Correio da Cidadania

A luta contra o arcabouço fiscal já chegou às ruas

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Protesto na Esplanada dos Ministério / Foto: Paulo Valadares, Agência Câmara

Com ampla margem, foi aprovado na noite desta terça-feira o Projeto de Lei Complementar 93/2002, o chamado arcabouço fiscal, que atualiza o regime de forte disciplina fiscal imposto pelos mercados a partir de 2016. Para uns, um avanço nas margens do governo para investir em políticas públicas, em relação ao Teto de Gastos. Para outros, uma atualização mais sofisticada da mesma política econômica. Nesta quarta, 24, sindicatos se colocaram nas ruas de Brasília e várias capitais em protesto contra o arcabouço e, em entrevista ao Correio da Cidadania, Moacir Lopes, dirigente da Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social, explica as razões da mobilização dos servidores.

Acima de tudo, suas críticas residem nos gatilhos punitivos para o caso de não se atingirem as metas fiscais. Basicamente, todas as penalizações se dirigem ao serviço público e seus trabalhadores, enquanto todos os interesses do sistema financeiro e suas oligarquias ficam preservados. “Os brasileiros serão afetados na medida em que mais de 75% dependem do atendimento no SUS, e aproximadamente 82,9% dos alunos frequentam escolas públicas, sem contar com programas de graduação, mestrados e doutorados, que enfrentam muitos problemas para conseguir bolsas de estudo. O crescimento de despesas de 0,6% a 2,5% é totalmente insuficiente para investimentos na saúde e educação, que estão totalmente sucateadas. Mas também poderá afetar diversos outros programas como combate ao trabalho escravo, assistência social e reestruturação do INSS, totalmente sucateado com fila virtual de 7,1 milhões de requerimentos com todo tipo de benefícios esperando análise”, afirmou.

Na conversa, Moacir Lopes reconhece o contexto defensivo em que as forças progressistas tentam governar o país de maneira a oferecer respostas mínimas às necessidades da população. Mas alerta que, na prática, tal política anula o programa político vencedor das eleições. “Se mantiver este modelo, não terá nem verbas, nem condições políticas para cumprir as promessas. E o conjunto de entidades dos serviços públicos e do setor privado trava esta batalha na sociedade, vamos pressionar os deputados e senadores”.

Na visão do dirigente da FENASPS e também do FONASEFE (Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais), não há saída sem enfrentamento ao rentismo financeiro, que absorve quase metade do orçamento federal e se tornou uma trava à economia produtiva, tanto no setor público como privado, algo simbolizado na maior taxa de juros do mundo, mantida com unhas e dentes por um notório aliado do sistema financeiro, no caso, o presidente do Banco Central. “Além do investimento em programas sociais, geração de emprego, obras de infraestruturas, reforma agrária, deve-se fazer urgentemente a auditoria na dívida pública e parar esta sangria que ao longo dos anos já retirou trilhões de reais para pagar juros de uma dívida que não tem contrapartida nem social nem mesmo econômica”.

A entrevista completa com Moacir Lopes pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: O que levou a mobilização dos sindicatos contra o novo arcabouço fiscal? Como ele afetaria os serviços públicos brasileiros?

Moacir Lopes: As entidades sindicais do FONASEFE lutam pela reestruturação dos serviços públicos com reorganização dos diferentes órgãos, pois a maioria está totalmente sucateada, há sete anos não são realizados concursos públicos e os servidores estão com salários congelados. O projeto 93/2023 do novo arcabouço fiscal fala em zerar déficit público em 2024, “indica crescimento da despesa entre 0,6% e 2,5% ao ano em relação ao atual teto de gastos. Segundo o governo, o aumento anual da despesa estará limitado a 70% da variação da receita primária dos últimos 12 meses”.

Com isto, em caso de não conseguirem cumprir as metas previstas, falam em congelamento salarial, suspensão de concursos e não garantia de pagamento de despesas obrigatórias, como saúde, educação. Pois na regra constitucional não podem mexer nos salários atuais, mas, sim, congelar. Desta forma os servidores não terão nenhuma possibilidade de recompor as perdas salariais estimadas em até 60% entre 2016 e 2023.

Os brasileiros serão afetados na medida em que mais de 75% dependem do atendimento no SUS, e aproximadamente 82,9% dos alunos frequentam escolas públicas, sem contar com programas de graduação, mestrados e doutorados, que enfrentam muitos problemas para conseguir bolsas de estudo.

Correio da Cidadania: Todas as áreas da administração pública seriam afetadas?

Moacir Lopes: Sim, porque o crescimento de despesas de 0,6% a 2,5% é totalmente insuficiente para investimentos na saúde e educação, que estão totalmente sucateadas. Mas também poderá afetar diversos outros programas como combate ao trabalho escravo, assistência social e reestruturação do INSS, totalmente sucateado com fila virtual de 7,1 milhões de requerimentos com todo tipo de benefícios esperando análise.

Correio da Cidadania: O que pensa do arcabouço em si? Há diferença relevante em relação ao chamado teto de gastos?

Moacir Lopes: Existe grande semelhança em vários aspectos, como obrigar o governo a cumprir as metas fiscais, porém, este limite de poder gastar até 70% do que se arrecadar acima da meta é uma armadilha perigosa, pois em caso de sucesso econômico, se o PIB chegar a crescer entre 8 a 10%, como no segundo mandato de Lula, só se poderá investir até este patamar.

Correio da Cidadania: A manutenção de uma racionalidade neoliberal na gestão do Estado brasileiro não são uma barreira concreta ao cumprimento das promessas do governo?

Moacir Lopes: Na ideologia neoliberal tudo tem de ser privatizado ou terceirizado via parcerias públicos privadas. Defendem o Estado Mínimo para a população e lucro máximo para os donos do capital. E o governo enfrenta um dos piores parlamentos da história, uma extrema direita organizada, aliada ao centrão patrimonialista e defensor dos interesses do mercado, e ainda uma crise fiscal sem precedente. Se mantiver este modelo, não terá nem verbas, nem condições políticas para cumprir as promessas. E o conjunto de entidades dos serviços públicos e do setor privado trava esta batalha na sociedade, vamos pressionar os deputados e senadores.

Correio da Cidadania: O que pensa dos gatilhos de punição caso as metas estabelecidas não sejam cumpridas? Por que tais gatilhos não existem em relação à gestão do Banco Central e seus objetivos oficialmente assumidos, como por exemplo a meta de inflação?

Moacir Lopes: Os defensores dos interesses do mercado e setores que vivem da especulação têm expressiva bancada parlamentar no Congresso operam no sentido de ter um governo sob a égide do controle fiscal absoluto, sem poder fazer políticas sociais. Assim, querem incluir cláusulas de punição que, em tese, poderiam acabar em impeachment do presidente. No entanto, protegem a ferro e fogo a política irresponsável e suicida da atual direção do Banco Central e seus juros de 13,75%.

Ou seja, impõem um arrocho ao país, que é obrigado a pagar 40 bilhões de dólares em serviço da dívida pública por cada ponto percentual da taxa de juros, isto é, aproximadamente R$ 550 bilhões anuais que beneficiam apenas os rentistas, banqueiros e aves de rapina do sistema financeiro. São estes os objetivos dos defensores da punição ao descumprimento das metas fiscais e manutenção dos juros altos no país.

Correio da Cidadania: Quais as saídas econômicas, na visão de vocês?

Moacir Lopes: Não existem saídas fáceis, mas fazemos parte de um movimento nacional para fazer a chamada Auditoria Cidadã da Dívida Pública, pois os gastos com a dívida consumiram 46,3% do orçamento federal em 2022, ou 1,879 trilhão de reais. Além do investimento em programas sociais, geração de emprego, obras de infraestruturas, reforma agrária, deve-se fazer urgentemente a auditoria na dívida pública e parar esta sangria que ao longo dos anos já retirou trilhões de reais para pagar juros de uma dívida que não tem contrapartida nem social nem mesmo econômica.

Correio da Cidadania: Considera que as retomadas de uma nova fase de mobilizações sociais progressistas serão fundamentais para a sobrevivência da democracia brasileira?

Moacir Lopes: Há, sim, lutas nas ruas, a exemplo das lutas por vacinas, as lutas antifascistas, contra o retrocesso e pela defesa da democracia, que foram fundamentais para derrotar nas urnas o projeto autoritário que tentou submeter os brasileiros aos projetos da horda ultraliberal da extrema direita. Porém, ainda precisamos derrotá-los nas ruas, travamos hoje uma grande batalha nesta guerra híbrida imposta pelo capital e seus asseclas. A democracia vai sobreviver. Ao longo da história ela é maltratada, atacada, violentada, mas no final, enquanto houver povo unido em luta, a democracia sobreviverá.

Gabriel Brito é jornalista, repórter do site Outra Saúde e editor do Correio da Cidadania.

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