Por que a fotografia é importante?
- Detalhes
- Cassiano Terra Rodrigues
- 24/02/2023
“Não há nada pior do que uma imagem nítida de um conceito confuso”.
Ansel Adams (1902-1984)
“Fotografia de política tem muito mais de futuro do que de passado”.
Orlando Brito (1950-2022)
Em uma conhecida reflexão sobre a fotografia e o cinema, o filósofo estadunidense Stanley Cavell chama a atenção para um fato: diante de uma fotografia, não sabemos exatamente o que vemos. Se o que vemos é uma representação de algum fato ou coisa, essa representação é verdadeira ou falsa? Não sabemos. Se não é uma representação, é o que então? Tampouco sabemos. Se, nos dias de hoje, a quantidade de imagens com que nos deparamos constitui por si um fato desconcertante, tanto mais relevante é a reflexão de Cavell: fotografias são desconcertantes não porque não as conseguimos interpretar, mas porque não sabemos como interpretar nossa própria relação com a realidade. A fotografia é um sintoma de uma desconexão anterior, não sua causa. Daí sua importância e seu fascínio: consciente ou inconscientemente, as imagens fotográficas afetam nossa percepção e contribuem para moldar nossas concepções éticas, estéticas etc. Além disso, nos dias que correm, nenhuma foto é uma ilha e nenhum olhar é só um olhar. Vemos, acompanhadas de toda sorte de signos, palavras e números, fotos em telas, vinculadas a textos, contextos e paratextos. É incontornável concluir que esse fenômeno torna o ato de ver, ou ler, muito mais complexo, e se quisermos questionar um pouco mais nossa própria relação com as imagens e com o mundo, vale a pena levar essa conclusão mais adiante. Pois uma coisa é achar que sabemos o que vemos, outra é realmente saber.
Imagem 1: Foto de Gabriela Biló publicada no jornal Folha de São Paulo em 19/01/2023. Fonte: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/01/19/fotografa-folha-imagem-lula-montagem-foto-planalto-vidro-gravata.htm acesso em 20/01/2023.
Se volto a escrever neste espaço após tanto tempo é porque, neste tumultuado começo de ano, ao menos um acontecimento serve para exemplificar bem essa falta de ceticismo quanto às nossas próprias crenças. Em 19 de janeiro, o jornal Folha de S. Paulo publicou, com destaque em sua primeira página, uma foto realizada por Gabriela Biló do presidente Lula atrás de uma vidraça estilhaçada. Sob a foto, uma legenda: “foto feita com múltipla exposição”. Como de hábito nas redes, a polêmica deu-se imediatamente. A alegação que resume as objeções é que a foto, por ser “artística”, não cabe no jornalismo, atividade pautada pelo “registro” dos fatos. As mais indignadas reações cobraram, tanto do jornal quanto da fotógrafa, mais “ética” na publicação de uma “montagem” em um contexto delicado para a democracia brasileira. Pode ser que se trate de mais uma polêmica passageira, mas é um caso que dá o que pensar. Logo me ocorreram à mente a indústria cultural de Adorno e Horkheimer, a Central Scrutinizer de Frank Zappa, a entrevista de Marilyn Manson a Michael Moore em Tiros em Columbine, a Persépolis de Marjane Satrapi e algumas lembranças de infância: a culpada é a música, a televisão é a ruína da juventude. Certamente, não devo ter sido o único a pensar assim.