Correio da Cidadania

O tempo da confusão

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Li há pouco tempo o longo artigo de Jimmie Moglia sobre a política estadunidense interna e externa. A que está em curso com Trump e a que vem com Biden. Segundo ele, tanto um quanto o outro trabalham firmemente com a nova modalidade de poder que veio montada na emergência das atuais plataformas de comunicação: a da confusão.

Moglia diz que o país caminha em meio a bombardeios éticos, mísseis terapêuticos, assassinatos democráticos e uma espécie de imperialismo humanitário. “Mesmo o raciocínio mais perspicaz pode ser facilmente confundido com tudo isso, enquanto o mítico cidadão comum, perdido no labirinto mental das notícias, sente como se tivesse tropeçado na escuridão absoluta de um universo sem estrelas. Não se pode negar que a confusão é a matéria-prima do poder”.

Sobre algumas confusões bem visíveis ele aponta: como é possível demonizar a China se os EUA compram tudo o que ela produz? Como pode a Suprema Corte dos EUA se recusar a investigar a acusação de fraude nas eleições se é a Suprema Corte que tem de fazer isso? Isso gera uma confusão tremenda na cabeça do sujeito comum, que fica perdido em meio a tanta contradição. O absurdo desaloja e é muito mais sedutor que o medo.

A partir dessas reflexões do escritor estadunidense pode-se pensar o Brasil e a política atual. A lógica parece ser a mesma. Basta acompanhar o cotidiano das declarações presidenciais. Ora está com Covid, ora não está. Ora fala dos planos para vacina, ora fala que quem vacinar vai virar jacaré. Num momento diz que vai mudar tudo o que está aí, e no outro investe na mesma política de sempre do toma lá, dá cá. Tal e qual os EUA fala mal da China, mas compra tudo o que há.

Da mesma forma age a chamada esquerda liberal. Fala mal do Bolsonaro e se alia com o que há de mais podre no Congresso. Critica as ações governamentais, mas não convoca o povo para protestos. Na mídia, igual. A Globo critica Bolsonaro, mas apoia Guedes. Faz discurso antirracista, enche a tela de negros, mas não discute o processo que leva ao racismo. Na verdade, o que está em jogo é a potencialidade de consumo. Se negro consome põe o negro na tela e finge ser pró-diversidade. Tudo aparece muito confuso, em todos os campos.

Essa política da confusão não é coisa de agora e nem tem a ver com as novas tecnologias. Como bem já escreveu nosso filosofo maior, Álvaro Vieira Pinto, as tecnologias não têm vida própria. Elas são criadas e comandadas pela mão humana, pela dinâmica social. E a mão humana que conduz a confusão é a que quer manter-se firme no poder. Essa lição já foi ditada pelo presidente estadunidense Harry Truman logo depois da segunda grande guerra quando os EUA consolidaram sua postura imperial: “se não podes convencer, confunda”.

Hoje, com o advento das redes sociais essa confusão ficou ainda mais disseminada. Qual criatura comum pode discernir o que é mentira e o que é verdade nas redes? Os programas de alteração de voz e de rosto já são de domínio público e enquanto alguns brincam colocando seu rosto no Capitão América ou na Mulher Maravilha, a política do poder vai manipulando outras faces. A linha entre a realidade e a invenção não está tênue, ela sumiu. E enquanto as pessoas se debatem na confusão, a mão dura reina.

A pandemia e a Covid-19 também têm se prestado às mais estapafúrdias confusões. Um médico na TV diz que a Ivermectina previne. Outro médico diz que isso é bobagem. Um especialista diz que a máscara previne, outro diz que é bobagem. Um jornalista famoso diz que os hospitais estão lotados, outro diz que não. Tudo está sob suspeita. E afinal, quem diz a verdade? Ninguém sabe, não importa. O que importa é manter todo mundo nesse estado catatônico de confusão.

É assim, nesse universo de confusão, que vão se desenvolvendo as teorias mais alucinantes como a da grande transformação mundial na nova era de Aquário, quando virá um enviado de deus (Trump) para, com seu exército (o dos EUA), comandar os exércitos amigos de todo o mundo, instaurando um planeta sem comunismo, essa doença gayzista, cujo grande líder é o filho de Satã, o Papa Francisco. Quem pode com um enredo destes?

Cada leitor poderia aportar algum exemplo dessa política da confusão que se dissemina pelo mundo. Tudo com um único objetivo. Manter o rebanho quieto e seguir abocanhando os lucros. Logo, por baixo da aparente balbúrdia babélica, há uma verdade pétrea: no capital não se mexe. Tudo para os capitalistas que comandam o mundo; confusão + dominação para o restante. Ou seja, segue como dantes no quartel de Abrantes. A dominação pela força, pelo medo, pela sedução ou pela confusão, tudo conforme o freguês.

Portanto, a dica é: mantenha-se calmo e siga o dinheiro. É lá que mora a razão de todas as coisas no capital. Veja que não é sem motivo que as grandes fortunas aumentaram mais de 30% durante a pandemia. O capital, voraz, não perde. Ele vai se adequando, se adaptando, cooptando nossas bandeiras. Olho vivo! Não se confunda. O inimigo é o capital e contra ele temos de travar nossa mais longa e feroz batalha.

 

Elaine Tavares

Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC

Elaine Tavares
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