Correio da Cidadania

Peru, um começo difícil

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Marcha de apoyo a Castillo para que el Congreso peruano apruebe el Gabinete  - Tiempo Argentino
No Peru as eleições parecem não ter acabado. Ainda que Pedro Castillo tenha vencido e assumido o cargo, a oposição, a mídia e os inimigos de qualquer proposta mais à esquerda agem como se o novo presidente não tivesse qualquer capacidade para governar. Os ataques tem sido sistemáticos e a luta de classes se apresenta nas ruas, nos gabinetes, na vida cotidiana.

Mas, o confronto não vem só da direita tradicional, a batalha por cargos entre os aliados e a necessidade de atender as alianças realizadas para vencer as eleições também trazem prejuízos para o novo governo. Além de lidar com os inimigos há que rebolar para não perder apoio.

A primeira queda de braço de Pedro Castillo foi indicar o sociólogo e ex-guerrilheiro do ELN, Héctor Bejar, para o Ministério das Relações Exteriores. A gritaria da direita foi grande e imediatamente a imprensa passou ao ataque, inclusive divulgando entrevistas antigas de Bejar, nas quais ele falava sobre a ação da Marinha peruana na escalada do terrorismo no país, comentando o ataque feito a barcos pesqueiros peruanos em 1977.

Pronto. As declarações viraram prato do dia para fritar o ministro. Os militares se levantaram em protesto e o discurso contra o comunismo – que já fora uma arma de campanha – voltou à baila. Acusado de terrorista, Bejar acabou renunciando ao cargo sem completar sequer um mês no ministério. É importante registrar que o Exército de Libertação Nacional não foi uma célula terrorista, mas uma organização de luta, articulada com vários outros movimentos de libertação que existiram na América Latina nos anos 1960 e 1970.

A demissão do ministro não apaziguou s forças armadas nem a direita. Pelo contrário. Sentiram que a pressão poderia funcionar e a lógica tem sido desgastar cada membro do novo gabinete de governo, a ver se causa o mesmo efeito. Não bastasse isso seguem organizando marchas e manifestações contra Pedro Castillo, acusando seu governo de comunismo e que, por conta disso, vai destruir o país. Não tem sido muito fácil governar, porque a cada minuto há um incêndio para apagar.

Para piorar a situação o Congresso, que tem 15 diferentes forças e é dominado pela direita, igualmente tem feito de tudo para paralisar o governo. Em 15 dias de governo apresentou 19 moções questionando pelo menos sete ministros nomeados.

O chamado “Coletivo Cidadão pela Democracia” chamou uma manifestação para quinta-feira (26) que visava defender o Congresso do terrorismo, ou seja, um inimigo totalmente inexistente, a menos que se possa chamar de terrorismo o que a mídia e a direita estão fazendo. E aí, no caso, não deveriam estar lutando contra eles mesmos. A intenção é tumultuar ainda mais o processo e apoiar os deputados de direita que querem desconhecer a legitimidade do gabinete de governo. A maneira de agir da direita peruana segue a fórmula já manjada de Steve Bannon, e que é bastante usada no Brasil pelo presidente atual, que é de criar factoides diários para manter a população distraída.

Por outro lado, as forças aliadas ao presidente Pedro Castillo não estão paralisadas e também estão convocando o povo às ruas para o mesmo dia, 26 de agosto, visando disputar o discurso no mano a mano. Eles devem sair em marcha exigindo que o Congresso pare de obstruir o governo e em luta pela nova Constituição, pedra de toque do novo governo e desejo da população.

Resta agora ver como Pedro Castillo e sua equipe vão reagir aos ataques que partem de todas as direções. Até mesmo o jornalão direitoso El País, que tem boa inserção na América Latina, vem se somando ao discurso de que Pedro está fazendo um governo tíbio e que as incertezas tomam conta do país. A mídia, como sempre, age como um braço armado poderoso.

Enquanto o Congresso obstrui as pautas e a mídia grita, o presidente tem feito a sua parte. Já realizou encontros com os empresários locais tentando amarrar acordos, e por conta do disparo da inflação, aprovou um bônus, o Yanapay (que quer dizer solidariedade em quechua), que garante de imediato 350 soles (85 dólares) para famílias com mais de um adulto e 700 soles para as que têm apenas um provedor. Isso vai beneficiar mais de 13 milhões de peruanos que vivem na pobreza.

As marchas do dia serviram de termômetro inicial para que o governo avalie como seguir atuando. De qualquer forma uma pesquisa recente dá conta de que mais de 56% dos peruanos querem que o Congresso aprove o gabinete de governo e deixe o presidente trabalhar. Cabe a Pedro e sua equipe definir a quem vai ouvir.

Elaine Tavares

Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC

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