Milton Temer: “novo partido é produto da desorganização dos movimentos sociais pelo aparelho do Estado”


Por Mateus Alves

 

Nesta semana, o Correio da Cidadania entrevista com exclusividade o  ex-deputado federal Milton Temer, que explica as nuances e os fundamentos da criação de um novo partido de esquerda – considerada fundamental e urgente para o dissidente petista, uma das mais proeminentes vozes a pregar o estabelecimento de uma nova frente para o socialismo no Brasil.

 

Correio da Cidadania: Quais as justificativas para a criação de um novo partido de esquerda no Brasil?

Milton Temer: Fundamentalmente, esse novo partido nunca existiria se o PT não tivesse se transformado numa correia de transmissão das alas conservadoras do campo de alianças que se criou no governo Lula. O problema não é o governo em si, mas sim o papel do partido. A tragédia para o povo brasileiro é que, na política de alianças, ao invés de o PT se apresentar disputando hegemonia a partir de uma corrente mais coerente com aquilo que sempre pregou, sua direção o transformou no agente mais radical daquilo que se tem de ortodoxo. Um exemplo bizarro pode ser dado: nessa composição, quem teve a posição mais radical, por incrível que pareça, foi o senador José Sarney. No final do ano passado, ele propôs, ao anunciar a aliança estratégica entre PT e PMDB, uma discussão sobre a renegociação da dívida e conseguiu interromper o recesso natalino; o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, correu então ao Planalto para dar queixa da inoportunidade da intervenção do presidente do Congresso. A posição do PT foi de sequer dizer se apoiava ou não a rediscussão, permanecendo calado na cobertura a Palocci, mesmo embora a rediscussão fosse parte de sua programação e não da do PMDB.

Nesses termos, o partido - não o governo – fez uma guinada e puxa essa aliança que apóia o governo Lula mais para a direita do que ela poderia estar se dependesse somente dos capitalistas da área produtivo-industrial. Objetivamente, o PT se transformou no veio mais radical do pensamento conservador do governo Lula. Com isso, não só construiu uma base parlamentar absolutamente inexplicável para a história do partido - uma base parlamentar que tem entre seus principais líderes Roberto Jefferson, Bispo Rodrigues e Pedro Corrêa - para manter a governabilidade, mas também sinaliza que essa será a base das futuras alianças eleitorais. O que nos leva a crer que, em 2006, teremos uma candidatura de Lula à reeleição que não simbolizará a mudança, mas sim uma composição de centro-direita organizada para o benefício do capital - melhor até do que a composição conseguida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso.

Na era FHC, embora houvesse absoluta subalternidade e cumplicidade com o sistema financeiro privado internacional e com seus cúmplices tupiniquins, não havia a possibilidade de controle dos movimentos sociais – coisa que, por meio de atuação nas cúpulas dos movimentos, o atual governo tem conseguido, neutralizando-os e utilizando o capital pessoal de Lula para manipular suas esperanças. Com isso, o PT deixa um espaço grande, que não pode ficar vazio, sob o risco de termos uma grande abstenção eleitoral, uma grande desmobilização da juventude e um grande descrédito nos próprios movimentos sociais nesses anos que estão por vir.

CC: Algumas alas da esquerda petista acham que o momento de criar um novo partido ainda não chegou. O que pensa quanto a isso?

MT: Isso é uma opinião que respeito completamente, mas, se alguém não começar a criar, não sei quando será o momento. A expulsão dos parlamentares que se mantiveram coerentes na defesa programática do PT, que votaram como sempre votamos, e a forma como a sociedade reagiu mal a essas expulsões não foram motivos para uma mobilização e para ligar o motor de arranque? Eu entendo que talvez essas alas tenham ritmos que possam ser distintos, mas não sei por que não está na hora de fazê-lo. Tenho medo que a lentidão nos leve a um momento em que o bonde já passou e em que não teremos mais nada a fazer – esse é o risco. Quando você passa do tempo, existe a possibilidade de você perder o seu passo histórico.

CC: O novo partido terá forças suficientes para aglutinar e apresentar alternativas para a esquerda?

MT: Este partido organiza, inicialmente, esta grande franja da sociedade que está nos setores combativos independentes do movimento social, formadores de opinião, pensadores. Deve servir também como um instrumento para que combatentes da maior qualidade, como, por exemplo, o deputado Ivan Valente (PT/SP), possam ter uma opção caso a direção do PT se mantenha na defesa das posições mais conservadoras e reacionárias do governo Lula, que é o que eu acredito que vai ocorrer. Este partido não nascerá como o PT nasceu; não é produto de movimentos sociais organizados, ao contrário, é produto da desorganização do movimento social por parte do aparelho do Estado. Por exemplo, dirigentes da CUT, diante dos trabalhadores, votam contra os acordos do FMI; esses mesmos dirigentes, no campo majoritário do partido, votam a favor dos acordos. Existe, então, uma dominação tal que movimentos sociais se encontram imobilizados, pois suas cúpulas estão inertes. Nesse caminho, pedem às bases confiança e para que esperem um pouco, visto que o presidente estaria criando governabilidade e, mais pra frente, tudo iria mudar, já que Lula tem um histórico que permite essa paciência. A governabilidade, porém, só se garante por intermédio de um superávit fiscal maior do que 4,25% do PIB por mês, o que é um escândalo, pois o FMI havia pedido 3,75%.

CC: Como está o processo de criação do novo partido?

MT: A grande dificuldade é a legislação que impõe a esse partido algo que não foi imposto a nenhum partido que hoje exista: a necessidade de coletar 450 mil assinaturas para possibilitar a legalização de um partido que ocupa um grande espaço de debate na sociedade, o que mostra sua importância e a sua necessidade.

Neste início pós-desligamento, você também esbarra em problemas como as concepções já consolidadas de alguns companheiros, como os do PSTU – que insistem que um novo partido de esquerda deve possuir características de partidos do centralismo democrático, algo que não contestamos e que seria o ideal se pudesse acontecer, mas que não é realmente possível. O novo partido irá congregar um conjunto de forças, de segmentos e de correntes que o próprio desmoronamento do leste europeu gerou, de pensamentos distintos, de nuances diferentes na formulação teórica da concepção de socialismo, democracia e do “ser de esquerda”. Na verdade, esse também é o ponto que permite que façamos esse novo partido juntos, respeitando direitos das tendências e garantindo a criatividade das minorias - coisa que o PT fez por muito tempo, antes de passar a agredi-las.

CC: Quais serão as principais características do novo partido e quais bandeiras serão defendidas?

MT: Embora o partido não esteja sendo construído com as mesmas características do PT em seu início, ele deverá ter as mesmas bandeiras, os mesmos propósitos e a mesma alimentação de sonhos e utopias que o PT tinha quando de sua formação. Será um partido reformista socialista, de esquerda, na linha do reformismo revolucionário que Carlos Nelson Coutinho já explicou muito bem no Brasil, com um caráter essencialmente republicano – republicano no sentido de cidadão, antiautoritário, libertário e justo.

 

 

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