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Nesta semana, o Correio
da Cidadania entrevista com exclusividade o ex-deputado federal
Milton Temer, que explica as nuances e os fundamentos da criação de um novo
partido de esquerda – considerada fundamental e urgente para o dissidente
petista, uma das mais proeminentes vozes a pregar o estabelecimento de uma
nova frente para o socialismo no Brasil.
Correio da Cidadania: Quais as
justificativas para a criação de um novo partido de esquerda no Brasil?
Milton Temer: Fundamentalmente, esse novo
partido nunca existiria se o PT não tivesse se transformado numa correia de
transmissão das alas conservadoras do campo de alianças que se criou no
governo Lula. O problema não é o governo em si, mas sim o papel do partido.
A tragédia para o povo brasileiro é que, na política de alianças, ao invés
de o PT se apresentar disputando hegemonia a partir de uma corrente mais
coerente com aquilo que sempre pregou, sua direção o transformou no agente
mais radical daquilo que se tem de ortodoxo. Um exemplo bizarro pode ser
dado: nessa composição, quem teve a posição mais radical, por incrível que
pareça, foi o senador José Sarney. No final do ano passado, ele propôs, ao
anunciar a aliança estratégica entre PT e PMDB, uma discussão sobre a
renegociação da dívida e conseguiu interromper o recesso natalino; o
ministro da Fazenda, Antonio Palocci, correu então ao Planalto para dar
queixa da inoportunidade da intervenção do presidente do Congresso. A
posição do PT foi de sequer dizer se apoiava ou não a rediscussão,
permanecendo calado na cobertura a Palocci, mesmo embora a rediscussão fosse
parte de sua programação e não da do PMDB.
Nesses termos, o partido - não o governo – fez uma
guinada e puxa essa aliança que apóia o governo Lula mais para a direita do
que ela poderia estar se dependesse somente dos capitalistas da área
produtivo-industrial. Objetivamente, o PT se transformou no veio mais
radical do pensamento conservador do governo Lula. Com isso, não só
construiu uma base parlamentar absolutamente inexplicável para a história do
partido - uma base parlamentar que tem entre seus principais líderes Roberto
Jefferson, Bispo Rodrigues e Pedro Corrêa - para manter a governabilidade,
mas também sinaliza que essa será a base das futuras alianças eleitorais. O
que nos leva a crer que, em 2006, teremos uma candidatura de Lula à
reeleição que não simbolizará a mudança, mas sim uma composição de
centro-direita organizada para o benefício do capital - melhor até do que a
composição conseguida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso.
Na era FHC, embora houvesse absoluta subalternidade e
cumplicidade com o sistema financeiro privado internacional e com seus
cúmplices tupiniquins, não havia a possibilidade de controle dos movimentos
sociais – coisa que, por meio de atuação nas cúpulas dos movimentos, o atual
governo tem conseguido, neutralizando-os e utilizando o capital pessoal de
Lula para manipular suas esperanças. Com isso, o PT deixa um espaço grande,
que não pode ficar vazio, sob o risco de termos uma grande abstenção
eleitoral, uma grande desmobilização da juventude e um grande descrédito nos
próprios movimentos sociais nesses anos que estão por vir.
CC: Algumas alas da esquerda petista
acham que o momento de criar um novo partido ainda não chegou. O que pensa
quanto a isso?
MT: Isso é uma opinião que respeito
completamente, mas, se alguém não começar a criar, não sei quando será o
momento. A expulsão dos parlamentares que se mantiveram coerentes na defesa
programática do PT, que votaram como sempre votamos, e a forma como a
sociedade reagiu mal a essas expulsões não foram motivos para uma
mobilização e para ligar o motor de arranque? Eu entendo que talvez essas
alas tenham ritmos que possam ser distintos, mas não sei por que não está na
hora de fazê-lo. Tenho medo que a lentidão nos leve a um momento em que o
bonde já passou e em que não teremos mais nada a fazer – esse é o risco.
Quando você passa do tempo, existe a possibilidade de você perder o seu
passo histórico.
CC: O novo partido terá forças
suficientes para aglutinar e apresentar alternativas para a esquerda?
MT: Este partido organiza, inicialmente, esta
grande franja da sociedade que está nos setores combativos independentes do
movimento social, formadores de opinião, pensadores. Deve servir também como
um instrumento para que combatentes da maior qualidade, como, por exemplo, o
deputado Ivan Valente (PT/SP), possam ter uma opção caso a direção do PT se
mantenha na defesa das posições mais conservadoras e reacionárias do governo
Lula, que é o que eu acredito que vai ocorrer. Este partido não nascerá como
o PT nasceu; não é produto de movimentos sociais organizados, ao contrário,
é produto da desorganização do movimento social por parte do aparelho do
Estado. Por exemplo, dirigentes da CUT, diante dos trabalhadores, votam
contra os acordos do FMI; esses mesmos dirigentes, no campo majoritário do
partido, votam a favor dos acordos. Existe, então, uma dominação tal que
movimentos sociais se encontram imobilizados, pois suas cúpulas estão
inertes. Nesse caminho, pedem às bases confiança e para que esperem um
pouco, visto que o presidente estaria criando governabilidade e, mais pra
frente, tudo iria mudar, já que Lula tem um histórico que permite essa
paciência. A governabilidade, porém, só se garante por intermédio de um
superávit fiscal maior do que 4,25% do PIB por mês, o que é um escândalo,
pois o FMI havia pedido 3,75%.
CC: Como está o processo de criação
do novo partido?
MT: A grande dificuldade é a legislação que
impõe a esse partido algo que não foi imposto a nenhum partido que hoje
exista: a necessidade de coletar 450 mil assinaturas para possibilitar a
legalização de um partido que ocupa um grande espaço de debate na sociedade,
o que mostra sua importância e a sua necessidade.
Neste início pós-desligamento, você também esbarra em
problemas como as concepções já consolidadas de alguns companheiros, como os
do PSTU – que insistem que um novo partido de esquerda deve possuir
características de partidos do centralismo democrático, algo que não
contestamos e que seria o ideal se pudesse acontecer, mas que não é
realmente possível. O novo partido irá congregar um conjunto de forças, de
segmentos e de correntes que o próprio desmoronamento do leste europeu
gerou, de pensamentos distintos, de nuances diferentes na formulação teórica
da concepção de socialismo, democracia e do “ser de esquerda”. Na verdade,
esse também é o ponto que permite que façamos esse novo partido juntos,
respeitando direitos das tendências e garantindo a criatividade das minorias
- coisa que o PT fez por muito tempo, antes de passar a agredi-las.
CC: Quais serão as principais
características do novo partido e quais bandeiras serão defendidas?
MT: Embora o partido não esteja sendo
construído com as mesmas características do PT em seu início, ele deverá ter
as mesmas bandeiras, os mesmos propósitos e a mesma alimentação de sonhos e
utopias que o PT tinha quando de sua formação. Será um partido reformista
socialista, de esquerda, na linha do reformismo revolucionário que Carlos
Nelson Coutinho já explicou muito bem no Brasil, com um caráter
essencialmente republicano – republicano no sentido de cidadão,
antiautoritário, libertário e justo.
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