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Este foi o pior ano para o avanço da luta pela reforma agrária, afirma João Pedro Stédile


Da redação

O ano de 2000 foi marcado por constantes impasses na discussão da reforma agrária e por conflitos armados entre a polícia e os trabalhadores do campo que reivindicam melhores condições de vida e de trabalho no meio rural. Diante desse cenário, o Correio conversou com João Pedro Stédile, um dos dirigentes mais conhecidos do MST, não só em razão dos ataques da imprensa, mas também e sobretudo pelo respeito que os partidos de esquerda e as entidades mais sérias da sociedade civil têm pelo seu trabalho. Confira abaixo a entrevista em que Stédile fala da evolução da agricultura e da questão da terra no Brasil.

Correio: Qual é a sua opinião sobre o desempenho do setor agrícola no ano 2000?

João Pedro: Neste ano, o governou acelerou ainda mais uma política que vem praticando há anos, de estímulo a um modelo agrícola adaptado ao modelo econômico de subordinação de nossa economia ao capital internacional. Hoje, o comércio agrícola é controlado por grandes corporações multinacionais, como a Cargill, Bung Born, Adventis, Monsanto etc. E o controle do abastecimento passou da Conab para as grandes empresas agroindustriais. O que está em curso não é uma agricultura voltada para abastecer nossa população, gerar emprego barato e levar desenvolvimento ao meio rural. A agricultura está voltada ao lucro fácil, sob o controle dos oligopólios. Os grandes fazendeiros que se dedicam à exportação e as grandes empresas agroindustriais e de comércio agrícola são os únicas que estão se beneficiando. Todos os demais estão em crise.

Correio : Como se portou o setor agrícola em termos de geração de empregos?

JP: O tipo de modernização técnica que foi adotado pelo governo expulsa trabalhadores rurais, assalariados, pequenos agricultores e até médios agricultores. Estudos do próprio governo revelaram que apenas 18% dos atuais estabelecimentos agrícolas se viabilizarão. Isto afeta não apenas os que cultivam a terra, mas também os comerciantes e o setor de serviços das pequenas cidades. É fácil ver que está sendo montada uma "bomba imigratória", pois a única saída da população rural será migrar para as grandes e médias cidades. O Brasil perde assim a grande oportunidade de utilizar os recursos da terra para implantar um modelo de produção que resolveria rapidamente nossos problemas de desemprego, fome, e pobreza.

Correio : Como se saíram os agricultores familiares no ano 2000?

JP: Os pequenos agricultores estão enfrentando enormes dificuldades. Não há mais como sobreviver apenas da agricultura. Para conseguir uma renda de sobrevivência, a maioria das famílias precisa ter algum filho trabalhando na cidade, contar com a renda de algum membro aposentado ou empregar alguma das filhas como domésticas. Durante o governo FHC, de 1994 para cá, em torno de 900 mil pequenas propriedades foram à falência.

Correio: Neste ano, o ataque do governo contra o MST foi pior do que nos anos anteriores?

JP: Para implementar o modelo agrícola em curso sem sobressaltos, o governo não pode tolerar a resistência do povo organizado. O MST representa um mau exemplo, pois organiza os pobres do campo, não apenas contra o latifúndio, mas também contra a falta de crédito, contra os transgênicos. E pior: faz manifestações junto com o MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), com o movimento das mulheres rurais, com o movimento dos atingidos por barragens. Para impedir esse mau exemplo, especialmente em um ano de eleições municipais, o governo resolveu nos atacar. Como o próprio ministro Jungmann revelou, o ministério passou a gerar factóides contra o MST, para municiar os partidos do governo a atacarem a oposição (sobretudo PT, PCdoB e PSB) pelo apoio que dão ao MST. Apesar disso, não fomos destruídos e ganhamos as eleições.

Correio: Apesar do desempenho insuficiente do governo, você vê algum avanço no campo da reforma agrária no ano que passou?

JP: Na história dos 15 anos do MST, o ano de 2000 foi, sem dúvida nenhuma, o pior ano para o avanço da luta pela reforma agrária. O Incra está parado, sucateado. Os recursos orçamentários foram amputados e o programa de assistência técnica aos assentamentos, praticamente fechado, apesar de que a Constituição de 1988 garante assistência técnica gratuita e estatal a todos os pequenos agricultores. O Poder Judiciário foi acionado para criminalizar nossos dirigentes e militantes. A Polícia Federal criou uma espécie de DOPS para espionar os movimentos no campo. Com a conivência dos meios de comunicação, o governo lançou uma ofensiva jamais vista de mentiras e factóides contra o MST. Como não podia deixar de acontecer, fomos jogados em uma posição de resistência e o avanço no assentamento de famílias foi pequeno. A luta pela reforma agrária se mostrou mais dura, mais complexa, e as pequenas vitórias, mais demoradas. Felizmente, nossa causa é justa e o ânimo de nossa gente, muito forte. O povo sabe que, nesses 500 anos de dominação das elites, o povo não conquistou nada sem muita luta.


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