O governo, o MST e o intectual

Por Valéria Nader

 

No último dia 7 de maio, o programa Roda Viva da TV Cultura entrevistou o sociólogo José de Souza Martins. Na maior parte do tempo, o debate abordou a reforma agrária, a postura do governo frente a esse tema e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

Conforme o sociólogo, está em curso um importante projeto de reforma agrária do governo. Questionado sobre a existência de um movimento de criminalização do MST, que estaria em curso na mídia, Souza Martins enfatizou que, no site oficial do Ministério da Reforma Agrária, existem menções entre as mais elogiosas ao movimento. Indagado, ainda, acerca de sua postura pessoal, onde assumiria um comportamento de crítica às duas partes em jogo, tornando nebuloso o seu posicionamento, o sociólogo afirmou que o papel do intelectual é diverso daquele desempenhado pelo militante, vez que deve possuir uma neutralidade capaz de provocar o debate crítico.

Também segundo Martins, em referência específica aos movimentos sociais, e ao Movimento dos Sem Terra em particular, eles estariam perdendo seu importante caráter de criatividade, uma vez que cada dia mais tornam-se portadores de uma "ideologia partidária".

Em meio ao clima ameno em que se deu o debate, dois questionamentos levantados por diferentes debatedores merecem destaque.

Após tais afirmações, um dos interventores questionou o porquê de, na prática, o governo estar restringindo e desmontando programas como o PROCERA e o PRONAF, se, ao mesmo tempo, estaria veiculando menções elogiosas ao Movimento dos Sem Terra em seus sites oficiais. O entrevistado retorquiu dizendo que a pergunta deveria ser feita ao próprio governo, uma vez que não era seu interlocutor.

O outro debatedor, utilizando-se da própria linha de argumentação de Martins, criou-lhe embaraço maior: referindo-se ao seu último livro (Reforma agrária, o impossível diálogo, Edusp), o mencionado debatedor ponderou que, a despeito de o sociólogo defender a neutralidade do intelectual, seu livro deixava antever um claro elogio ao governo e uma crítica contumaz ao MST. Neste momento, o sociólogo, não obstante seu discurso elaborado sobre a questão agrária no Brasil e a segurança demonstrada durante o debate, mostrou-se claudicante. Sua justificativa para tal abordagem é a de que o governo é um protagonista no tratamento dado ao estudo do livro em questão.

O essencial nesse relato é chamar a atenção para alguns importantes fatores. O sociólogo não fez ataques frontais ao Movimento dos Sem Terra. Pelo contrário, com discurso intelectual, destacando seus estudos acerca da questão agrária no Brasil, Martins adota tática mais sutil de desmerecimento da atuação do MST. A este ponto é que é preciso estar atento. Já tendo percebido estar batida e desacreditada sua estratégia de ataques diretos e de criminalização dos sem terra, ao governo convém adotar nova arma, promovendo uma crítica mais sutil, supostamente mais elaborada e isenta sob o ponto de vista intelectual.

Mas o tom e organização dados à sua fala, bem como a lógica de sua argumentação, não deixaram passar despercebido aos observadores atentos que o sociólogo, seja na linha de frente ou como coadjuvante, está ajudando a erigir as bases para que ao governo FHC, mesmo com seu modelo desestruturador da agricultura familiar, possa ser creditado um avanço da questão agrária no Brasil – em uma tentativa de registro para que, ainda que não imediatamente, assim seja visto seu governo pelas futuras gerações.

Expõe-se aí o artifício ardil e pernicioso de desqualificar os adversários políticos e de construir verdades com a reiterada repetição de mentiras, algumas delas com farda acadêmica.

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