Governo FHC está cada vez
mais isolado do povo, diz Stédile

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Por Luiz Antonio Magalhães
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Na semana passada, a imprensa não cansou de noticiar que o MST estaria "isolado" até mesmo de seus tradicionais aliados, como o PT e a Contag. Ao mesmo tempo, o presidente da República chegou a afirmar que os sem-terra, ou "essa gente", na expressão de FHC, "têm mentalidade fascista". Não podia ser diferente: a estratégia do Planalto, cumprida à risca pela grande imprensa, foi a velha tática da "melhor defesa é o ataque". Acuado pelas barbaridades cometidas contra índios, negros e sem-terra na festa dos 500 anos, o governo tentou justificar-se atacando o MST. De acordo com o líder do movimento, o economista João Pedro Stédile, a tática não surtiu efeito. Na entrevista abaixo, João Pedro analisa a comemoração dos 500 anos e avisa: quem está isolado não é o MST, é o governo FHC.

Correio: A revista Veja publicou na última edição uma matéria intitulada "O movimento dos sem causa", na qual afirma que o MST não está mais conseguindo mobilizar a sua militância em torno da bandeira da reforma agrária. De acordo com a revista, o problema é que a reforma agrária do governo federal vai de vento em popa, diminuindo o espaço para reivindicação do MST. Há algum fundo de verdade nessas afirmações?

João Pedro: O ex-ministro da Fazenda, Ciro Gomes, que conhece bem os meandros do poder, disse recentemente que a revista Veja vem sendo editada nos porões do Palácio do Planalto. Taí uma boa idéia, quem sabe eles poderiam mudar o nome para PLANALTO. A matéria não é uma reportagem, não é uma análise de fatos, mas um ataque do governo, cujo objetivo principal é tentar influenciar a classe média, leitora da Veja, de que o MST virou um movimento político, ideologizado e perigoso. A classe dominante historicamente tem utilizado as mesmas táticas contra todo e qualquer movimento da classe trabalhadora que se organiza de forma autônoma. Primeiro, tenta cooptar suas lideranças. Depois, procura dividir o movimento. Terceiro, tenta isolar o movimento da sociedade, para justificar a repressão. E, em último caso, se o movimento mesmo assim não ceder, e tiver força suficiente, aí eles aceitam negociar. É nesse quadro que se insere o artigo da Veja.

Correio: Na mesma matéria, a Veja afirma que o movimento sem-terra está "sem rumo" e que passou a trocar a luta pela reforma agrária pela luta por uma sociedade socialista. Na sua opinião, a luta pela posse da terra e a luta pelo socialismo são incongruentes?

João Pedro: Na história do MST, enfrentamos muitas dificuldades, mas o MST, como movimento de massas, segue crescendo e aumentando cada vez mais suas bases. No inicio da década de noventa, aconteciam em torno de cem ocupações de latifúndio por ano. No governo FHC, a média tem aumentado para 400 por ano. Hoje, temos mais de cem mil famílias acampadas na beira das estradas, organizadas, lutando contra o latifúndio e pela sobrevivência. O governo sabe que a nossa base social aumentou, porque a política econômica e agrícola vem gerando cada vez mais concentração de terra, de renda e de riqueza. E o resultado do outro lado é mais pobres, desemprego e miséria. O que nós estamos fazendo é apenas tentar organizar os pobres. E isso as classes dominantes não admitem. Não aceitam que os pobres tenham consciência política e se organizem para lutar por seus direitos. Nossa luta pela reforma agrária continua a mesma. Derrotar o latifúndio e construir um modelo agrícola que garanta no meio rural uma sociedade sem desigualdades sociais e sem pobreza. Acontece que para alcançar esses objetivos é preciso se unir com outros setores sociais, para derrotar também o modelo econômico do governo.

Correio: A imprensa de maneira geral tem noticiado que o MST está "ficando isolado" entre seus aliados, referindo-se especialmente ao PT e à Contag. Como estão as relações do movimento com essas organizações?

João Pedro: Nossas relações com o PT e com a Contag, tanto em nível de direções, como de base, são muito boas. E todos nós temos a consciência que somos companheiros de uma mesma caminhada, rumo a um objetivo comum. Evidentemente que cada organização dos trabalhadores tem seus métodos, seus espaços, suas formas de agir diferenciadas. Essa pluralidade de formas e meios, que nos faz diferentes, não só é natural, como é necessária, para levarmos adiante as inúmeras tarefas de organizar as lutas de massa. Evidentemente que, na tática do governo de criar divisão no nosso meio, eles vivem plantando notícias diversionistas na imprensa. Estamos redobrando esforços, para nos articularmos entre os vários movimentos e organizações que atuam no campo, para, cada quem a seu modo, enfrentarmos esse modelo agrícola perverso em curso. E certamente esse ano teremos muitas lutas de massa no campo, de todos os setores. E da sociedade temos recebido cada vez mais manifestações de apoio e solidariedade. Como no caso de Carajás, e no julgamento do José Rainha. Agora mesmo, no dia l7 de abril, por exemplo, a Câmara distrital de Brasília nos concedeu o título de Cidadão Honorário, enquanto o negava para o ACM.

Correio: Durante a "festa" dos 500 anos, o presidente Fernando Henrique citou, diversas vezes, o MST em seus pronunciamentos. Não citou partidos de oposição, centrais sindicais ou outras organizações da sociedade civil. Alguns analistas concluíram que o MST é hoje o principal opositor do governo, ou pelo menos o que FHC mais teme. O que você acha desta análise?

João Pedro: Evidentemente que FHC e a classe dominante queriam fazer uma "festa" (convidaram mais de 700 jornalistas de todo mundo) para os colonizadores. Esqueceram-se de avisar o povo. Ora, depois de 500 anos de exploração, escravidão, colonialismo, humilhação, querer celebrar essa história com festa, foi uma provocação da classe dominante contra nosso povo. E os setores populares mais organizados deram a resposta: o movimento indígena, os movimentos negros, sindicalistas, o movimento popular e nós do MST. FHC preferiu nos atacar como uma tática, para dissimular o que na verdade estava acontecendo, que eram segmentos representativos de todo povo que estavam lá. A própria população de Porto Seguro, embora desorganizada, e os jornalistas brasileiros presentes vaiaram a comitiva oficial. Mas o fato mais importante é que a mobilização de massas e a estúpida repressão havida colocaram a luta contra o governo FHC num novo patamar, e o governo está ainda mais isolado do povo.

 

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