo, vamos fazer uma auditoria nesses gastos, mas vamos ver também os gastos dos ex-presidentes que possuem o tal cartão, inclusive o do seu ídolo-mor FF.HH.
Leonina Schiavo.
Tem gente que ainda acredita... a pergunta é: até quando?
Assine o RSS dos comentários