Correio da Cidadania

Clima de mobilizações populares pode dar mais força ao Grito dos Excluídos de 2013

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Constituído por grupos e movimentos sociais historicamente marginalizados do processo desenvolvimentista do país, o Grito dos Excluídos se afirmou como o manifesto daqueles que se colocam do “outro lado” do chamado “progresso”, o lado mais fraco e invisível, enquanto o país celebra o dia pátrio, de uma independência ainda de papel.

 

Para comentar a 19ª edição do Grito, à luz das recentes explosões de revolta social do país, o Correio da Cidadania conversou com Juvenal Rocha, integrante da Comissão Pastoral da Terra, setor da Igreja que trabalha com camponeses e povos originários e sempre esteve por trás desta que pode ser vista como a parada alternativa de 7 de setembro.

 

Na conversa, Juvenal lembra que os setores que compõem o Grito já há muito tempo alertavam para os “gritos ocultos” espalhados pelos cantos do país. Na edição deste ano, calcada nos direitos da juventude brasileira, ele crê que o movimento possa ficar mais encorpado, beneficiando-se do impulso das lutas recentes e com elas dialogando.

 

No mais, faz um balanço dos anos petistas no poder, lamentando a não realização da reforma agrária e a opção pela governabilidade. Admite avanços, mas questiona: “onde pode parar um governo popular que quer uma convivência com a terra entre os pequenos (com o Bolsa-família, por exemplo) e os grandes ruralistas, que continuam com seus transgênicos, seus monocultivos e a prática do trabalho escravo em muitas regiões do Brasil?”.

 

A entrevista com Juvenal Rocha, da CPT e da coordenação nacional do Grito dos Excluídos, pode ser lida a seguir.

 

Correio da Cidadania: Como os animadores e integrantes do Grito dos Excluídos enxergam os levantes massivos deste ano de 2013?

 

Juvenal Rocha: O Grito dos Excluídos, ao longo da sua existência, de fato, já enxergava outros gritos pelo país. Nós os caracterizávamos como “gritos ocultos”, que ainda não estavam visíveis ou organizados dentro da sociedade.

 

Felizmente, neste ano de 2013, o Grito dos Excluídos aparecerá com força. Surgirá com força e nós, da Comissão Pastoral da Terra, ficamos bastante envaidecidos por esse grito ter aparecido com força a partir dos povos indígenas e quilombolas, setores com os quais a pastoral tem relação, articulando-se com outras entidades dos movimentos populares pastorais e sociais, o que é a nossa prioridade.

 

Portanto, para nós, não foi uma surpresa. Foi uma satisfação. Eu acho que os levantes apareceram no momento certo, numa sociedade complexa, onde os direitos da cidadania deixam a desejar. Para nós, sintetizando, faz parte da expressão de uma grande parte da sociedade que está insatisfeita com aquilo que a ela é reservado, relativamente aos seus direitos básicos e ao futuro da nação. Principalmente se colocarmos a questão da juventude dentro da relação.

 

Mais do que uma surpresa, foi uma satisfação. Foi realmente algo que se concretizou depois de anos em que os participantes do Grito já anunciavam: “olha, tem muitos gritos ocultos por aí”. Felizmente, neste ano eles apareceram.

 

Correio da Cidadania: Qual a expectativa para o grito deste ano, em sua 19ª edição, diante do atual momento político pelo qual passa o país?


Juvenal Rocha: Acho que o Grito dos Excluídos, desde o seu início, mantém os ritos, que é o de ser uma ferramenta, um instrumento de luta dos excluídos. Qualquer seja o setor da sociedade. Isso não vai mudar.

 

O que pode acontecer neste ano, no qual não temos como fazer uma previsão, é de que seja um Grito mais forte. Um grito onde vamos ter mais expressões nas ruas, um número mais expressivo de pessoas, dado esse clima interessante de mobilizações populares.

 

As pessoas que se sentem prejudicadas, que se sentem lesadas no seu direito à cidadania, vão para as ruas colocar para a sociedade e os poderes constituídos a sua indignação. Essa é a nossa expectativa para 2013.

 

Correio da Cidadania: O fato de associar a jornada deste ano às lutas da juventude foi inspirado nas mobilizações nacionais de junho ou há outros fatores?

 

Juvenal Rocha: O Grito dos Excluídos é uma grande articulação de entidades, nascida em uma das “semanas sociais brasileiras”, como nós chamamos no seio da igreja, com sua dimensão ecumênica, participação de outras igrejas e também dos movimentos sociais.

 

Em 2013, refletir e trazer para as ruas os desafios e os sonhos da juventude é a maneira de permanecer, ou se sintonizar, também com a campanha da fraternidade deste ano, que a CNBB realizou colocando a questão da juventude do Brasil como ponto central. E claro, depois da Jornada Mundial da Juventude, colocou-se de fato a juventude na ordem do dia. Seus desafios e seus sonhos. A relação se estabelece dessa forma.

 

Correio da Cidadania: Quais são temas que o Grito pretende pautar com mais força e que acredita serem os mais necessários à luta social da atualidade?

 

Juvenal Rocha: O Grito dos Excluídos, todos os anos, nos surpreende. Aonde acontece, nas comunidades onde nunca foi realizado, o grito aparece. E nas temáticas, os assuntos e desafios da sociedade também aparecem regionalmente, de várias formas.

 

Claro que nesse ano estamos acreditando que, como já coloquei anteriormente, os sonhos e os desafios da juventude vão ser tratados como prioridade. Mas não descartamos outras questões que poderão vir para as ruas. Por exemplo, nos campos hoje, o descaso do governo com a reforma agrária.

 

Também estamos completando dez anos de luta contra os transgênicos no Brasil. Transgênicos que ameaçam o patrimônio da humanidade, das sementes nativas, crioulas, prejudicando o setor rural. Nas zonas urbanas, nas periferias, a política pública não chega com as devidas necessidades, faltam água, esgoto, emprego, transportes...

 

Portanto, é claro que os sonhos e os desafios da juventude estarão sendo conquistados e tratados com prioridade; no entanto, outros gritos podem acontecer de várias formas, por vários cantos do país.

 

Correio da Cidadania: Que avaliação vocês fazem das reações dos diversos governos e governantes, desde que os protestos ganharam os enormes volumes que vimos? Acredita que os principais clamores populares sejam minimamente atendidos?

 

Juvenal Rocha: Nós que militamos nos movimentos sociais, e somos agentes das pastorais sociais, fazemos parte desses movimentos porque acreditamos que as conquistas só acontecem com a organização e pressão populares.

 

Claro que a formação política e a orientação ideológica são elementos que vão se incorporando, mas a mobilização e pressão popular são muito importantes. Sem isso não tem mudança.

 

Podemos dizer que, na segunda década de Grito dos Excluídos, os temas que foram colocados pelas ruas tiveram alguns avanços, algumas considerações, tanto em nível local, como nacional e estadual. Não podemos descartar tal contexto, como se fosse conquista de valor zero. Mas ainda estão aquém daquilo que uma sociedade tem de viver, a partir dos princípios da dignidade humana. Ainda está faltando muito.

 

É por isso que o Grito acontece, tem a sua função, tem a sua importância dentro da sociedade, mesmo que várias lutas culminem em vitórias. Manter a articulação é uma forma de continuar garantindo tais vitórias. Por exemplo, a aposentadoria de um trabalhador rural foi uma conquista da rua, das lutas sociais. Hoje, a bancada no Congresso quer fazer aí um mudança. Quer ampliar o tempo de contribuição, mudar a forma de contribuição do camponês etc.

 

Manter o Grito dos Excluídos, assim como as demais mobilizações sociais e populares, não tem como objetivo somente acumular conquistas, mas também garantir aquilo que já foi conquistado e é ameaçado pelos poderes vigentes.

 

Correio da Cidadania: Como avaliam esses 11 anos de governo PT e, especificamente, o mandato de Dilma?

 

Juvenal Rocha: Penso ser um governo que, no seu início, trouxe uma expectativa muito grande, e falo a partir da Comissão Pastoral da Terra, a partir dos camponeses, com os quais nós trabalhamos mais diretamente. A expectativa era de que a reforma agrária no país fosse, de fato, estabelecida e que a terra fosse, de fato, desconcentrada e entregue nas mãos daqueles que querem ficar na terra. É um ponto.

 

A outra grande expectativa inicial era de que o campo tivesse um tratamento diferenciado, a partir dos pequenos camponeses e camponesas, porque são eles que garantem a comida na mesa da população. Não se pode negar que houve indicativos e algumas conquistas em relação aos governos anteriores. Isso não se pode negar. A própria agricultura, o próprio recurso destinado à agricultura familiar, por exemplo, hoje tem um valor significativo.

 

O que nos incomoda, que é de onde vem a nossa dúvida, é o seguinte: onde pode parar um governo popular que quer uma convivência com a terra entre os pequenos (com o Bolsa-família, por exemplo) e os grandes ruralistas, que continuam com seus transgênicos, seus monocultivos e a prática do trabalho escravo em muitas regiões do Brasil?

 

Na verdade, não se vê uma política de governo, mesmo nesse governo popular, que proíba tais práticas, que nós das pastorais sociais e movimentos sociais rejeitamos. Não acreditamos que tais práticas e políticas tenham condição de conviver com a agricultura familiar.

 

E ficamos em dúvida sobre tal governo, principalmente quando trata os povos originários, chamados índios, e os quilombolas, como empecilhos para o desenvolvimento do país. Consideramos o contrário: eles são os guardiões de uma parte desse patrimônio do Brasil, que é todo o nosso meio ambiente, toda a nossa água, os animais, as sementes nativas etc. Tais povos estão a serviço da sociedade.

 

Para citar alguma coisa interessante do governo, eu vejo (já que estamos falando da juventude e agora da juventude do campo) uma conquista da juventude: os cursos adaptados aos jovens do campo. Tanto cursos de segundo grau quanto de graduação ou especialização, que se denominam cursos de educação do campo.

 

Portanto, como eu falei, não se pode negar que houve alguns esforços para que a população trabalhadora pudesse ter os seus direitos. Mas a necessidade, ou a visão, que teve o governo popular de Lula e Dilma sobre a governabilidade, fazendo alianças que não respeitam nem os princípios do Partido dos Trabalhadores e nem os de uma sociedade transformadora, comprometeu (eu não quero ser tão desanimador) todo um projeto de governo. Comprometeu muito, numa magnitude que não sei se vai chegar a decepcionar a sociedade, mas vai deixar muita gente triste com relação ao que se esperava e a toda a luta para que um governo popular chegasse ao poder.

 

Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

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