Correio da Cidadania

A ruptura de relações diplomáticas do México com o Equador

0
0
0
s2sdefault


Fotos: Divulgação oficial

A ruptura de relações diplomáticas com o Equador, declarada pelo governo do México como consequência da violação de sua sede diplomática em Quito, é um acontecimento lamentável na história das relações entre nossos povos, que se caracterizaram pela cooperação, ajuda mútua e fraternidade.

O pano de fundo deste evento reside nas diferenças ideológico-políticas, entre os chamados governos progressistas e aqueles que se identificam com a direita e extrema direita "libertária", vividas na América Latina. Todos os equatorianos sabem que, nos três últimos governos, isto é, os de Lenin Moreno, Guillermo Lasso e Daniel Noboa, foram mantidos processos judiciais que evidenciaram graves crimes contra a propriedade do Estado que teriam sido cometidos durante a década correísta. Esses processos foram um claro obstáculo para que os candidatos presidenciais do Correísmo vencessem as eleições presidenciais, embora não tenham impedido que a hoje chamada Revolução Cidadã mantivesse uma preferência eleitoral muito alta, o que explica sua presença tanto no poder legislativo quanto nos governos locais.

As tensões entre o governo do México e o Equador se agravaram desde o mês de dezembro do ano passado, quando o ex-vice-presidente Jorge Glas se alojou na qualidade de hóspede na Embaixada do México em Quito, mas o momento mais explosivo se deu a partir das declarações feitas pelo presidente López Obrador na quarta-feira, 3 de abril, que, essencialmente, disse:

"Houve eleições no Equador, a candidata da força progressista estava com 10 pontos à frente (...) Então, um candidato que fala mal da candidata que está à frente é assassinado, e a candidata que estava à frente cai e o candidato que estava em segundo lugar sobe".

Embora López Obrador não mencione nomes, é claro que ele se refere às eleições em que Daniel Noboa é eleito presidente e ao assassinato do candidato Fernando Villavicencio e da candidata Luisa González. A resposta do governo equatoriano ocorre na quinta-feira, 4, quando declara a Embaixadora do México como "persona non grata" e lhe dá um prazo de 72 horas para deixar o país. O governo equatoriano, seguindo a cadeia de erros que cometeu nas relações internacionais, intervém com a força pública na embaixada do México em Quito, na noite de sexta-feira, 5 de abril, para capturar Jorge Glas, o que determina a resposta decisiva de López Obrador de romper as relações diplomáticas com o governo do Equador, seguida pelo apoio ao México de quase todos os governos latino-americanos e do Caribe, aos quais se juntaram também os Estados Unidos e a União Europeia, que condenam como um fato insólito a violação da sede diplomática mexicana em Quito e as agressões ao chefe da missão, o que resulta no consequente isolamento internacional do governo equatoriano.

À luz do direito internacional, o governo do México não podia conceder asilo a Jorge Glas, que é um cidadão julgado, processado e condenado por graves crimes contra a propriedade do Estado, pois ao fazê-lo viola o artigo 14, segundo parágrafo, da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que diz:

"Este direito não pode ser invocado contra uma ação judicial realmente originada por crimes comuns".

Também a Convenção de Caracas é explícita ao apontar que o direito de asilo não protege os autores de crimes comuns.

Por sua vez, o governo do Equador violou de maneira flagrante e inaceitável o artigo 22, parágrafo 1, da Convenção de Viena de 1961, que estabelece que "os locais da missão" diplomática são invioláveis. Na mesma convenção, estabelece-se que "a pessoa do agente diplomático é inviolável".

À luz dos fatos consumados, todos nos perguntamos se o governo do Equador poderia ter adotado uma postura diferente, e é indubitável que, embora o chefe de Estado seja quem define a política externa (ver artigo 147, parágrafo 10, da Constituição), se tivesse recebido um bom aconselhamento, poderia ter ordenado a redação de uma nota de protesto pelas declarações "infelizes" de López Obrador, como a chanceler as qualificou, sobre as eleições presidenciais equatorianas. Ainda mais quando o México concede asilo a Jorge Glas, o governo equatoriano poderia não ter estendido o salvo-conduto e desencadeado uma ofensiva diplomática internacional para esclarecer a situação judicial de Jorge Glas.

Os acontecimentos, brevemente comentados, têm também como consequência política interna imediata a ruptura da aliança que Noboa tinha com as forças políticas do correísmo e que lhe permitiram, com seu apoio e o do PSC, aprovar as últimas 5 leis econômicas urgentes. Isso pode ser deduzido do pedido da candidata Luisa González, que pediu a renúncia do presidente.

A CONAIE (Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador) classificou como fascista a atitude do governo e, em geral, organizações e personalidades equatorianas manifestaram seu desacordo com o rumo perdido da política externa do governo equatoriano, que recentemente teve de recuar da decisão de entregar armamento russo aos Estados Unidos para que o enviasse à Ucrânia, comprometendo-nos nessa guerra lamentável e trágica.

À chuva de críticas nacionais e internacionais, teremos de adicionar as sanções econômicas que a Corte Internacional de Justiça pode nos impor, para a qual o governo do México decidiu recorrer para denunciar a violação do direito internacional pelo governo do Equador.

À crise econômica, agravada pelas políticas de ajuste estrutural, violência e narcotráfico, agora se soma a evidência de um mau governo. Tomara que o Equador possa encontrar alternativas democráticas que nos permitam sair deste momento de confusão e desânimo de nossa história.

Manuel Salgado Tamayo é jurista, professor universitário e ex-deputado socialista do Equador.
Tradução: Gabriel Brito, editor do Correio da Cidadania, retirado da Revista Opción S.

*Gostou do texto? Sim? Então entre na nossa Rede de Apoio e ajude a manter o Correio da Cidadania. Ou faça um PIX em qualquer valor para a Sociedade para o Progresso da Comunicação Democrática; a chave é o CNPJ: 01435529000109. Sua contribuição é fundamental para a existência e independência do Correio.

*Siga o Correio nas redes sociais e inscreva-se nas newsletters dos aplicativos de mensagens: 
Facebook / Twitter / Youtube / Instagram / WhatsApp / Telegram   

 

0
0
0
s2sdefault