Correio da Cidadania

Povos Originários lutam contra o marco temporal

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Povos Originários lutam contra o marco temporal
Foto: tirada da página da APIB no Facebook

Sem qualquer surpresa a Câmara dos Deputados aprovou por 283 a 155 votos a lei que define só ser possível demarcar terras indígenas que estivessem ocupadas em 1988, ano em que foi promulgada a mais recente Constituição do Brasil. E mais, caso alguma terra ocupada hoje pelos indígenas, que não estivesse ocupada em 1988, com a lei pode ser passível de despejo dos povos que lá estiverem. Ou seja, mais terras para passarem às mãos dos latifundiários.

Essa foi a proposta que perpassou todo o governo de Jair Bolsonaro que desde o primeiro dia jogou duríssimo contra os indígenas, desestruturando praticamente todas as instituições governamentais que cuidavam desse tema. No seu tempo de mandato ele não conseguiu passar a lei do marco temporal, mas agora, com o pleno da Câmara tomado por deputados conservadores e servis à classe dominante, o projeto passou fácil. O próximo passo é o Senado, cuja conformação não difere muito da Câmara. Não vai ser fácil.

O tema do marco temporal também está em discussão no Supremo Tribunal Federal desde há anos e foi justamente a lentidão em julgar o caso que atiçou a ganância dos fazendeiros e mineradores, articulados então agora com os seus comandados no legislativo. Infelizmente, o Congresso Nacional brasileiro tem um número ínfimo de representantes dos trabalhadores e da maioria da população. O que comanda são os grupos de poder bastante conhecidos como os da bancada do boi, da bala, da bíblia. Nada de novo também já que no capitalismo a ditadura é do capital. Isso significa que o tema só caminha se rola dinheiro.

O marco temporal é um ataque no coração da luta indígena porque simplesmente colocará por terra uma série de retomadas feitas depois que o movimento dos povos originários cresceu em organização. Ao definir que só podem ser demarcadas terras ocupadas por comunidades antes de 1988, abre-se a possibilidade de recuperar uma parcela significativa do território conquistada pelos indígenas em infindáveis batalhas. É tudo o que fazendeiros e mineradores querem, preparados que estão para explorar as terras em seu benefício. É sabido que as terras em mãos dos indígenas são ricas em minerais bem como protegem o bioma dos espaços onde estão, e proteção é coisa que fazendeiros e mineradores abominam.

A luta dos povos originários contra o marco temporal trabalha com o argumento de que até a Constituição de 1988 as comunidades indígenas estavam vivendo sob intenso ataque de grileiros e até do Estado, visto que durante a ditadura civil/militar foram inúmeros os casos de expulsão, violência, tortura e desaparição de indígenas, fazendo com que muitas comunidades tivessem de sair de seus lugares de origem e vagar pelo território em fuga. Isso não é discurso, é fato, documentado e comprovado. As décadas de 1960 e 1970 foram de quase extermínio dos originários, a ponto de um estudioso do porte de Darcy Ribeiro ter vaticinado o desaparecimento das etnias. No final dos anos 1970 os indígenas eram pouco menos de 200 mil.

Foi só depois do fim da ditadura que os povos originários começaram a fortalecer suas organizações de luta e tanto que chegaram a conquistar muitos direitos na chamada “Constituição Cidadã”. E, claro, na medida em que os espaços foram se ampliando os territórios foram também sendo retomados, o que torna óbvio o fato de que muitas etnias só recuperaram seu lugar originário depois da promulgação da Constituição. Ou seja, por conta da violência contra elas, estavam fora de seu território. Por isso mesmo que a tese do marco temporal é injusta e perversa.

A intenção do Congresso, dominado pelos vende-pátria, é retirar os indígenas de seus territórios e já ir se apossando das terras. Pouco estão ligando para uma possível reversão da lei caso o STF julgue que o marco temporal não tem sentido. Esperam é claro, que o debate no Supremo siga lento e aí, eles vão passando a máquina e tirando tudo que podem.

Os indígenas fazendo o que fazem há séculos: resistem e lutam. Agora ainda tem o Senado e depois a lei pode ser vetada pelo presidente. Então, a turba do agromineronegócio vai ter de esperar.

Com os originários estamos, contra o marco temporal.

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Elaine Tavares

Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC

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